Imoral,
Mas Não Engorda
(texto originalmente publicado em Revista Rua Grande)
Vivemos tempos perigosos. Há
um neo-moralismo vigente em nossa sociedade (não me refiro só à brasileira, mas
à terráquea) que insiste em pautar certos assuntos como tabus à prova de
qualquer discussão ou teorização. Se tais assuntos forem utilizados para fazer
humor, bom, daí é certo o levante de indignados pela blasfêmia do herege
incauto que se aventurou a extrair uma piada da pauta proibida. A única
diferença para a Idade Média é que hoje em dia esses defensores da tal suposta
moral não bradam tochas, mas ainda há tempo para chegarmos lá.
Se na televisão o nome do momento em termos de humor
politicamente incorreto é o de Louis C. K. (do seriado autobiográfico Louie, que
só passa na TV a cabo), no cinema o figurão é Sacha Baron Cohen, um
inglês grandalhão que vira e mexe pinta nas telas fazendo graça em cima dos
preconceitos arraigados do povo americano.
Em O Ditador (The Dictator), ele abandona a
estrutura dos falsos documentários que lhe deram fama em Hollywood com Borat e
Brüno e volta à comédia de ficção, como já fizera em Ali G Indahouse -
O Filme, lançado diretamente em DVD no Brasil.
Novamente dirigido por Larry Charles (um dos criadores
do seriado Seinfeld, o que nunca é um mau sinal), o filme é uma impressionante
sucessão de gags que derrubam toda e qualquer barreira moralmente aceitável,
pelo menos sob a ótica desse neo-moralismo corrente.
No filme, o ditador
Almirante-general Aladeen, regente da República de Wadiya parte em visita à ONU
em Nova York
para explicar seus testes nucleares. Só que acaba seqüestrado e substituído por
um sósia. Barbeado e sem seu visual característico, ele assiste ao seu tio
Tamir (Sir Ben
Kingsley, divertindo-se ao topar fazer coisas inimagináveis para quem já ganhou
um Oscar por Gandhi) assumir o poder. Com a ajuda de uma
feminista vegetariana do Brooklyn (Anna Faris, de Todo Mundo Em Pânico),
por quem se apaixona, Aladeen tenta reconquistar seu trono.
Utilizando essa trama básica, Sacha Baron Cohen
dinamita todos os tabus existentes, empilhando piada em cima de piada sobre o
11 de Setembro, os governos islâmicos, o homossexualismo, o racismo, o
anti-semitismo e, principalmente, o conservadorismo americano. Não sobra pedra
sobre pedra nas tiradas de O Ditador, que podem soar muito ofensivas para os
desavisados, mas revelam um artista que sabe como ninguém unir o humor dos
comediantes de stand-up com uma visão inteligente e perspicaz do comportamento
por vezes imbecil de nós todos.
Toda a escatologia e as tiradas incômodas do roteiro
servem de aperitivo para a verdadeira carta de intenções do filme: o discurso
final do ditador na sede da ONU, quando Sacha não deixa qualquer dúvida sobre a
sua posição política dentro do cenário global. E isso tudo arrancando risadas
do público.
A trinca ZAZ (Jerry Zucker, Jim Abrahams e David
Zucker, de Apertem Os Cintos... O Piloto Sumiu e Corra Que A Polícia Vem Aí)
ficaria orgulhosa com a quantidade de piadas disparadas a cada fotograma,
algumas escondidas no próprio cenário. Aos mais sensíveis, que fiquem em casa e
curtam o Zorra Total. Para quem embarcar no humor ácido de Cohen, é disparado a
melhor comédia de 2012 até agora.
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