O Homer Vitruviano

O Homer Vitruviano
Leonardo quase acertou.

Wel Come Maguila, Mas Manda Flores No Dia Seguinte

Bem-vindos, párias, desgarrados, nerds, loucos de toda espécie ou, caso esse negócio não der certo, boas vindas às minhas demais personalidades. Façam-se ouvir, façam-se sentir, façam-se opinar. E, caso falte energia ou acabe a bateria, faça-se a luz!


sábado, 10 de janeiro de 2015

O Cinema em 2015 aos meus olhos

Vou dar início oficialmente ao ano de 2015 com a já tradicional lista dos filmes vistos ou revistos no ano, do primeiro em diante, todos eles com micro (ou quase micro) comentários e uma nota. O numeral atribuído a cada nota, como sempre, deve ser visto com reservas. Em primeiro lugar, não se pode condensar toda a avaliação sobre uma obra, qualquer que seja, em um simples número, o que seria de um reducionismo pedestre. A nota serve, no caso dos comentários breves, como forma de ilustrar o que não coube no texto. 
Neste ano, mudarei um pouco as regras de numeração, passando a utilizar os seguintes parâmetros para quantificar as notas: 
-  notas 10: só para filmes que passaram no teste do tempo, ou seja, somente para filmes que permanecem excelentes mesmo após mais de 20 anos de seu lançamento;
- de 8 a 9: filmes ótimos;
- de 5 a 7,5: filmes bons;
- 3 a 4,5: filmes razoáveis;
- 1 a 2,5: filmes com variáveis graus de ruindade.

Já os títulos seguirão com os códigos já adotados nos anos anteriores:
* Filmes vistos no cinema
** Filmes revistos 
Sublinhados: filmes que passaram no circuitão do RS em 2015
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1 - The Rover - A Caçada (The Rover, 2014): bem interessante o trabalho que David Michôd apresenta logo após o sucesso de seu ótimo Reino Animal, de 2010. Com um cenário que remete ao pós-apocalipse da trilogia Mad Max, Michôd se arrisca ao propor uma ficção existencialista que encontra eco em muitos elementos dos faroestes clássicos. Guy Pearce está impecável no papel do protagonista durão, mas é surpreendente mesmo atestar como Robert Pattinson, longe da horrenda franquia que lhe deu fama, consegue aos poucos entregar atuações ótimas em projetos ousados, o que pode culminar com o devido tempo na construção de uma carreira invejável. Pecando somente no ritmo instável, que alterna momentos inspirados com outros modorrentos, The Rover ainda assim é um passeio marcante pelo lado mais obscuro da alma humana. Bem legal. Nota 7,5

2 - À Procura (The Captive, 2014): onde foi parar o cinema transgressor do egípcio Atom Egoyan (Exótica, O Doce Amanhã, Verdade Nua) é a pergunta que fica após assistir a esse thriller demasiadamente convencional, que nunca se arrisca além do porto seguro dos clichês mais batidos do gênero. A edição, que embaralha linhas temporais gratuitamente, tem o claro objetivo de tentar mascarar a implausibilidade do roteiro chinfrim, tarefa das mais inglórias e de impossível sucesso. Não incomoda, mas é daqueles filmecos que, logo após o The End, parecem evaporar da memória instantaneamente. Nota 4

3 - Toque de Mestre (Grand Piano, 2013): com um conceito que busca resgatar as tramas clássicas de suspense de Hitchcock, o diretor Eugenio Mira tenta emular o mestre do suspense com todas as ferramentas cinematográficas que lhe estão disponíveis (de longos travelings a tela partida, de planos-sequências à trilha sonora intrusiva que remete aos temas de Bernard Herrmann), algumas vezes com êxito. O problema é que, quando é revelada a motivação por trás do plano do vilão (John Cusack e sua carreira moribunda), fica evidente que o filme é daqueles truques de mágica que, por trás da pirotecnia cênica, esconde uma manobra das mais simplórias (no caso, um roteiro que não faz o menor sentido). Um daqueles filmes que diverte moderadamente mais por sua ruindade do que por seus predicados. Nota 4,5

4 - Complicações do Amor (The One I Love, 2014): irresistível comédia romântica que atropela qualquer clichê do gênero e apresenta um conceito intrigante de realidades paralelas que é muito bem defendido pela dupla central (Mark Duplass, do ótimo Sem Segurança Nenhuma, e Elizabeth Moss, do seriado Mad Men). O roteiro desenvolve a excelente ideia central com maestria, aguçando a mente do espectador na medida certa e propondo várias interpretações à história. Belo trabalho do diretor Charlie McDowell (filho dos atores Malcolm McDowell e Mary Steenburgen), é um dos filmes com maior potencial para virar cult movie que eu vi nos últimos tempos. Nota 8,5

5 - Sob A Pele (Under The Skin, 2013): taxado de pretensioso por quem não o compreendeu em sua essência, é talvez o título mais difícil a aportar nos cinemas brasileiros em 2014 (e isto porque Terrence Malick não lançou nenhum filme no ano passado). Por trás de seu desenvolvimento lentíssimo, quase sem diálogos, Sob A Pele revela um fiapo de trama que serve a um estudo profundo da cultura da aparência e do culto à beleza na sociedade moderna. O extraterrestre que ganha o rosto e o corpo nu de Scarlett Johansson tem a jornada de redenção clássica dos personagens trágicos da literatura clássica, mas aqui essa trajetória é composta de imagens cheias de simbolismos, quase hipnóticas, embaladas por uma trilha sonora inspiradíssima do estreante Mica Levi. Há cenas que, por sua plasticidade excêntrica, dificilmente serão esquecidas. Aliás, quanto mais eu penso no filme, mais ele ganha corpo em minha memória. Me faz inclusive querer rever os trabalhos anteriores do diretor Jonathan Glazer (Sexy Beast e Reencarnação). Um dos grandes filmes do ano passado. Nota 9

6 - All Cheerleaders Die (All Cheerleaders Die, 2013): comédia de horror que até começa bem, apresentando um conceito que mistura Meninas Malvadas com Jovens Bruxas, mas lá pelas tantas descamba para um festival de (d)efeitos especiais de última categoria e a situações tão esdrúxulas que fazem com que o humor se aproxime demais do alvo de suas piadas. No final das contas, parece uma paródia muito pior do que os longas que deseja satirizar. Nota 2  

7 - Caçada Mortal (A Walk Among The Tombstones, 2014): Liam Neeson se reinventou como astro de ação e aqui está em plena forma no papel do durão relutante com um trauma do passado a resolver. Segunda adaptação cinematográfica da série de livros de Lawrence Block com o personagem do policial aposentado e agora detetive Matt Scudder (a primeira é o oitentista Morrer Mil Vezes, com Jeff Bridges na pele do protagonista), Caçada Mortal segue o manual do gênero do filme de investigação sem muitos percalços. Não chega nunca a empolgar como deveria, mas ainda assim diverte pela correção com que é conduzido por Scott Frank (roteirista de Minority Report que estreou na direção com o ótimo O Vigia). Nota 5,5

8 - Savaged (Savaged, 2013): existem filmes ruins que são bons de tanto que divertem pela mediocridade. Existem filmes ruins que são apenas ruins. E existe esse Savaged, um filme tão, mas tão, ruim que extrapola qualquer parâmetro de comparação. Desde a fotografia que parece saída do Instagram de uma patricinha abobalhada até o roteiro pavoroso, nada se salva aqui. Parece uma brincadeira filmada entre amigos sem talento algum para consumo próprio. A execução é tão amadora que, lá pelas tantas, a coisa para de ser engraçada para se tornar insuportável. Não sei como sobrevivi até o final. O orçamento paupérrimo (responsável por efeitos especiais hilariantes) seria melhor empregado se fosse jogado de cima do Grand Canyon. Nota 1 (e só porque é a nota mínima)

9 - Roubo A Máfia (Rob The Mob, 2014): drama baseado em fatos reais que é muito divertido em sua contextualização da história de Bonnie & Clyde para os tempos modernos. Com um elenco afinado, consegue atrair a simpatia para os seus protagonistas fora-da-lei e completamente sem noção, brincando com os arquétipos e clichês dos filmes de máfia sem desonrá-los, muito menos imitá-los. Uma produção até certo ponto leve que conta ainda com uma engraçadíssima atuação coadjuvante do ator e cineasta Griffin Dunne (Depois de Horas). Vale a conferida. Nota 7

10 - Ninfomaníaca: Volume 2 (Nymphomaniac: Vol. II): não entendo os detratores de Lars Von Trier, que o taxam de pretensioso ao mesmo tempo que apontam que suas tramas são vazias de significado. Me enquadro naqueles que acham o cineasta uma das grandes vozes do cinema moderno, sempre irrequieto e apostando em obras que vão contra o mainstream estabelecido pela modinha da vez. Ninfomaníaca é um trabalho intrigante, com dois longas que, vistos separadamente pela imposição da distribuidora, cresce ainda mais se visto como uma obra só. Corajoso em sua abordagem de um cinema pornográfico que não excita, mas, pelo contrário, causa repulsa, é daqueles filmes que crescerão no imaginário cinematográfico com o tempo. Mesmo que as ilações do personagem de Stellan Skarsgård soem gratuitas em certos momentos, o roteiro trata o tema da ninfomania com respeito e, a despeito de seu tema explosivo, é uma das produções mais fáceis de serem apreciadas pelo grande público dentro do currículo do diretor. Cabe apontar que Von Trier quase cria aqui uma defesa própria a seu cinema, uma vez que por tanto tempo foi apontado como misógino por grande parte da crítica (e de misoginia Ninfomaníaca não tem absolutamente nada, vale dizer). Um belíssimo trabalho que conta com um desfecho irrepreensível, um genial fecho à jornada de libidinagem e culpa da personagem Joe. Nota 8,5


11 - Sentimentos Mortais (Seconds Apart, 2011): com uma dupla de vilões sinistra (os gêmeos interpretados por Edmund e Gary Entin), o filme parece que vai decolar, mas esbarra na completa falta de noção do roteiro, um amálgama de absurdos que não faz o menor sentido. Piora o fato do suposto herói ser vivido por um comediante (Orlando Jones, de Evolução), que parece constrangido em vestir durante o filme todo o mesmo sobretudo (uma escolha de figurino que já denuncia a falta de criatividade do diretor) e ter de fazer cara de dor-de-barriga durante toda a metragem da produção. O final e sua suposta reviravolta (que já é previsível a partir dos dez minutos de projeção) é tão absurdo e implausível que chega a ser engraçado. Nota 2  



12 - [REC] 4 - Apocalipsis ([REC] 4 - Apocalipsis, 2014): bem melhor que o meia-boca [REC]3: Gênesis, é um filme que atesta a boa mão do diretor Jaume Balagueró para a direção de filmes de terror (a sequência anterior foi filmada por Paco Plaza, co-diretor dos dois primeiros filmes da franquia [REC]). Ao contrário de Plaza, Balagueró acertadamente não opta por levar a série de filmes para o pastiche cômico, optando por criar um clima de terror sufocante que remete à Alien - O Oitavo Passageiro. Com uma influência cinematográfica acertada, Balagueró constrói cenas de impacto, com destaque para a participação dos macacos digitais, que revelam-se um achado. Apesar de praticamente ignorar os desdobramentos religiosos do final de [REC] 2: Possuídos e da broxada que é eliminar qualquer traço da opção estética da câmera na mão utilizada nos dois primeiros filmes, consegue entreter na medida certa e, aqui e ali, ainda proporcionar momentos tensos e sustos esporádicos. Uma continuação que não ofende a franquia, mas nunca se equipara a seus dois primeiros capítulos. Nota 5,5

13 - Joe (Joe, 2013): o cineasta David Gordon Green retorna às suas raízes cinematográficas com essse filme, que remete imediatamente a George Washington, Prova de Amor e Contra A Corrente, seus primeiros filmes que eram ambientados no interior pobre e desolado dos Estados Unidos. É uma ótima guinada na carreira de um diretor independente que repentinamente conseguiu emplacar um sucesso de bilheteria (Segurando As Pontas) e logo amargou dois fracassos retumbantes: Sua Alteza? e O Babá(ca). Contando com um Nicolas Cage surpreendentemente inspirado (e provavelmente contido à base de tranquilizantes para cavalo no set de filmagens), o filme lança um olhar ao mesmo tempo realista e emotivo do povo desamparado dos Estados Unidos. Há uma nítida preocupação no longa em soar "real" dentro do contexto fictício do roteiro (o fato de Gary Poulter, que interpreta o pai do protagonista, ser um morador de rua alcoólatra que morreu dois meses após o término das filmagens e que se revela um baita ator, é o melhor indício dos objetivos traçados pelo diretor) e Cage surge com uma interpretação muito sincera do personagem-título, adicionando camadas pessoais a uma figura ficcional que guarda muitas semelhanças com o ator. Um belo trabalho de Green e uma das raras oportunidades de se ver Cage em uma produção que não concorra à Framboesa de Ouro. Nota 7,5

