O Homer Vitruviano

O Homer Vitruviano
Leonardo quase acertou.

Wel Come Maguila, Mas Manda Flores No Dia Seguinte

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quarta-feira, 23 de maio de 2012

A principal vítima da entrevista da Xuxa é o Khouri.


Vou entrar na discussão causada pela tal entrevista da Xuxa que tanto povoou as redes sociais na última semana. Mas não para criticá-la ou absolvê-la, coisa que tantos e tantos por aí vem fazendo dia após dia desde que o conteúdo de suas declarações atingiu a internet.

Não é meu papel aqui formar um juízo sobre a sinceridade ou não de suas declarações. Sobre o tema “abuso infantil”, só me resta dizer que é, per se, algo lastimável. Se aconteceu com ela, é uma pena. Assim como é horrível que aconteça com tantas e tantas crianças mundo afora. Diariamente. E sem destaque na televisão ou em qualquer rede social. É no mínimo preocupante que ela tenha ficado quase 40 anos aparentemente escondendo isso da própria família, considerando que um dos supostos ofensores seria um padrinho, mas cad'um, cad'um. 

Acontece que, como toda a polêmica alastrada pela internet, o assunto acabou se tornando mais um assunto que polarizou defensores e acusadores, cada qual investindo-se na posição de Juiz Supremo da Galáxia e declarando que o lado oposto era o Eixo do Mal. Não há meio-termo nem espaço para declarações amenas na terra de Bill Gates.

O que me incomodou nesse episódio todo é que tanto os adoradores da sra. Meneghel quanto aqueles que a abominam (eu, pessoalmente, sempre achei a moça uma mala e não é essa entrevista que vai mudar o que penso sobre ela) passaram a alardear inverdades sobre o tal “filme pornô” que a ex-apresentadora teria feito lá nos idos dos anos 80. Uma produção que seria tão cheia de sacanagem que (vejam só) incluía uma cena de sexo entre uma Xuxa de apenas 16 anos e um pirralho de apenas nove.

Sinto desapontá-los. O filme em questão (Amor Estranho Amor) só ganhou essa notoriedade injusta porque miss Meneghel teve êxito em uma ação absurda que moveu contra a exibição e comercialização da obra no Brasil. Pensam que os fundamentos do processo residiam em algum trauma pela participação na produção ou algum abuso sofrido durante as filmagens? Nada disso. A justificativa para a ação (acatada por um Judiciário que às vezes me parece formado por samambaias de toga) residia no hipotético mal que o filme faria para a imagem pública de Xuxa junto aos seus baixinhos.

Hmmmm, então seria o filme uma pornochanchada da pior espécie, daquelas capazes de fazer desmaiar freiras? Também não. Ironicamente, o filme, que ganhou essa falsa fama após o imbróglio judicial e a censura abençoada por nosso Judiciário, trata-se de uma livre adaptação da peça Édipo Rei, de Sófocles, transposta para o mundo da elite paulistana.

O diretor é Walter Hugo Khouri, falecido em 2003, talvez o mais freudiano de todos os cineastas brasileiros. Khouri, que construiu uma obra intimista influenciada por Bergmann e Antonioni, sempre recheou os seus filmes com forte carga erótica, uma forma de desvendar suas tramas e personagens através de arquétipos e simbolismos trazidos da Psicologia que tanto lhe fascinava.

É triste, portanto, ver tanta gente apontando para um filme que na época foi saudado como um dos melhores trabalhos do cineasta e taxando-o com adjetivos que não lhe dizem o mínimo respeito.Vejam só: no elenco de Amor Estranho Amor, os protagonistas são os astros mais populares da época: Tarcisão Meira no auge da pose de galã de novelas, Vera Fischer, um Mauro Mendonça recém saído do sucesso estrondoso de Dona Flor E Seus Dois Maridos e Matilde Mastrangi, a sex symbol do cinema brazuca naqueles dias. Xuxa, que posaria no mesmo ano pelada para a Playboy, era uma mera coadjuvante. E até onde eu sei, foi o único filme de que participou que remotamente possa ser chamado de cinema.

Pois não há nada de obsceno ou pornográfico em Amor Estranho Amor. A tal cena de sexo entre Xuxa e o garoto (que tinha 12 anos à época, não 9, como as mensagens compartilhadas insistem em apontar nas redes sociais) nem é a mais ousada do filme. Cena forte é a transa que o pirralho tem com Vera Fischer, principalmente por conta dos personagens que interpretam dentro da trama (Édipo Rei, saca?).

E não me venham com a balela de que os produtores tenham “abusado de duas crianças”. Primeiro, porque o filme tem 30 anos e nunca (nunca mesmo) foi tangenciado por quem quer que seja que aos dois menores não tenham dado o acompanhamento adequado (familiar, profissional, psicológico) durante as filmagens. O garoto Marcelo Ribeiro inclusive trabalhou com Khouri em outras 3 produções, uma delas anterior a Amor Estranho Amor.

Pensar assim seria o mesmo que acusar Louis Malle de ter abusado de Brooke Shields em Pretty Baby (1978), quando ela tinha meros 12 anos de idade. E Brooke teria sido novamente abusada em A Lagoa Azul, dois anos depois. Sem falar em Jodie Foster, abusada por Scorcese em Táxi Driver (1976), em que interpretou um prostituta aos 14 anos. Ou o que se dirá de Bernardo Bertolucci, que ousou filmar uma relação incestuosa em La Luna (1979), em que o jovem ator principal tinha apenas 16 anos de idade?

Por qualquer ângulo, Walter Hugo Khouri parece se tornar a principal vítima da nova polêmica da web. Gostando ou não da filmografia do diretor (e, creiam-me, eu tenho ressalvas em relação a muitos de seus filmes), algo que não merece ser atribuído a Khouri é a alcunha de autor de pornochanchadas. Autor de Noite Vazia, O Anjo da Noite, O Prisioneiro do Sexo, Eros, dentre tantos outros, o cineasta foi um dos mais premiados diretores da cinematografia brasileira.

Quanto ao argumento ridículo de que o filme denegriria a sua imagem junto ao público infantil, a imagem que circulou pela internet durante a semana, com Xuxa enfiada dentro de um maiô decotado, com os peitos quase caindo sobre a cabeça de dois de seus “baixinhos” durante um de seus programas infantis, já daria fundamento jurídico suficiente para indeferir a ação proposta contra Amor Estranho Amor. E ainda daria bons motivos para que a sra. Meneghel fosse condenada a pagar uma multa por litigância de má fé.


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