* 14 - Whiplash - Em Busca da Perfeição (Whiplash, 2014): ao final da sessão em que assisti a esse sensacional Whiplash, o público aplaudiu acaloradamente a produção. E eu quase levantei para bater palmas de pé, como eu aprendi quando criança que manda a etiqueta no caso de se estar assistindo a alguma obra espetacular. O filme é um triunfo da Sétima Arte que faz de um estudo de personagens focado no limite entre o bullying e o ensinamento soar como uma ópera clássica para o público. Contando com um elenco irrepreensível (J. K. Simmons merece, sim, arrecadar todos os prêmios que lhe surjam pela frente) e um trabalho de edição memorável (só a sequência final deveria ser laureada por qualquer agremiação de votantes), Whiplash é aquela produção independente que não vai levar para casa o Oscar exclusivamente por sua falta de pretensão. O resultado, pelo contrário, é de uma eficiência ímpar. Amantes de jazz ou não, é difícil (muito difícil), sobreviver à sua metragem sem se identificar com o novato Miles Teller (O Maravilhoso Agora, Finalmente 18, Divergente) e sua relação de amor e ódio com o professor interpretado de forma visceral por Simmons. A cena final deveria ficar gravada entre os melhores momentos do Cinema nas últimas décadas. Recomendação máxima. Nota 9


* 15 - Invencível (Unbroken, 2014): em seu segundo trabalho como diretora, Angelina Jolie acerta e erra na mesma medida. Por um lado, a agora cineasta convence nas sequências de ação da Segunda Guerra e na longa passagem transcorrida em alto-mar. Por outro, sobra adoçante nas cenas que registram a juventude do protagonista e no desfecho, que remete equivocadamente a simbolismos religiosos fora do contexto. O lado bom é que a história de Louis Zamperini, medalhista olímpico capturado pelos japoneses durante a Segunda Guerra Mundial, é fascinante o suficiente para perdoar certos deslizes da produção, como os efeitos digitais horrendos, principalmente aqueles envolvendo um pássaro e uma tempestade em alto mar. Há sérios problemas de ritmo na narrativa, que se arrasta desnecessariamente no terceiro ato, passado entre prisões japonesas, cujas cenas, além de redundantes, revelam-se previsíveis. No geral, porém, é um filme recheado de clichês que se revela uma produção que remete, aos trancos e barrancos, aos filmes grandiosos da fase de ouro de Hollywood. Pouco para valer algum prêmio, mas bastante para prender a atenção. Nota 7



16 - Tusk (Tusk, 2014): Kevin Smith parece ser aquele cara de meia-idade que esqueceu de amadurecer. Com base em uma anedota contada em um de seus podcasts, esse Tusk ganhou vida através da resposta afirmativa de seus ouvintes, na maioria nerds adolescentes que encararam a ideia como uma piada, não um "projeto" propriamente dito. E esse detalhe de concepção está impregnado em cada fotograma de Tusk, um híbrido de comédia e terror que nunca chega a honrar qualquer dos dois gêneros. O principal problema é que o protagonista vivido por Justin Long (Arraste-Me Para O Inferno) é uma pessoa desprezível, um amálgama de todos os pensamentos e piadocas sem graça proferidos por Kevin Smith nos últimos anos, o típico adulto que se recusou a crescer e que continua portando-se como um adolescente anacrônico. Por isso, fica difícil torcer pela sorte do personagem principal, o que automaticamente distancia o público da ameaça personificada pelo personagem de Michael Parks (excelente). Quando lá pelas tantas surge em cena Johnny Depp imitando o Inspetor Clouseau de Peter Sellers sem qualquer sutileza, a trama, que tangenciava o terrorzão, vira uma comédia sem graça alguma. Se não fosse por algumas ideias esparsas, lançadas aqui e ali, Tusk sequer seria assistível. Muito pouco para um cineasta que, em outro século, estreou no cinema com um projeto despretensioso (e genial) chamado O Balconista. Nota 3



17 - De Volta Ao Jogo (John Wick, 2014): dirigido pelos mesmos coordenadores de dublês da trilogia Matrix, 300 e V de Vingança, é um filme de ação em que absolutamente tudo dá certo. Do protagonista carismático aos vilões malvados, da introdução de um universo próprio (a ideia do hotel especializado em hospedar bandidos é ótima) às impecáveis sequências de lutas e tiroteios, tudo é conduzido como deveria ser em um filme de gênero como esse. A trama é tola o suficiente para não atrapalhar o impressionante trabalho dos dublês, um feito honroso em tempos de efeitos especiais empregados a torto e a direito. Tem toda a cara daquele filme que vai virar cult daqui a uns anos. Junto com sua boa estreia na direção (O Homem do Tai Chi), representa um bom reboot na carreira de Keanu Reeves. Nota 8 


18 - O Refúgio de Stonehearst (Eliza Graves, 2014): mal lançado nos EUA com o título de Stonehearst Asylum, é uma adaptação de um conto de Edgar Allan Poe que entretém pela correta ambientação e pelo elenco estelar (Kate Beckinsale, Jim Sturgess, Ben Kingsley, Michael Caine, Brendan Gleeson). Tem alguns furos de roteiro que incomodam, mas a discussão entre o que é considerado "normal" x "anormal" pela sociedade, centro do conto de Poe, permanece atual e instigante. Um bom passatempo comandado por Brad Anderson, que impressionou em O Operário e Expresso Transiberiano, mas decepcionou em Chamada de Emergência e Mistério da Rua 7. Nota 7   



* 19 - Busca Implacável 3 (Taken, 2015): Liam Neeson se reinventou como herói de ação nas telas pelas mãos de Luc Besson, que roteirizou o divertido Busca Implacável em 2008. Fazia sentido aproveitar a voz trovejante e a imponência física do cinquentão Neeson no gênero dos policiais, algo que deu tremendamente certo perante o público nos últimos anos. Mas nem todo o carisma do ator de A Lista de Schindler é capaz de perdoar algo como esse Busca Implacável 3, que consegue a proeza de transformar, em comparação, a primeira sequência (Busca Implacável 2 - Pagando Mico Na Turquia) em algo assistível. Equivocado desde a sua premissa e com um roteiro que chega a ser constrangedor de tão ruim (a primeira cena entre Neeson e Famke Janssen chegou a me ruborizar de tão escrota), é daquelas produções que grita caça-níquel a cada minuto. O execrável "diretor" Olivier Megaton (cujo nome já é uma piada pronta em si), que queimou neurônios mundo afora com Carga Explosiva 3 e Busca Implacável 2, parece ter uma tara nem tão secreta pelo cinema de Paul Greengrass, especificamente pela trilogia Bourne. O problema é que Megaton é tão incompetente na tentativa de copiar o estilo de Greengrass que acaba por estragar toda e qualquer cena de ação, principalmente a sequência da perseguição de carros, claramente a mais cara da produção e que resulta em um festival confuso de cenas cortadas que não aproveita o trabalho dos dublês nem os efeitos especiais empregados. É virtualmente impossível decifrar o que está acontecendo na tela quando Neeson luta ou troca tiros com os bandidões da vez, um embaralhamento visual que escancara as limitações do diretor. E quando um filme de ação não consegue entregar sequer a diversão esperada aos amantes do gênero é porque a coisa toda degringolou completamente. Nada contra Neeson continuar apostando em sua persona de casca-grossa em enlatados do gênero, mas que pelo menos o faça em uma produção que consiga disfarçar a mediocridade das produções que colocam o seu nome no cartaz. Nota 2



* 20 - Foxcatcher: Uma História Que Chocou O Mundo (Foxcatcher, 2014): o subtítulo brasileiro, além de desnecessário, revela-se mentiroso, pois o fato encenado pelo filme sequer teve repercussão mundial (causou comoção mesmo só em solo ianque). Mesmo assim, Foxcatcher revela-se um estudo de personagens (os três principais, interpretados de forma irrepreensível por Channing Tatum, Steve Carell e Mark Ruffalo, sendo o primeiro uma injusta esnobada nas indicações ao Oscar 2015) preciso e com abrangência mundial, daqueles que instigam o espectador a buscar a história real por trás dos acontecimentos retratados. Carell, aliás, por trás da pesada maquiagem, transforma um personagem que poderia descambar para uma mera caricatura em uma pessoa de carne e osso cheia de idiossincrasias e plena de contradições, quase um clone da pessoa real que interpreta. É um longa que faz jus à expressão americana "slow burn", aquela trama que se desenrola muito lentamente até um clímax estridente (algo, aliás, já feito pelo dramaturgo e diretor Bennett Miller em Capote, de 2005). Com interpretações certeiras (há sequências que, em seu minimalismo simbólico, possibilitam conhecer profundamente os personagens mesmo sem diálogos, como o primeiro treino entre os dois irmãos atletas) e uma cinematografia elaborada, é um longa cujo impacto é proporcional às várias camadas de personalidade de seu trio de protagonistas: é daqueles filmes que rendem muitas e muitas interpretações e descobertas após os créditos finais. Discutir e racionalizar sobre as motivações dos personagens após o término da sessão é o maior prazer de Foxcatcher. E isso é muito bom. Nota 8,5 



* 21 - Livre (Wild, 2014): que bela surpresa é essa adaptação de Nick Hornby (Alta Fidelidade, Um Grande Garoto, Educação) de um romance autobiográfico de outra autora (Cheryl Strayed). Navegando pelas mesmas ondas do superior Na Natureza Selvagem, mas de forma muito mais leve, Livre consegue entregar ao público aquela mesma sensação de comunhão com o planeta Terra que o longa de Sean Penn transpôs tão bem para a telona. Através de uma edição irrepreensível, que foi uma das grandes injustiças dentre as indicações ao Oscar 2015, o roteiro consegue seguir a protagonista (uma ótima Reese Whiterspoon, diga-se de passagem) enquanto explica didaticamente as razões para suas ações em flashbacks inesperados e muito inspirados (e são nessas sequências que Laura Dern, apesar do pouco tempo em cena, justifica sua indicação ao Oscar com uma luminosidade inédita que parece contagiar o filme inteiro, mesmo quando sua ausência é parte fundamental da trama). Bem escrito e otimamente dirigido pelo canadense Jean-Marc Vallé (O Clube de Compras Dallas), é daqueles feel-good movies que parecem tirar todo o peso do mundo das costas do espectador durante a sua metragem. Ótimo para qualquer estação do ano e dá uma vontade danada de sair caminhando a esmo por aí. Nota 8,5


22 - The Tunnel (The Tunnel, 2011): rodado parcialmente via contribuição popular pelo Kickstarter, é uma produção que não entrega o seu orçamento simplório em momento algum. As opções por fugir da desgastada estética do found footage (filmes de imagens encontradas) e investir no gênero do "falso documentário" também têm suas vantagens e desvantagens. Por um lado, o filme ganha uma cara inovadora a despeito de seu tema batido (equipe que vasculha os subterrâneos para fazer uma matéria e é surpreendida por forças talvez sobrenaturais). O longa se sai muito bem ao apresentar de forma correta os personagens e estruturar a trama, mas derrapa vergonhosamente ao não conseguir imprimir medo no desenrolar da história. Os sustos esparsos não conseguem esconder a falta de verba do projeto, que opta por nunca revelar a natureza de seu vilão, que só aparece em relances muito problemáticos. Também depõe para a falta de suspense o fato de, amparado em entrevistas, o falso documentário em questão já entregar de antemão quem são os sobreviventes da expedição que serve de mote ao roteiro. Uma pena. Nota 4


 * 23 - A Teoria de Tudo (The Theory Of Everything, 2014): adaptado do livro escrito pela ex-mulher de Stephen Hawking (Jane), essa adaptação naturalmente padece de uma visão unilateral sobre a vida do gênio da física. Optando por deixar em segundo plano as teorias e ideias revolucionárias de Hawking, o longa é centrado no primeiro casamento do protagonista e na evolução de sua doença degenerativa, o que de certa forma contribui e muito para a excepcional performance de Eddie Redmayne (Os Miseráveis, Sete Dias Com Marilyn), que consegue captar todos os trejeitos do biografado, desde os mais evidentes aos mais obscuros (é importante registrar que a doença, além de um obstáculo técnico óbvio, paradoxalmente representa também uma muleta de atuação para Redmayne, que já possui inclusive semelhança física com o retratado mesmo sem maquiagem). Relevando os pontos discutíveis do roteiro (há uma evidente intenção em pintar tanto Hawking quanto Jane como seres virtuosos, que não apresentam falhas de caráter em momento algum, a exemplo da duvidosa passagem que envolve o nascimento do terceiro filho do casal), o que resta é um longa bonito de verdade, com uma direção equilibrada de James Marsh (do ótimo documentário O Equilibrista, premiado com o Oscar em 2008) e uma trilha sensacional de Jóhann Jóhannsson. A despeito de seus deslizes biográficos, A Teoria de Tudo é aquele filme que consegue arrancar emoções irrestritas do público e mesmo assim apresentar-se como um trabalho de qualidade. Só por isso já merece a atenção. Nota 8

24 - Big Driver (Big Driver, 2014): telefilme que adapta um conto do mestre Stephen King, mas, como 90% das tentativas de levar suas histórias para a tela, revela-se um desperdício de grana dos produtores e de tempo de vida do público. Apesar do começo promissor, logo a trama revela não ter quase nada a dizer, apesar da atuação esforçada de Maria Bello (muito bem em cena). O desfecho é tão mequetrefe e anticlimático que é difícil supor o motivo pelo qual algum executivo decidiu que o roteiro merecia ser encenado. Um porre. Nota 2 



* 25 - Caminhos da Floresta (Into The Woods, 2014): não é necessário ser um fã incansável de musicais da Broadway para curtir essa mais nova adaptação de uma dessas peças para o cinema, mas é preciso, sim, não odiar o gênero, como parece ser o caso de uma parcela do público que não cresceu com os repetecos infinitos de Annie e Sete Noivas Para Sete Irmãos na Sessão da Tarde dos anos 80. Caminhos da Floresta, apesar do que o logotipo da Disney antes do início do filme parece sugerir, não é mais uma daquelas produções fofinhas de contos-de-fada que o estúdio sabe como ninguém produzir em escala industrial. O musical original contem uma visão sombria sobre os personagens clássicos que recria, com um tom mais paródico e adulto do que aquele normalmente reservado às fábulas infantis. Criado na década de 80 para os palcos novaiorquinos, Into The Woods soa um pouco datado hoje em dia, quando lá se vão tantos e tantos anos desde que a franquia Shrek tirou o devido sarro dos mesmos contos que nossas mães e avós nos contavam já no berço. Há também um inegável desnível entre os dois principais atos do filme, o primeiro mais leve e o segundo bem mais pesado, o que se reflete no ritmo do longa inclusive através das músicas, nem todas assoviáveis ao final da sessão. O compositor Stephen Sondheim (de Sweeney Todd), lenda da Broadway e responsável pelas canções originais, possui um estilo bem clássico, longe dos ritmos pop que fazem a cabeça da juventude moderna, o que pode afastar boa parcela do público. Mesmo assim, é uma produção que enche os olhos por suas inúmeras qualidades cênicas, um elenco sensacional e passagens muito inspiradas (o duelo musical entre os príncipes canastrões é desde já uma das cenas mais legais do ano). Meryl Streep aproveita a primeira bruxa de sua extensa carreira e se diverte (e diverte o público) como nunca. De fato, o filme parece ganhar um sopro de leveza em cada uma de suas aparições. A ponta de Johnny Depp, como o Lobo Mau prester a devorar Chapeuzinho Vermelho, apesar de pequena, também é impagável. Também é ótimo constatar que o diretor Rob Marshall, fã das produções musicais da Broadway, conduz a história com uma excelência muito mais próxima de Chicago do que de sua desastrada encenação de Nine, suas duas primeiras incursões nesse universo. Caminhos da Floresta, no final das contas, deixa um saldo bem positivo ao final da sessão. E a mensagem por trás do projeto, apesar de simplória ("cuidado com o que deseja"), graças às reviravoltas trágicas de seu segundo ato, ganha contornos muito mais interessantes e adultos do que se poderia imaginar em um primeiro momento. Um belo musical que merece uma chance para ser descoberto. Nota 7,5 

* 26 - Birdman ou A Inesperada Virtude da Ignorância (Birdman or The Unexpected Virtue Of Ignorance), 2014):  se um filme pudesse ser comparado com uma refeição, Birdman seria aquele banquete gourmet que faz os convivas chamarem o chef ao final da comilança para cumprimentá-lo pela sequência espetacular de pratos exóticos servidos. Tecnicamente de cair o queixo, Birdman foi filmado como um falso plano-sequência cujas emendas são imperceptíveis a olho nu, mas a opção inusitada não tem nada de perfumaria barata: toda a estrutura metalinguística do longa casa com perfeição com a ideia de um plano único de filmagem, como uma peça que vai se desenrolando na tela (a exemplo da montagem teatral que serve de estopim para o roteiro). O que diferencia esse plano-sequência fake de Birdman de outros tantos já vistos na história do Cinema (o mais célebre de todos ainda o de Festim Diabólico, de Hitchcock), no entanto, é a sagacidade com que o diretor de fotografia Emmanuel Lubezki (Gravidade, Filhos da Esperança, A Árvore da Vida) lança mão de recursos tecnológicos de ponta para situar a trama não só em um espaço de tempo estendido de uma semana (e não em tempo real, como se esperaria), mas também rechear a trama com passagens de alucinação que não poupam efeitos especiais digitais e que surpreendentemente se inserem na estrutura de forma orgânica (pensar de que maneira foi conseguida essa façanha é um desafio intelectual e tanto). Porém, se contasse apenas com essa arquitetura técnica impecável, Birdman não seria o filme irresistível e instigante que é. O roteiro, escrito a oito mãos pelo diretor Alejandro González Iñarritu (Amores Brutos, 21 Gramas, Babel e Biutiful), Nicolás Giacobone, Alexander Dinelaris e Armando Bo (também diretor do excelente filme argentino O Último Elvis), é uma conjunção de ótimas ideias que traz um estudo de personagem raro hoje em dia, mas também uma profunda análise sobre a depressão e a necessidade de adoração nos tempos modernos, tudo isso com um senso de humor que ninguém suspeitaria que Iñarritu possuísse (verdade seja dita, seu projeto anterior, Biutiful, é talvez um dos filmes mais depressivos já feitos). Para o resultado tangenciar a perfeição, Iñarritu cercou-se de um elenco que contribui em muito para o realismo mágico e a metalinguagem que sustentam seu projeto. Por isso mesmo, a escolha de Michael Keaton para o papel do protagonista é obviamente perfeita: assim como o seu personagem no longa, o ator viveu o auge da popularidade ao interpretar um super-herói nos cinemas há duas décadas (os dois Batman comandados por Tim Burton) e, após negar-se a participar de uma sequência da mesma franquia, caiu em uma espécie de ostracismo, pelo menos no que diz respeito aos grandes sucessos de público. E Keaton dá show do começo ao fim no que é o melhor papel (e a melhor atuação) de sua carreira. Edward Norton, na pele do ator egocêntrico contratado às pressas (e que também emula a própria persona de seu intérprete, sempre taxado como um sujeito difícil de se trabalhar) para a montagem da peça que poderia servir como redenção para o protagonista, também está sensacional em cena. Aliás, o elenco não tem um só elo frágil: todos estão fantásticos, de Emma Stone a Naomi Watts, de Amy Ryan a um surpreendente Zach Galifianakis, que mostra que por trás do pateta da trilogia Se Beber.. Não Case existe um ator talentoso. Mesmo assim, é Keaton o dono da bola durante todo o projeto, que parece orbitar em volta de seu personagem (a impagável trilha de bateria, que transparece a ansiedade do protagonista, parece ter sido tocada pelo personagem de Miles Teller em Whiplash). Para completar, o final ambíguo, que dá margem a infinitas interpretações, mas que é de uma beleza raríssima, é a azeitona do dry Martini digestivo que encerra esse banquete cinematográfico. Nota 9



27 - Alexandre e o Dia Terrível, Horrível, Espantoso e Horroroso (Alexander And The Terrible, Horrible, No Good, Very Bad Day, 2014): bobinha que só ela, essa adaptação de um best-seller infantil não traz quase nada de novo, mas tem um charme que lembra bastante as produções escritas para as crianças por John Hughes nas décadas de 80 e 90, principalmente Quem Vê Cara, Não Vê Coração, Ninguém Segura Esse Bebê e Esqueceram de Mim. As desventuras e mini-tragédias vividas pela família do protagonista são retratadas com muito bom humor e bem escoradas no talento de Steve Carrell e Jennifer Garner, ambos muito simpáticos em cena. Não dói nada, mas é diversão garantida para um domingão em família. Nota 7



28 - A Entrega (The Drop, 2014): adaptação de um conto do excelente autor Dennis Lehane, cujas obras deram origem a ótimos filmes (Sobre Meninos e Lobos, Medo da Verdade, Ilha do Medo), é uma produção familiar a quem acompanha o trabalho do escritor. Por trás de uma trama que registra um cenário povoado por pessoas aparentemente comuns, escondem-se segredos que aos poucos vão revelando a natureza perigosa de seus personagens. Tom Hardy compõe seu protagonista no limiar entre o autismo e a sociopatia e, como de costume, está ótimo, mas é a atuação de James Gandolfini, reprisando pela enésima vez o papel do fora-da-lei decadente, que realmente dá um nó no peito, principalmente porque esse foi o último papel que o ator completou antes de sua morte prematura. Nota 6,5

29 - Operação Sombra - Jack Ryan (Jack Ryan: Shadow Recruit, 2014): equivocada tentativa de tentar dar um reboot na série de livros do falecido Tom Clancy, é um filme que consegue até elevar o desastrado A Soma de Todos Os Medos (a quarta tentativa de levar a franquia adiante após o sucesso de A Caçada Ao Outubro Vermelho, Jogos Patrióticos e Perigo Real e Imediato) acima da média. Mesmo que o seu protagonista tenha algum charme (Chris Pine, tentando equiparar-se a Alec Baldwin, Harrison Ford e Ben Affleck, o que faz com certa correção), o roteiro é de uma falta de originalidade gritante. O esquema escolhido para dar início à ação, além de paupérrimo (uma suposta crise financeira mundial), é praticamente ininteligível por causa da complicada mecânica econômica envolvida (parece muito, aliás, com o complô pedestre de Star Wars: Episódio 1 - A Ameaça Fantasma). Se as cenas de ação conseguissem de alguma forma salvar a premissa frágil, ok, mas não é o que ocorre aqui, com uma sucessão de sequências enlatadas que nunca empolgam. O que levou uma atriz talentosa como Keira Knightley aceitar fazer o papel da "donzela em perigo" é um mistério a ser desvendado. É um longa tão formulaico em sua concepção que não perturba, mesmo porque há em cena um correto Kevin Costner fazendo as vezes de coadjuvante de ação. Mas todas as vezes em que o também diretor Kenneth Branagh dá as caras como o vilão, com um sotaque russo de arrancar gargalhadas de constrangimento, o filme evidencia a sua aptidão para relegar-se ao imaginário dos filmes B. Nota 4



* 30 - Selma: Uma Luta Pela Igualdade (Selma, 2014): capitaneada uma atuação espetacular de David Olyelowo (de Interestelar e Jack Reacher, a maior esnobada do Oscar 2015), essa cinebiografia que lança mão de uma pequena, mas marcante, passagem da biografia Martin Luther King, consegue o que muitos outros filmes comandados por brancos (Um Sonho Possível, Histórias Cruzadas) não conseguiram: autenticidade narrativa. E a mão negra e feminina da diretora Ava DuVernay (outra que deveria ter sido lembrada pela Acacemia) se faz sentir durante toda a projeção de Selma. Há algo de muito particular e subjetivo nesse relato ao mesmo tempo seco e emotivo que revela os bastidores por trás da marcha empreendida por King no estado americano do Alabama. Mesmo com pequenos problemas de ritmo em seu desenvolvimento, DuVernay consegue extrair da encenação o que ela tem de melhor: a essência de um movimento humanista que reverbera até os dias de hoje sem infelizmente atingir o seu objetivo pleno. O tema do preconceito criou tantas raízes em nossa sociedade que, por vezes, nem atentamos para posturas racistas em nosso cotidiano, o que Selma faz questão de explicitar. Mais do que um registro histórico, portanto, o filme serve como reflexão para os nossos atos cotidianos. E quem não for tocado pela história e pela mensagem deve urgentemente procurar um psiquiatra em busca de solução para os seus problemas mentais. Selma faz chorar muito. E é muito bom que o faça para nós, brancos nascidos em berço explêndido. Os negros que sucumbiram ou foram subjugados por nossa imbecilidade merecem essas lágrimas. Nota 8

31 - Lovelace (Lovelace, 2013): ao abordar os bastidores de um filme pornográfico, há de se ter picardia, algo que falta a essa correta, mas chapa branca, biografia de Linda Lovelace (Garganta Profunda). Não que seja necessária a utilização de sexo explícito para enquadrar a época, mas se faz necessário o toque amoral adequado para registrar a gênese desse gênero cinematográfico específico (algo que Paul Thomas Anderson conseguiu de maneira irrepreensível no sensacional Boogie Nights, por exemplo). Uma pena, portanto, que essa biografia de Linda Lovelace seja centrada por demais na autobiografia da estrela pornô que, logo após seu sucesso, virou uma militante anti-pornografia. Há camadas demais a serem descobertas sobre a atriz e que não são abordadas pela dupla de diretores Rob Epstein e Jeffrey Friedman (uma surpresa em se tratando dos mesmos caras por trás do excelente O Outro Lado de Hollywood, que aborda como o cinema americano aborda a homossexualidade), ambos egressos dos documentários. Por isso mesmo, uma abordagem mais abrangente sobre a personalidade de Lovelace cairia como uma luva em uma produção que, além de seios expostos aqui e ali, revela-se pudica em sua narrativa. Um tanto mais de libidinagem e menos moralismo só fariam bem ao filme, que tem a seu favor uma atuação esforçada de Amanda Seyfried e um ótimo design de produção que consegue transpor os anos 70 para a tela apesar do pouco orçamento em sua produção. Nota 6

32 - Refém da Paixão (Labor Day, 2013): ignorado pelo público e massacrado pela crítica, o filme de Jason Reitman realmente destoa da filmografia do diretor (Obrigado Por Fumar, Juno, Amor Sem Escalas e Jovens Adultos), toda ela recheada de produções em que o cinismo de seus personagens dá um tom agridoce a narrativas espertas e com uma visão crítica e sarcástica da sociedade em que vivemos. Por outro lado, é covardia tentar empurrar essa adaptação do romance de Joyce Maynard, mesma autora de Um Sonho Sem Limites, para caber na mesma prateleira dos trabalhos anteriores de Reitman. Refém da Paixão é um filme desprovido de ironias ou cinismo, um novelão clássico que disfarça a jornada de amadurecimento de seu real personagem principal (o jovem Gattlin Griffith) por trás de um romance sincero, mas acadêmico em sua predisposição em não se arriscar além da emotividade intrínseca à narrativa. Há excessos aqui e ali (o epílogo não poderia ser mais açucarado, por exemplo), mas é um filme que transborda certa sinceridade, principalmente nas atuações centrais, com destaque para a sempre eficiente Kate Winslet. Nunca chega a desagradar, apesar de se revelar a produção inegavelmente menos inspirada de seu promissor diretor. Nota 6,5

33 - Praia do Futuro (2014): longe de ser meramente "o filme em que Wagner Moura interpreta um homossexual", como foi alardeado pelas redes de cinema para justificar o pouco público do longa no Brasil, Praia do Futuro é o trabalho que talvez represente a maturidade e a porta de entrada para que seu excelente diretor, Karim Aïnouz (Madame Satã, O Céu de Suely), conquiste uma plateia mais ampla, principalmente na Europa. Escancarando a estrutura dos 3 atos que a maioria dos filmes busca esconder, o cineasta faz aqui um belo tratado sobre a inadequação e a redescoberta, utilizando a troca de paisagens geográficas para ilustrar como a cultura e a tolerância de uma sociedade independem das belezas naturais que lhe servem de habitat. Com um ritmo compassado que afasta de imediato o consumidor restrito à junk food dos blockbusters americanos, Praia do Futuro reserva um tempo precioso para que seus três personagens principais revelem as suas reais personalidades. E quando o fazem, seja na maneira corajosa com que Wagner Moura se entrega às cenas de homoafetividade, seja nos rompantes de fúria em que Jesuíta Barbosa expressa seus sentimentos contidos ou mesmo na maneira corriqueira como o alemão Clemens Schick demonstra seu afeto, o resultado são cenas fabulosas, como aquela em que os ex-amantes são encobertos pela neve fina em um parque de Berlim. Nada bate, entretanto, a magnífica sequência que encerra o longa, que começa com uma narração em off emocionante e culmina com uma sensacional versão bilingüe de Heroes, de David Bowie. Um desfecho impecável. Nota 8

34 - The Den (The Den, 2013): interessante suspense filmado através da tela de um notebook (o que lembra bastante Perseguição Virtual, do ano passado) que consegue apresentar uma narrativa muito mais intrigante que seus pares baseados na estética das "filmagens encontradas". A primeira metade é ótima, pois reserva tempo suficiente para que nos importemos com a protagonista, algo que a maioria das produções do gênero vêm fazendo questão de esquecer ultimamente. Quando a trama avança, é de certa forma incômodo perceber que a estrutura formal se perca em perseguições que dificilmente seriam possíveis dentro da estrutura da filmagem via webcam, mas é uma mancada menor em um filme que consegue prender a atenção e encerrar a história de forma bem diversa da usual. Nota 6,5

35 - Terra Para Echo (Earth To Echo, 2014): quem me conhece pessoalmente sabe do meu apreço pelas produções juvenis dos anos 80. Portanto, essa declarada homenagem a Goonies e Viagem Ao Mundo dos Sonhos instantaneamente me chamou a atenção. Apesar do começo promissor, que estabelece muito bem a dinâmica entre os personagens e os posiciona em um subúrbio americano que lembra muito o de Poltergeist - O Fenômeno, logo fica evidente que a adoção do gênero das "filmagens encontradas" para a narrativa é um empecilho e tanto para o desenvolvimento de sua história. Logo, logo, o roteiro parece se perder na inglória tarefa de tentar parecer plausível que todas as cenas tenham sido filmadas pelo grupo de pirralhos protagonistas. O resultado é a perda de interesse e uma sensação amarga de homenagem que saiu pela culatra, um desperdício de boas ideias sabotadas por uma opção estética absurdamente equivocada. Nota 4

36 - Fat, Sick & Nearly Dead (Fat, Sick And Nearly Dead, 2010): documentário cheio de boas intenções que descamba para uma narrativa de autoajuda que praticamente empurra güela abaixo do  público a clinicamente discutível dieta promovida por seu protagonista (um torturante jejum de 60 dias a base de suco de frutas e vegetais). O que poderia resultar em um comercial da rede Herbalife ganha certa vida no terceiro ato, com a entrada em cena de um personagem coadjuvante inesperado e cuja história é muito mais interessante do que a premissa original do filme. O problema é que, até aí, somos submetidos a uma tentativa de lavagem cerebral meio desconexa, sem rumo e que, o pior, dá a impressão de ser mais um produto da vaidade do protagonista/codiretor do que um sincero estudo sobre a mudança de um estilo de vida. Nota 4

37 - Os Boxtrolls (The Boxtrolls, 2014): além da técnica impecável de animação em stop-motion já demonstrada em seus trabalhos anteriores (Coraline e Paranorman), esse novo trabalho da produtora Laika surpreende pela profundidade das ideias inseridas em seu roteiro. Muito além de uma mera historieta infantil envolvendo trolls, é um filme que consegue discursar sobre separação de classes e abandono parental como poucas produções voltadas ao público adulto têm coragem hoje em dia. Com um design de produção sensacional (o vilarejo em que se passa a história é um deslumbre de criatividade) e personagens que se dão ao luxo de ter questionamentos filosóficos (a sacada inserida durante os créditos é ótima), é uma animação que não tem medo de perder dinheiro por ser ousada. E, paradoxalmente, sua ousadia é o que lhe faz mais humana. Um belíssimo trabalho que diverte sem soar abobalhado. Nota 8

* 38 - O Jogo da Imitação (The Imitation Game, 2014): essa biografia de Alan Turing é muito melhor do que aquela "livremente" inspirada na vida do matemático lançada em 2001 (o fraquinho Enigma), apesar de adotar o mesmo tom novelesco para a trajetória do gênio que decifrou o código criptográfico nazista, dando praticamente um fim à Segunda Guerra Mundial e cujos estudos culminaram na invenção dos computadores portáteis modernos. A atuação de Benedict Cumberbatch é, como já era de se esperar, excelente, o que de certa forma eleva a produção além de sua estrutura convencional de biografia de época. O diretor norueguês Morten Tyldum já fez algo muito mais criativo em seu trabalho anterior, o excelente Headhunters, que emulava o cinema dos irmãos Coen com uma pegada mais pop. Redondinho e sem grandes nuances, é um filme bastante agradável e que nunca aborrece, com ressalvas para uma ou outra cena aqui e ali que revela clichês que, nas mãos de um cineasta mais experiente, poderiam ser disfarçadas (a sequência em que os colegas de Turing se levantam para apoiá-lo é um pouco constrangedora). Já Keira Knightley, apesar do bem-vindo feminismo intrínseco à sua personagem, nunca ganha um texto ou cena que justifique a sua equivocada indicação á Melhor Atriz Coadjuvante do ano pela Academia. Disparado o filme menos inspirado dentre aqueles indicados ao Oscar 2015, mas mesmo assim um trabalho correto. Nota 7  

39 - The American Scream (The American Scream, 2012): ótimo documentário sobre a obsessão de quatro personagens de uma cidade do interior americano pela decoração de suas casas no Halloween, consegue entreter ao mesmo tempo em que não deixa de enfrentar de frente o comportamento compulsivo de seus retratados. Longe de expô-los ao ridículo, risco que o projeto correria nas mãos erradas, consegue lançar um olhar cativante sobre os protagonistas e procura demonstrar, com êxito, as razões particularíssimas para o seu comportamento incomum. Um filme que merece muito ser descoberto. Nota 8

40 - Tese Para Um Homicídio (Tesis Sobre Un Homicidio, 2013): o trunfo desse thriller argentino é a presença cada vez mais onipresente de Ricardo Darín, sempre um ator formidável que parece trazer automaticamente carga e camadas aos personagens que interpreta. Com uma trama que nunca decola realmente, ao menos o filme prende a atenção com personagens bem construídos e uma atmosfera correta de suspense que permeia toda a narrativa. Boa, mas inofensiva, diversão. Nota 6  

41 - Jamie Marks Is Dead (Jamie Marks Is Dead, 2014): misto de drama e terror, utiliza o roteiro como um "coming of age", expressâo americana para aqueles filmes de formação em que o protagonista evolui de alguma forma, geralmente entre a adolescência e a fase adulta. Aqui, o protagonista, ao estabelecer uma relação com um colega de escola precocemente morto, revela que o roteiro está mais preocupado com um estudo de seu personagem, principalmente na escolha óbvia de sua sexualidade. O ménage a trois psicológico conduzido entre os três personagens principais evidencia a intenção do diretor Carter Smith (do bonzinho As Ruínas) em discorrer sobre a sexualidade e suas múltiplas opções. Um filme diferenciado que adota um ritmo calculadamente lento para ser digerido em sua essência. Nota 5,5

* 42 - Um Santo Vizinho (St. Vincent, 2014): irresistível comédia dramática que marca a volta de Bill Murray para o gênero que o consagrou lá no começo da década de 80. O ex-Caça-Fantasmas está ótimo como o vizinho grosseirão, fumante, alcoólatra e viciado em apostas a que se refere o título original. Com uma mistura entre comédia e drama como poucas vezes a gente vê Hollywood se aventurar nos tempos modernos, Um Santo Vizinho encanta tanto pela completa incorreção política de seu protagonista quanto pelas cenas emotivas que envolvem seu passado e seu relacionamento com o ótimo iniciante Jaeden Lieberher (um achado). Até quando se arrisca a cair na onda dos clichês melodramáticos, o filme consegue se sair no mínimo sincero em sua tentativa de emocionar. E o elenco está tão azeitado (Melissa McCarthy, Chris O´Dowd, Terrence Howard e, principalmente, a hilariante prostituta russa interpretada por Naomi Watts, estão todos impecáveis) que faz perdoar qualquer um dos clichês e lugares-comuns percebidos em cena. Uma diversão emotiva e engraçada nas medidas corretas. Nota 8

43 - Virunga (Virunga, 2014): importante, belíssimo e eficaz documentário que registra a situação dramática de um parque nacional do Congo, cujo solo é disputado por ambientalistas, grandes conglomerados empresariais e a milícia que a todo momento ameaça o governo do país. Excelente em sua abordagem milimétrica da frágil situação que envolve o parque de Virunga, o filme tem um ritmo eletrizante, que combina documentário, filme de espionagem e de guerra durante sua metragem, algo que lhe distancia das abordagens didáticas da maioria dos registros documentais feitos atualmente. Funciona tanto como alerta ambiental sobre a preservação de sua fauna natal (os gorilas da montanha retratados são adoráveis e carregam um mensagem ecológica em si próprios) quanto como thriller político utilizando imagens reais e impactantes da situação atual do Congo. Nota 8

44 - Bellflower (Bellflower, 2011): quer a todo custo prestar homenagem à trilogia Mad Max, mas é na verdade um drama que leva a lugar nenhum. Apesar da fotografia sensacional, seus personagens soam chatos demais em sua tentativa de parecerem moderninhos. É um filme hipster até a alma (parece que a qualquer momento vai rolar uma ponta do Los Hermanos em cena), o que lhe afasta ironicamente do público que é fã de Mad Max. No final das contas, é um longa que muito fala e nada diz. Nota 4,5 

* 45 - Sniper Americano (American Sniper, 2014): um filme tecnicamente quase impecável (o boneco bebê é inexplicável), mas moralmente detestável, Sniper Americano surpreende pelo vigor com que Clint Eastwood comanda, do alto de seus 84 anos, um filme de ação ótimo, cujas sequências de batalha colocam o público agarrado em suas poltronas (e a disputa que trava com o sniper muçulmano é realmente eletrizante). Infelizmente, toda essa técnica está a serviço de um enredo lastimável, focado na história do "melhor sniper americano da história do Exército dos EUA", um sujeito que, a julgar pelo roteiro e pela boa, mas não ótima, interpretação de Bradley Cooper, era um completo imbecil que, desde a formação equivocada e condenável recebida de seu pai, foi esculpido como uma máquina de matar. E, vejam só, Eastwood até coloca, aqui e ali, personagens periféricos alertando seu protagonista da equivocada manobra americana no Iraque (sua esposa, seu melhor companheiro no exército, seu psicólogo), mas todas essas interações são refutadas imediatamente pelo personagem principal, que, do começo ao final do longa, permanece com a impressão errônea de que o que fez está correto (160 mortes, incluindo mulheres e crianças). O perfil de Chris Kyle é o de um evidente psicopata, coisa que o filme de Eastwood parece ignorar. E levar às telas um relato tão fascista é desperdiçar material para um longa estrelado por Sylvester Stallone ou Arnold Schwarzenneger, que pelo menos levariam o filme com um tom que não se levasse a sério e resultaria na diversão escapista que o enredo, em seus melhores momentos, sugere. O fato é que Sniper é praticamente uma refilmagem dos faroestes interpretados pelo diretor nas décadas de 60 e 70, substituindo a figura do caubói pela do militar e a dos índios pela dos iraquianos. A opção de Eastwood de tornar a narrativa solene e com um incômodo viés de seriedade é o que mais incomoda no longa, que, se não chega a carregar a bandeira da guerra em si, falha ao não contrapô-la de maneira eficaz. Torcer para um redneck americano que invade outro país e taxa toda uma população como "selvagens" é, no mínimo, um atentado contra a inteligência do público, que inexplicavelmente vem abraçando a produção como um ótimo espetáculo. Eastwood, apesar de seu pensamento conservador, já fez Os Imperdoáveis, Menina de Ouro e Sobre Meninos e Lobos, longas cujos personagens navegavam entre o bem e o mal. Em Sniper Americano, com todos os elementos em mão para fazer um filme antibelicista, o diretor conseguiu arquitetar uma elegia a um dos maiores assassinos que o governo americano conseguiu forjar. E sem praticamente introduzir qualquer contraponto à imagem de "herói" que construiu em sua carreira militar. Vide as imagens contidas em seus créditos finais, que fazem de Sniper Americano o "50 Tons de Cinza" do Partido Republicano ianque. Nota 5,5

46 - O ABC da Morte 2 ( The ABCs Of Death 2, 2014): irregular como qualquer antologia de contos, essa miscelânea de curtas vagamente inspiradas no conceito "morte" preserva a média de qualidade conquistada no primeiro longa, mas não vai muito além disso. Há curtas sensacionais ao lado de produções totalmente equivocadas. Para os amantes do gênero, é uma boa pedida para uma sessão madrugada adentro, com destaque para o ótimo seguimento do brasileiro Dennison Ramalho, de Encarnação do Demônio, que faz uma ótima crítica à lavagem cerebral promovida pelas religiões fundamentalistas. Nota 7

* 47 - Kingsman: Serviço Secreto (Kingsman: The Secret Service, 2014): eis um filme para quem entende comentários irônicos e/ou sarcásticos nas redes sociais. Muito melhor do que homenagear os filmes de James Bond estrelados por Sean Connery é satirizar aquelas produções capitaneadas por Roger Moore, que continham os maiores absurdos físicos da franquia 007 sem perder o bom humor e a autoparódia. Kingsman, ao mesmo tempo em que tira sarro das produções de espionagem, arruma espaço para sacaneá-las e parodiá-las até dizer chega. É desses filmes a que se assiste com um sorriso permanente estampado no rosto, louco por uma piscadela do diretor, que a cada cena maluca faz questão de abastecer a plateia com um bem vindo senso de ironia inglês que torna tudo ainda mais divertido. O diretor Matthew Vaughn (Nem Tudo É O Que Parece, Stardust: O Mistério da Estrela e X- Men: Primeira Classe) se esforça para unir aqui o senso de humor e a violência extremada (e cartunesca) de Kick Ass: Quebrando Tudo, outra adaptação do cartunista Mark Millar, capitaneada por ele, com a óbvia homenagem que presta aos clássicos do gênero da espionagem. O resultado é irresistível, um misto de aventura com comédia que usa e abusa das referências aos clichês do gênero e que dá de bandeja ao público o espetáculo de ação e humor que todos aqueles que foram criados com as reprises dos 007 de Roger Moore na Sessão da Tarde tanto pediam. Extremamente bem dirigido, Kingsman ainda revela talentos insuspeitos em seu elenco de estrelas (Michael Caine, Samuel L. Jackon, Mark Strong e até Mark "Skywalker" Hamill), a começar pelo agente interpretado por Colin Firth, que parece ter nascido para esse tipo de papel que mistura a fleuma britânica com a agilidade física dos grandes heróis de ação do cinema moderno (a cena que se passa dentro de um culto evangélico é a melhor do filme). A vilã com as pernas substituídas por adagas é tão legal que a ideia poderia ser reaproveitada na trama de qualquer das sequências futuras de James Bond sem problema algum (e seu embate com o herói ao final do filme é fantástico). O novato Taron Edgerton também diz a que veio como um protagonista ao mesmo tempo simpático e cheio de marra, o que rende tiradas maravilhosamente politicamente incorretas. Kingsman é mais um trunfo na carreira de Vaughn, um dos diretores que melhor sabe equacionar entretenimento, crítica e homenagem a gêneros caros a Hollywood nos tempos atuais. E é disparado o melhor entretenimento com que 2015 nos presenteou até agora. Nota 8,5  

48 - Wyrmwood (Wyrmwood, 2014): É bacana essa fusão australiana entre o visual de Mad Max com o gênero dos filmes de zumbi. Os personagens são legais e o ritmo é exemplar, principalmente porque conta com um elenco decente, que faz o espectador torcer pelos personagens. A violência extrema também se mostra adequada à produção, conferindo um clima constante de incerteza sobre o destino dos protagonistas. O grande problema é que o final abrupto parece encerrar muito prematuramente o roteiro, suplicando por uma continuação incerta, o que, além de ser um coice nos bagos, revela-se uma opção suspeita para uma produção independente. Prefira acompanhar a série The Walking Dead, que pelo menos dá esperança de uma conclusão decente para a jornada de seus personagens. Nota 4,5

49 - Exists (Exists, 2014): dirigido por um dos diretores por trás de A Bruxa de Blair, esse "found footage" (ou filme de filmagens encontradas) se aproveita da boa mão de seu realizador para o gênero. Enfocando a mesma temática do bom Willow Creek (a descoberta de que o Pé Grande existe realmente), o longa perde minutos preciosos estabelecendo personagens caricatos com quem o espectador nunca vai se identificar, mas pelo menos reserva um segundo ato recheado de sustos e situações tensas que, ao final, garantem a diversão. Não é lá essas coisas, mas é uma produção que diverte e causa calafrios em seus melhores momentos, além de presentear o público com um desfecho que foge à irritante métrica do gênero. Nota 6,5

50 - Corações de Ferro (Fury, 2014): o bom de ver esse longa logo depois de assistir a Sniper Americano é constatar que dá, sim, para produzir um épico de guerra da maneira correta e sem violentar os preceitos morais mais comezinhos para alguém que não reside nos EUA. Longe da americanizada visão de Eastwood para o sniper ianque, Corações de Ferro apresenta uma guerra suja, violenta e amoral (e isto que estamos falando aqui da Segunda Guerra Mundial, onde aparentemente o Bom X Mal estaria bem estabelecido). Vibrante, a produção consegue funcionar como filme de ação e crítica contra a guerra, com personagens falhos, mas humanos (um elenco impecável formado por Brad Pitt, Shia Labeouf, Logan Lerman, Michael Peña e Jon Bernthal) conduzindo uma jornada heroica, mas fadada ao fracasso, dos Aliados contra os nazistas. Humano como Sniper Americano não conseguiu ser (a cena final é arrematadora), deveria ser o longa de guerra do ano entre o público pensante. Uma grande produção que funciona em todos os sentidos. Nota 8

* 51 - Golpe Duplo (Focus, 2015): Will Smith é um cara carismático e eu torço naturalmente por ele, como deve torcer grande parcela do público. Bem, não nesse filme. Apesar do charme do galã de Bad Boys e Hitch reaparecer aqui quase intacto, seu personagem excessivamente cheio de si poderia muito bem levar umas rasteiras aqui e ali durante a metragem da produção, o que infelizmente nunca ocorre. E aí reside o maior problema de Golpe Duplo. Apesar dos dois primeiros atos do filme transcorrerem que é uma maravilha, a sensação é que  o terceiro, quando a trama se estabelece em Buenos Aires, perde a força. E quando o meio é melhor do que o final, o truque de mágica perde muito de seu efeito. Rodrigo Santoro faz o que pode com seu vilão esquemático, mas a grande mancada é não reservar a redenção para a melhor personagem do longa (a adorável Margott Robbie, de O Lobo de Wall Street, que merecia uma reviravolta a mais para chamar de sua). É um filme legal, com boas sacadas visuais e senso de humor, mas que poderia ser muito mais interessante do que pensa que é. Nota 7

52 - The Scarehouse (The Scarehouse, 2014): filminho de terror cuja premissa (a vingança de duas meninas que sofreram bullying sobre suas ofensoras) parece melhor do que o resultado, um amontoado de clichês bobos e de mortes sem qualquer inspiração. O cenário é monótono, as atuações são sofríveis e os assassinatos são esquecíveis e sem qualquer inspiração. O resultado lógico é o tédio. E ele vem com tudo. Nota 2

53 - Palo Alto (Palo Alto, 2013): adaptação de um livro de James Franco (sim, de verdade), esse registro sobre a adolescência de classe média de Los Angeles propõe muita coisa, mas não entrega quase nada. O elenco jovem é fraco (inclusive Emma Roberts, sobrinha de Julia), a direção de Gia Coppola (sobrinha de Sofia e neta de Francis) é óbvia demais e o roteiro não alça vôos minimamente interessantes. O resultado é uma produção aborrecida e que conta com um final cuja analogia visual parece feita para crianças com menos de 10 anos. Nota 3,5

54 - Os Escolhidos (Dark Skies, 2013): essa ficção científica protagonizada por Keri Russell (Felicity) é bem desenvolvida até seu clímax meia-boca. Enquanto a resolução do mistério central não se revela algo previsto desde as primeiras cenas, o longa se sustenta muito bem, com um misto de terror e ficção que funciona adequadamente. O elenco é bom e climão estabelecido é adequado, mas o clímax reserva um anticlímax difícil de digerir. Mesmo assim, o final apressado não chega a estragar a diversão. Funciona bem para uma sessão da madrugada. Nota 5,5

55 - Time Lapse (Time Lapse, 2014): filmes que brincam com conceitos como viagem no tempo geralmente se revelam produções divertidas que unem o apelo popular com conceitos interessantes da física. Esse aqui, apesar da premissa interessante, é sabotado por um elenco pavoroso e por um desenvolvimento irregular, que reserva uma última reviravolta que faz o roteiro perder de vez qualquer resquício de lógica. Nota 4,5

* 56 - O Sétimo Filho (Seventh Son, 2014, em 3D): espécie de exemplar genérico de O Senhor dos Anéis, mas sem qualquer personagem minimamente carismático, O Sétimo Filho arrasta-se dolorosamente por seus cento e poucos minutos de projeção sem um lampejo de originalidade que justifique a sua grandiosa produção. Prejudicado ainda mais por um 3D convertido que torna as cenas sombrias ainda mais confusas, é um filme que envergonha o currículo de todos os envolvidos. Principalmente a carreira de Dante Ferretti, cenógrafo de Fellini e Scorsese, que aqui faz um de seus piores trabalhos e que mesmo assim é a melhor coisa do filme. O elenco está homogeneamente horroroso, principalmente Jeff Bridges, que faz uma versão do Dude de O Grande Lebowski como se este tivesse sofrido um derrame cerebral, e Julianne Moore, que parece verdadeiramente pensar que está interpretando uma bruxa de contos de fadas da Disney. Os efeitos alternam entre bonzinhos e vergonhosos e as cenas de ação nunca vão além do lugar-comum daquelas produções B lançadas em VHS pela América Video (o melhor vilão do filme, um espadachim com quatro braços, morre da maneira mais anticlimática já vista). Já a trilha sonora é tão incisiva que às vezes dá vontade de matar o maestro para poupar os tímpanos. Mas o maior problema, sem dúvida alguma, é o absoluto desinteresse pela história principal com que o roteiro nos brinda. Um filme tão esquecível (e medíocre) que eu demorei mais de uma semana para conseguir comentá-lo. Nota 2,5

57 - Starry Eyes (Starry Eyes, 2014): o que começa como um interessante registro da tentativa hercúlea de uma aspirante a atriz em ascender no mercado inglório de Hollywood reserva para o final uma reviravolta que faz a historia da protagonista (a ótima Alex Essoe) virar um terror viajandão e muito impactante. A narrativa explora de forma eficiente as agruras e os horrores por trás da chamada "cidade dos anjos". Bem interessante. Nota 7,5

58 - A Mulher de Preto 2: O Anjo da Morte (The Woman In Black 2: Angel Of Death, 2014): continuação caça-níquel do bom terror de 2012 protagonizado por Daniel Radcliffe, o Harry Potter em pessoa. Não tem nenhuma vinculação narrativa com o primeiro filme e isso se estende ao ritmo e à cinematografia, que buscam causar o mesmo efeito da produção anterior, mas nunca conseguem acertar o alvo. Se A Mulher de Preto apostava na atmosfera lúgubre, nos silêncios e nos efeitos especiais práticos, essa sequência opta por povoar a tela com personagens desinteressantes, sustos já vistos no original e nenhuma surpresa em sua trama batida e previsível. Um horror, mas no pior sentido. Nota 2

* 59 - O Duelo (2015): o diretor Marcos Jorge debutou nas telas em grande estilo em 2007 com o excelente Estômago, seguido pelo meia-boca Corpos Celestes em 2009. Esse O Duelo foi filmado em 2009 e só conseguiu uma chance na programação dos cinemas porque um de seus atores principais, José Wilker, morreu no ano passado. Mesmo assim, O Duelo tem seus méritos. Adaptada de um livro de Jorge Amado (“Os Velhos Marinheiros”), a produção guarda grande similaridade com a obra do baiano, a começar pela ambientação no interior da Bahia e pelos personagens de caráter duvidoso. O saudoso Wilker encarna um sujeito tão irascível quanto cômico, algo que o ator já se acostumara a fazer em novelas e adaptações da obra do próprio Amado (Dona Flor e Seus Dois Maridos, principalmente). Wilker tem as melhores cenas e tiradas do filme, mas Joaquim de Almeida, ao mesmo tempo em que luta contra um texto às vezes fantasioso e plastificado demais, consegue extrair de seu protagonista a alma do anti-herói Amadiano e transformar seu capitão em uma figura com que o público naturalmente se associa e torce. O elenco de apoio, principalmente os nomes conhecidos do público, está muito bem e auxilia o desenvolvimento da historia com louvor. A despeito dos (d)efeitos especiais que por vezes resultam vergonhosos, O Duelo reserva cenas que misturam contos e realidade com uma precisão técnica muito bem engendrada. É um filme sobre o conceito da oralidade narrativa (como Narradores de Javé) e, como tal, consegue divertir o público através de uma técnica ancestral que ainda hoje consegue cativar. E é justamente por isso (e apesar de seus defeitos evidentes), que é uma produção que merece ser conferida. Nota 6

60 - Life Itself - A Vida de Roger Ebert (Life Itself, 2014): ótimo documentário que faz uma varredura precisa da vida de Roger Ebert, um dos melhores críticos de cinema que o mundo já viu. Sem medo de abordar os seus defeitos de caráter, o cineasta Steve James (Basquete Blues) oferece um insight precioso sobre a personalidade idiossincrática de seu biografado, nunca lhe poupando de seus momentos mais mundanos (as sessões de sucção após suas cirurgias, por exemplo, são tão chocantes quanto emblemáticas). É um relato profundo e muito esclarecedor sobre um homem que viveu a vida assistindo a filmes. Um belo legado em celuloide que faz jus ao seu personagem e a qualquer cinéfilo. Nota 8

61 - Antiviral (Antiviral, 2012): o estreante Brandon Cronenberg herdou como ninguém a excelência com que seu pai David construiu os seus primeiros filmes, especificamente aqueles que embrionavam o terror com os elementos físicos da medicina. A sua visão de futuro, em que indivíduos buscam ter as mesmas doenças que as celebridades, soa muito mais próxima do que distópica, considerando a nossa realidade entorpecida pós virada do milênio. O filme traz uma analogia social que supera o seu roteiro, algo que, em um futuro próximo, não se distancia da idiocrassia em que vivemos. Um trabalho eficaz e pertinente, que conta com imagens que remetem ao repertório de David, o que não é, sob qualquer ótica, algo ruim. Nota 7,5
  
62 - What We Do In The Shadows (What We Do In The Shadows, 2014): lembra muito os primeiros filmes de Mel Brooks, onde a paródia a um gênero específico do cinema soava mais como homenagem do que propriamente tiração de sarro, mas há ecos aqui também do humor do Monty Python, principalmente na opção de entregar piadas ue comungam com a violência intrínseca ao gênero que parodia/homenageia. Comandado e atuado pelos criadores/intérpretes da cultuada série Flight Of The Concords, é um filme em que tudo dá certo. A opção pelo falso documentário, ao invés de se tornar esquemática, revela-se uma decisão acertadíssima e que consegue desenvolver os seus quatro personagens de forma impecável. O resultado é hilário, um dos grandes filmes sobre vampiros já realizados nos últimos anos. E Petyr já é desde sempre um dos melhores anti-heróis concebidos em celuloide. Para ver, rever e gargalhar sempre. Nota 9

63 - Lake Mungo (Lake Mungo, 2008): a opção em narrar a história sob o formato de um falso documentário é interessante, mas as reviravoltas bobas acabam por transformar o que poderia ser um bom filme de terror em um exemplar da mais batida técnica de estelionato do público ao enredar o roteiro sob uma falsa aura de veracidade que a história se encarrega de enterrar. Há bons sustos aqui e ali, mas é muito pouco para salvar a premissa. Nota 4

64 - Perigo Em Alto Mar (The Reef, 2010):
primo pobre de Mar Aberto (Open Sea, de 2003), faz um esforço fenomenal para se igualar em tensão com aquele filme, mas nunca consegue sequer atingir de raspão o alvo. O que se vê na tela é um amontoado de personagens estereotipados e alguns dos piores efeitos especiais já utilizados em produções de baixo orçamento. Um desperdício de tempo. Nota 2,5

65 - Atrás da Montanha (Tepenin Ardi, 2012): filme turco que tem em seu favor uma ótima ideia (revelar que a guerra está não no exterior, mas no interior de qualquer pessoa), mas que se atrapalha ao entregar a sua mensagem. A narrativa é encenada de forma quase inescrutável, um convite ao sono. Se a mensagem é bacana, seu desenvolvimento é equivocado, com grande parte da trama restrito a personagens que vão e vem sem qualquer relevância narrativa. A cena final é poderosa, mas até lá o espectador já caiu no sono inúmeras vezes. Nota 4,5

66 - Pesadelos do Passado (The Pact, 2012): mescla terror e suspense para entregar uma trama que é derivada de tantas outras melhores já vistas e revistas pelo público. Entretanto, o diretor Nicholas McCarthy demonstra entender o seu ofício e organiza as revelações dos segredos e os sustos de forma certeira, o que revela-se prazeroso para os amantes do gênero "terror". E essa habilidade narrativa faz de uma produção a princípio desinteressante um belo exemplar de filme que assusta na medida certa. Nota 7

* 67 - O Garoto da Casa Ao Lado (The Boy Next Door, 2015): Jennifer Lopez parece lutar para conseguir equiparar a sua vergonhosa carreira no cinema com a sua vitoriosa performance no mundo da música, mas não é com essa bomba atômica aqui que vai conseguir equiparar as coisas. Espécie de versão mequetrefe de Atração Fatal, é um filme que grita "filme B" a cada fotograma, mesmo sem abraçar essa natureza marginal. Os seus personagens são menos do que figurinhas em um álbum exaustivamente visto (o interesse romântico, por exemplo, além de jovem e sarado, é especializado em mecânica, elétrica, lutas marciais e literatura clássica!!!!). As atuações são pavorosas, no nível do elenco estreante de qualquer seriadinho televisivo adolescente, a direção é uma bagunça só (quem está por trás das câmeras é o picareta Rob Cohen, (ir)responsável por coisas como A Sombra do Inimigo, A Múmia: Tumba do Imperador Dragão e Stealth - Ameaça Invisível, todos justos fracassos retumbantes) e o roteiro é uma colagem de clichês de outras produções menores que poderia muito bem ser feito através de um software de embaralhamento de cenas cretinas. Há tanto do que se gargalhar no longa, mas são poucos os momentos em que a risada involuntária consegue fluir como deveria... É um filme ruim que não se assume como tal, o que é uma falha irreparável para uma produção que, na melhor das hipóteses, poderia resultar em um trash hilariante. Nota 2,5

* 68 - Branco Sai, Preto Fica (2015): o roteiro tem um ponto de partida muito interessante ao utilizar o assassinato de jovens negros da periferia de Brasília em um baile black no final dos anos 80 (algo ilustrado pela impecável cena inicial). O conceito por trás da produção (uma crítica social mesclada com documentário e ficção científica) é muito bacana. O problema é que, para traduzir essa miscelânea de referências para a tela, há de se ter o mínimo de excelência narrativa, o que faz falta para o diretor (e editor) Adirley Queirós. O que o produto final reserva é uma história aborrecida, cuja edição torna a fruição praticamente insustentável e cujos elementos fantásticos, se promissores no papel, revelam-se nulos para a narrativa (claramente, o roteiro não sabe o que fazer com o personagem do viajante do tempo, por exemplo). Apesar da trilha sonora sensacional e de uma ou outra cena emblemática (a queima do sofá é belíssima e cheia de significados em si), o longa se arrasta em sua inaptidão em consolidar um ritmo adequado para o público. Boas ideias às vezes não decolam pela incapacidade em materializá-las. E esse filme é a demonstração perfeita disso. Nota 4,5  

69 - Drácula: A História Nunca Contada (Dracula Untold, 2014): apesar do esforço de seu protagonista Luke Evans, que manda bem como protagonista de ação, é uma reinvenção fadada ao esquecimento, pois a premissa por trás da produção é a de formar um universo compartilhado dos monstros da Universal Studios chupada de Os Vingadores, da Marvel. Obviamente, essa reinvenção do personagem clássico de Bram Stoker não tem o mínimo cacife para figurar em uma equipe formada por outros monstros oriundos da literatura. Mesmo assim, o filme até tenta justificar a sua existência com cenas bacanas, principalmente o embate final entre Drácula e o vilão do filme. Nada que justifique uma produção esmerada, muito menos os momentos em que o roteiro parece que vai enveredar por caminhos distantes de sua origem. No fim das contas, é uma superprodução regular que abusa de suas referências literárias para entregar um programa mediano de ação que poderia muito bem ser protagonizado por qualquer outro personagem literário ou não. Nota 4,5

70 - Sete Dias Sem Fim (This Is Where I Leave You, 2014): comédia dramática daquelas situadas em um reencontro de família (no caso, em um velório que dura uma semana), não foge aos clichês do gênero, mas se beneficia pelo excelente elenco reunido (Tina Fey, Jason Bateman, Jane Fonda, Adam Driver, Rose Byrne, etc.), que consegue dar às sequências cômicas um apelo que as dramáticas não possuem por culpa do roteiro esquemático demais. Mesmo assim, é um filme que consegue divertir e entreter de cabo a rabo. Nota 6

* 71 - Para Sempre Alice (Still Alice, 2014): o que poderia facilmente descambar para o clássico caso de filme da "doença da semana" é levado de forma muito sutil pela dupla de diretores Richard Glatzer e Wash Westmoreland, os dois um casal na vida real e o primeiro recentemente falecido em razão da ALS, esclerose lateral amiotrófica, uma espécie de demência que lhe acometia já durante as filmagens. É com essa sutileza e muito carinho, portanto, que a produção foi filmada, o que transcende a tela e atenua mesmo momentos clichês como aquele reservado ao discurso sobre o Alzheimmer, que poderia descambar para o melodrama rasteiro, mas que nunca deixa sair do tom. Esse cuidado em nunca deslizar para o viés dramático acaba ajudando e muito Julianne Moore, que entrega uma atuação visceral, mas contida, em sua descida rumo ao auto-esquecimento. Se o roteiro não vai além do óbvio, é por causa de Moore que a produção ganha vida. É a sua sutileza em cadenciar os sintomas da doença que lhe acomete que torna o filme algo muito maior do que é em realidade (e até dá para perdoar a atuação fraquíssima de Kristen Stewart, como sua filha, nesse meio-tempo). E, apesar de nunca decolar vôo como deveria, o roteiro encontra redenção em uma cena final tocante e emblemática, muito reforçada pela interpretação oscarizada de Moore, que, com uma só palavra, consegue decodificar o que o filme tentara durante uma hora e meia, mas não conseguira transmitir em sua plenitude. Nota 6,5

72 - Velozes e Furiosos 6 (Furious 6, 2013): além do blablablá sobre "família" (algo irritante, considerando que o filme é protagonizado por marombados cheios de si), o que sobra são cenas de ação incensadas, muito bem coreografadas, inclusive. Pena que a produção dependa demais delas e não entregue nenhum personagem minimamente identificável (The Rock é a exceção, é claro, mas seu personagem é genérico demais para fazer alguma diferença). Incomoda um pouco o evidente desprezo pelas regras da Física com que as cenas são engendradas, principalmente o clímax, rodado em uma pista de decolagem aparentemente com mais de 50 quilômetros de extensão. No geral, diverte, mas incomoda o pouco caso com que se relega o roteiro. Nota 4,5

73 - The Returned (The Returned, 2013): pega carona na mesma premissa do seriado inglês In The Flesh, mas consegue entregar um misto de drama, ficção e terror bem interessante. Se mortos-vivos vivessem entre nós e houvesse um antídoto temporário para eles, o que faríamos? É um bom ponto de partida para o roteiro, que consegue construir uma história envolvente a partir daí. O elenco e a direção se saem bem na condução da trama, que reserva um final (ainda bem) distante de suas produções genéricas. Nota 6

* 74 - Escapes de Gas (Escapes de Gas, 2014): uma aula de história que é tão política quanto sociológica, esse pequeno grande filme chileno foca um prédio para promover uma discussão histórica, algo que já, em sua gênese, atribui ao filme uma importância que nunca teria em mãos inadequadas. Ferino, revolucionário e muito bem construído, Escapes de Gas regurgita liberdade em tempos em que há quem defenda o militarismo. Nota 9

* 75 - Velozes e Furiosos 7 (Furious 7, 2015, em 3D): há o blablablá sobre família martelado nos últimos filmes, mas pelo menos esse aqui se assume como uma superprodução descerebrada que investe nas cenas de ação para dar certo. Nesse ponto, a adição de The Rock à franquia mostra-se essencial, pois mascara, de certa forma, a ruindade do argumento, um beabá recorrente dos piores exemplares de filmes do gênero. Ainda bem que as sequências de destruição de carros e pancadaria são protagonizadas por marombados que conseguem executá-las à perfeição. Nem mesmo o excesso de clímax consegue distanciar o filme da diversão razoável, ou seja, propriedades privadas sendo destruídas a esmo e muito CGI para ancorar o excesso de explosões. Mesmo assim, não há nada que justifique pagar uns trocados a mais pelo 3D convertido. Nota 5

76 - Linkeroever (Linkeroever, 2008): bom suspense belga que revela-se algo completamente diverso a partir de seu terceiro ato, com ecos muito bem empregados de O Bebê de Rosemary. Atuações competentes e uma atmosfera muito bem urdida em uma trama que, quando desvela seu objetivo, sai-se muito bem. Nota 8

77 - O Ano Mais Violento (A Most Violent Year, 2014): perfeita alusão à perda da inocência quanto ao ideal do "sonho americano", O Ano Mais Violento narra uma história que, ambientada em 1981, poderia remeter à universalidade. Os seus protagonistas, gente como a gente, podem se transformar em gângsteres de uma hora para outra, dependendo da necessidade, algo muito contemporâneo quando se vive em um ambiente com luta de classes como atualmente. Um filme de máfia disfarçado de pesadelo pré-yuppie. Nota 8

* 78 - Vingadores: A Era de Ultron (Avengers: Age Of Ultron, 2015, em IMAX 3D): com um roteiro que consegue balancear melhor a ação com a comédia, esse Vingadores parece (e é) melhor do que a primeira produção em que a aglomeração de heróis apareceu nas telas. O roteiro é significantemente melhor construido, dando espaço para os personagens que não possuem uma franquia própria (Viúva Negra, Hulk e, principalmente, o Gavião Arqueiro), ao mesmo tempo em que estabelece o tom da próxima fase da Marvel nos cinemas. Há acertos (as cenas de ação são adequadas e os momentos introspectivos são melhores ainda) e alguns erros (Thor é desperdiçado, por exemplo). No geral, preserva aquela mesmíssima mecânica do primeiro filme ao unir ação e humor de forma muito azeitada. Nota 8

79 - Histórias de Amor (Liberal Arts, 2012): comédia romântica independente que poderia muito bem resultar em algo maior do que é. O problema é o ego de seu diretor/roteirista/protagonista, que insiste em cenas dele mesmo caminhando por Nova Iorque lendo um livro, algo que escancara a presunção do cara ao elaborar a história do filme. É essa pretensão intelectualoide que nunca diz a que veio que atrapalha o desenvolvimento do que poderia se tornar uma bela produção. Nem todo o charme de Elizabeth Olsen consegue salvar o longa do esquecimento. Nota 4,5

80 - Apenas Uma Chance (One Chance, 2013): comédia britânica que usa e abusa de todos os clichês mais deploráveis das sagas de superação, mas que, graças à boa mão de David Frankel (O Diabo Veste Prada, Marley e Eu) e de seus protagonistas James Corden e Alexandra Roach, consegue resultar em uma produção tão simpática que é virtualmente impossível não se deixar levar pelo roteiro simplório, mas cheio de boas piadas. Nota 7

81 - A Caverna dos Sonhos Esquecidos (Cave Of Forgotten Dreams, 2010): sensacional documentário dirigido e narrado pelo mestre Werner Herzog que faz com que uma única caverna nos confins da França nos faça pensar sobre toda a História da Humanidade. Tocante, relevante e muito atual, é um filme que ilumina o passado, mas nos faz pensar sobre o futuro. Nota 8

* 82 - Entre Abelhas (2015): uma ótima surpresa vinda dos criadores do Porta dos Fundos, esse roteiro co-escrito por Fabio Porchat (o protagonista) e Ian SBF (o diretor) inverte a mecânica dos curtas produzidos pelo coletivo e traz para as telas uma comédia dramática com mais drama do que comédia, algo raro no panorama cinemeiro atual. Essa dramédia encontra ecos na produção literária do saudoso lusitano José Saramago e revela um Porchat extremamente comprometido com a arte interpretativa. Ele é a alma e a maior (e grata) surpresa do longa, que, ao mesmo tempo em que não se furta a produzir momentos hilariantes (a sensacional interpretação de Irene Ravache e os ótimos momentos de Luís Lobianco estão aí para garantir risadas unânimes), inverte as expectativas do público e produz um longa mais preocupado com a solidão e a depressão do que se poderia imaginar. É essa preocupação em abordar um assunto tão delicado que alça Entre Abelhas a um patamar superior às comédias produzidas em escala empresarial no Brasil. Os seus questionamentos, além de inteligentes, revelam-se pertinentes para uma geração criada a base de relacionamentos virtuais. Pena que seu desfecho corajoso irá afugentar justamente o público que deveria compreendê-lo. Nota 8

 83 - Quem Matou O Carro Elétrico ? (Who Killed The Electric Car ?, 2006): documentário que lança uma pertinente luz sobre a criação e o posterior fracasso do carro elétrico, atribuindo justificadamente a derrocada às próprias montadoras que o imaginaram, junto ao lobby governamental e externo das indústrias petrolíferas. Sincero e divertido, é um filme a ser visitado, mesmo que seu ponto de vista nunca seja contraposto. Nota 7

84 - As Duas Faces de Janeiro (The Two Faces Of January, 2014): muito boa essa homenagem aos thrillers antigos, que aproveita como pode as locações lindíssimas da Grécia para criar uma trama hitchcockiana bem ancorada em seu elenco enxuto (Viggo Mortensen, Kirsten Dunst e Oscar Isaac estão ótimos em cena). É um resgate de um tipo de cinema que só se via há muitas décadas atrás e, apesar da trama não guardar nada de tão relevante, consegue carregar a narrativa com o mesmo climão dos longas em que busca inspiração. Nota 7,5

85 - Jeff e As Armações do Destino (Jeff Who Lives At Home, 2011): comédia que extrai todo o seu charme de sua dupla de protagonistas (Ed Helms e Jason Segel), mesmo que o texto e a direção sigam o ritmo convencional das produções independentes. Fugaz como a sua trama contida em apenas um dia na vida de seus personagens, é um filme que consegue arrancar sorrisos mais por seu elenco (Susan Sarandon está ótima) do que propriamente pela qualidade de seu texto. Nota 6,5 

86 - Miss Violence (Miss Violence, 2013): impressionante petardo do cinema grego que ousa tratar da temática tabu da pedofilia sem filtros nem meios-termos, causando desconforto no espectador ao mesmo tempo em que conduz a narrativa com inegável classe formal. A primorosa direção de arte adequadamente enquadra os seus protagonistas em planos fechados e evocativos da prisão moral e física em que se encontram. Já o ator Themis Panou cria aqui um personagem tão repugnante quanto fascinante em sua complexidade. Uma obra-prima moderna de difícil digestão. Nota 9

87 - Corrente do Mal (It Follows, 2014): disparado um dos melhores e mais originais exemplares do gênero terror dos últimos anos, é um filme que prende a atenção pelo climão perfeito que imprime a cada fotograma desde a belíssima (e intrigante) primeira sequência. Abusando de panorâmicas que lentamente revelam o terror à espreita dos protagonistas, é uma obra que introduz um vilão sem face e com potencial para virar personagem icônico dentro do gênero, ao passo que homenageia produções do passado através de sua ambientação atemporal, em que tablets e celulares dividem espaço com televisores de tubo e cinemas de rua. A trilha sonora composta inteiramente com sintetizadores remete diretamente às melhores produções de terror dos anos 80, principalmente as assinadas pelo mestre John Carpenter. Uma grande surpresa vinda de um diretor e roteirista (David Robert Mitchell) que, a partir daqui, merece toda a atenção possível. Nota 8,5

88 - Hyena (Hyena, 2014): drama policial sufocante que imprime uma atmosfera de absurda tensão desde suas cenas iniciais. A trama homenageia explicitamente o visual cru e sufocante dos filmes de Michael Mann (Fogo Contra Fogo, Miami Vice) e Nicholas Winding Refn (Drive, Só Deus Perdoa), inclusive com o abuso da iluminação em neon. Ao contrário desses cineastas, porém, o diretor Gerard Johnson não consegue imprimir ao roteiro um arco satisfatório. Uma pena, já que protagonista interpretado com muita intensidade por Peter Ferdinando merecia uma trajetória que não se limitasse a copiar descaradamente a premissa de Vício Frenético, tanto o original quanto a refilmagem. O final inconclusivo, apesar de audacioso, soa mais como um anti-clímax incômodo do que uma sacada reflexiva e dá a sensação de tempo desperdiçado, o que é uma pena. Nota 4,5 

 * 89 - Mad Max: Estrada da Fúria (Mad Max: Fury Road, 2015, em IMAX 3D): aos recém completados 70 anos e três décadas depois de dirigir Mad Max - Além da Cúpula do Trovão, o cineasta George Miller retoma uma franquia querida para os cinéfilos oitentistas e, de lambuja, dá uma aula magna de cinema para as novas gerações, humilhando os diretores modernos ao demonstrar didaticamente como é que se filma um arrasa-quarteirão de raiz. Acertadamente surtada e enlouquecida, a quarta aventura do personagem-título faz jus a tanto tempo de espera e consegue a proeza de não frustrar as expectativas altíssimas que os impecáveis trailers haviam antecipado. Mad Max: Estrada da Fúria é uma produção alienígena no cenário atual das superproduções. Isto porque a opção de Miller em reduzir ao mínimo os efeitos digitais e investir o orçamento todo em cenas de ação rodadas com veículos e dublês se arrebentando na tela o diferencia de todo e qualquer blockbuster visto nas duas últimas décadas. É um retorno ao cinema-pipoca de antigamente e isso escapa da tela e explode no rosto do público (principalmente se visto na tela gigante e com o som ensurdecedor da sala IMAX, o modo perfeito de se desfrutar o filme por completo). O espetáculo visual e sensorial comandado por George Miller é daquela estirpe que já nasce clássica. É um filme para ser visto e revisto através do tempo, um tour-de-force de cenas grandiosas magnificamente orquestrado pelo diretor australiano. Escrito como uma longa e praticamente ininterrupta cena de perseguição, o roteiro, povoado por silêncios e econômico nos diálogos, consegue transcender o gênero da ação descerebrada ao incluir furtivamente questões pertinentes e contemporâneas (a degradação do ecossistema sendo a mais óbvia, mas seguida de perto pela crítica ao fanatismo religioso e o papel da mulher na sociedade moderna). E mesmo que Tom Hardy talvez não consiga corresponder devidamente ao personagem imortalizado por Mel Gibson, a opção de tornar Max praticamente um coadjuvante na jornada da excepcional personagem de Charlize Theron (ótima em cena) mais do que compensa qualquer fragilidade na comparação com o ator anterior. Fotografado por John Seale (Sociedade dos Poetas Mortos) com uma paleta de cores que alterna entre a luminosidade quente das cenas rodadas durante o dia e uma aura azulada que remete a sonhos durante as sequências noturnas, o longa é visualmente deslumbrante. A frase que acompanha os cartazes promocionais resume bem a experiência de assistir ao filme: "What a lovely day". Nota 9

90 - Life After Beth (Life After Beth, 2014): comédia independente dirigida pelo roteirista do ótimo Huckabees: A Vida É Uma Comédia e que parece enterrar logo na estreia a carreira do escritor como cineasta. Nada funciona nessa pretensa comédia de humor negro que nunca se decide entre abraçar o gênero do terror cômico ou da comédia pastelão. O ótimo elenco parece constrangido em cena pela inaptidão do diretor em encenar as gags presentes no roteiro pavoroso. Nota 2

91 - O Destino de Júpiter (Jupiter Ascending, 2015): é inegável que os irmãos Wachowski merecem aplausos por investirem pesado em uma superprodução original, que não é continuação, refilmagem e muito menos baseada em qualquer obra do imaginário pop. É uma pena, porém, que essa ópera espacial resulte tão equivocada. Com um roteiro desnecessariamente complicado que, quando desvendado, escancara a idiotice da ideia central, O Destino de Júpiter é um erro grotesco que figura como o ponto mais baixo do currículo dos cineastas (e lembrem-se que eles foram responsáveis por Matrix: Revolutions e Speed Racer). Requentando sem qualquer critério ideias já vistas inclusive em seus trabalhos anteriores (a colheita de humanos remete imediatamente à trilogia Matrix), o filme soa como um amontoado de referências que nunca parece homogênea. O protagonista Channing Tatum parece visivelmente desconfortável ao defender um personagem misto de humano com cachorro (!!!) que participa das cenas de ação com um híbrido de skate e tênis voador (!!!!!!!!), mas nada pode ser mais vergonhoso que a atuação hilariante de Eddie Redmayne (A Teoria de Tudo) como o vilão do longa, uma interpretação tão bizarra que é capaz do ator ser agraciado, no mesmo ano, com o Oscar e a Framboesa de Ouro. Pelo menos os Wachowski, aqui e ali, ainda conseguem compor um visual bonito (a cena do casamento é plasticamente impecável) e uma ou outra cena de ação decente. Muito pouco para o que prometia ser. Nota 4

92 - Musarañas (Musarañas, 2014): suspense espanhol produzido por Álex de la Iglesia (O Dia da Besta) que não guarda nada em comum com sua divertida filmografia. Óbvia tentativa de emular o ritmo e o climão dos filmes de Hitchcock, é uma produção que fracassa ao revelar sua vilã cedo demais e não encontrar em sua protagonista uma personagem pela qual se torça facilmente. A meia-hora final abandona o tom classudo e descamba para um gore que parece totalmente deslocado do que até ali. Nota 4

93 - Open Grave (Open Grave, 2013): desde a primeira cena, a impressão é que esse suspense vai cair na vala comum dos finais previsíveis. A medida que a trama avança, por outro lado, parece que o roteiro se encaminha para um final inconclusivo e preguiçoso, deixando a trajetória dos personagens em aberto. Surpreendentemente, porém, o longa consegue juntar todas as peças lançadas e entregar um clímax decente e que faz sentido. As atuações são medianas e as situações poderiam ser muito melhor aproveitadas, mas é um filme que remete ao clima de paranoia e incertezas do seriado Lost e, por isso mesmo, consegue entreter. Nota 6,5 

94 - O Mensageiro (Kill The Messenger, 2014): baseado numa história real, é uma produção que é favorecida por sua trama encontrar sustentação em fatos que realmente aconteceram, o que a aproxima dos thrillers de espionagem que Hollywood costumava produzir nos anos 70. Jeremy Renner entrega uma ótima performance em um filme que, se não decola como deveria em sua crítica ao governo americano (há outros tantos exemplares bem mais afiados), pelo menos prende a atenção durante a sua metragem. Nota 6,5

95 - A Seita Misteriosa (Sound Of My Voice, 2011): fascinante híbrido entre drama e ficção científica que, rodado por meia dúzia de trocados, consegue equilibrar de forma exemplar o crescente clima de mistério com a crítica àcida às religiões formadas por ocasião. O seu final ambíguo e as inúmeras perguntas deixadas sem resposta só fortalecem o seu real cerne: a discussão sobre fé x pragmatismo. A atriz e corroteirista Brit Marling dá vida aqui a uma personagem complexa e realmente hipnotizante. E há uma cena que já nasceu clássica ao som de Dreams, dos Cranberries. Nota 8,5

96 - Projeto Almanaque (Project Almanac, 2014): eu tenho um fraco por filmes que envolvem viagens no tempo e talvez por isso tenha curtido essa produção de Michael Bay que, sim, consegue encontrar lugar para explosões mesmo numa trama rodada como se fosse uma filmagem realizada entre amigos. A opção pelo subgênero do "found footage" (filmagens encontradas) é discutível, mesmo porque transforma o filme, à primeira vista, em uma cópia barata do muito superior Poder Sem Limites (Chronicle), mas o roteiro é eficaz ao envolver o espectador durante os seus parcos minutos de duração. O paradoxo da viagem no tempo é, para variar, mal-tratado pelo roteiro, que equivocadamente se atém a tramas adolescentes demais a partir de seu terceiro ato que acabam por eclipsar a homenagem que presta a De Volta Para O Futuro (desde o seu título, que presta tributo à segunda parte da trilogia). Diverte, mas não empolga. Nota 6

97 - Hot Girls Wanted (Hot Girls Wanted, 2015): produzido por Rashida Jones (filha de Quincy e atriz de Parks and Recreation), ilumina um cenário que poucas vezes foi abordado pelo cinema (o dia-a-dia das atrizes especializadas em pornô amador) e, mais do que servir como crônica sobre as agruras da profissão, revela um cenário chocante sobre a mentalidade masculina contemporânea (40% das buscas por pornografia na internet, ensina o filme, envolve abuso de mulheres). Assustador enquanto retrato da sociedade moderna, é uma produção que merece (e muito) ser descoberta. Nota 8

98 - Armadilha Para Turistas (Tourist Trap, 1979): visualmente datado, esse filme de terror prova que mereceu virar objeto de culto ao longo dos anos porque sabe equacionar de maneira muito eficiente os clichês do gênero com uma atmosfera realmente perturbadora. A trilha sonora do mestre Pino Donaggio (Carrie, A Estranha, Inverno de Sangue em Veneza, Vestida Para Matar) é clássica e Tanya Roberts (007 - Na Mira dos Assassinos, Sheena - A Rainha das Selvas) periga ser a scream queen mais gostosa de todos os tempos. Mesmo pecando na explicação meia-boca para a motivação de seu psicopata, a cena final é primorosa. Nota 7,5  

99 - We Are Still Here (We Are Still Here, 2015): muito boa homenagem aos filmes de terror dos anos 70, a produção se aproxima no clima criado do excelente A Casa do Diabo, de 2009, mas com um terceiro ato que modifica bruscamente o desenrolar da trama e abraça descaradamente um gore que faria Sam Raimi pular de felicidade. As divas do gênero Barbara Crampton (Re-Animator) e Lisa Marie (A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça) dão as caras para abrilhantar o ótimo debut do produtor Ted Geoghegan atrás das câmeras. Nota 7,5

100 - México Bárbaro (México Bárbaro, 2014): irregular como qualquer antologia, ao menos essa coletânea de curtas que se baseiam em lendas e contos mexicanos apresenta uma média de qualidade adequada que não deixa o filme cair de vez na chatice (apesar do péssimo segmento "Drena" se esforçar para afugentar o público). Serve como um bom panorama dos novos diretores mexicanos. Nota 7

101 - A Casa do Fim dos Tempos (La Casa del Fin de los Tiempos, 2013): terror venezuelano cheio de clima e com atuações superlativas (toda a parte envolvendo o elenco de crianças é exemplar), mas que, ao revelar o segredo de sua trama, acaba por afundar a si próprio em um paradoxo que não faz o menor sentido se pensado por mais do que 30 segundos depois de seu término. Uma pena, pois a perfumaria ao redor do texto é bem decente. Nota 5,5

102 - Vocês Ainda Não Viram Nada! (Vous N´avez Encore Rien Vu, 2012): penúltimo filme do mestre Alain Resnais (Hiroshima Meu Amor, O Ano Passado em Marienbad) que parece uma despedida prematura do cineasta (ele ainda viria a dirigir mais um filme, Amar, Beber e Cantar, em 2014). E é um trabalho superlativo e vigoroso, em que Resnais demonstra que, aos quase noventa anos, conseguia conceber um longa que, ao mesmo tempo em que escancara a sua perspectiva em relação à morte, ainda presta tributo ao teatro e ao cinema. Com um design de produção primoroso e um elenco irrepreensível, é um testamento e tanto. Mesmo quando periga a soar cansativo, lá pela uma hora de projeção, Resnais tira da cartola um artifício cênico ou arranca de seus atores uma fala específica para cativar o público até o final. Um belo trabalho. Nota 8

103 - Ex Machina: Instinto Artificial (Ex Machina, 2015): não poderia ser melhor a estreia na direção de Alex Garland (roteirista de Extermínio e Dredd), que consegue não só amplificar a temática sócio-futurista de seus trabalhos anteriores, mas focar em assuntos ainda mais fascinantes (e atuais). Tendo como base a relação entre homem e máquina, Garland filma (na verdade, pinta, tamanha é a plasticidade das imagens concebidas pelo agora cineasta) seu roteiro como um intrincado jogo de xadrez entre criador(es) e criatura(s), em que nada é o que parece ser a primeira vista e cujo desenrolar revela uma pertinente discussão sobre a ética e a moralidade que antecedem a criação tanto científica quanto artística. A direção de arte beira a perfeição, abusando de detalhes quase imperceptíveis a primeira vista em seu (praticamente) único cenário (a mansão de Oscar Isaac, de Inside Llewyn Davis, ótimo em cena). Todos os diálogos travados entre Domhnall Gleeson (Questão de Tempo) e Alicia Vikander (O Amante da Rainha) são impecáveis e cheios de significados. Uma ficção científica feita por adultos e com foco em gente grande. Filmaço. Nota 9

104 - Invasores: Nenhum Sistema Está à Salvo (Who Am I - Kein System ist sicher, 2014): thriller alemão cuja edição frenética lembra muito Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes, com soluções visuais bacanas que remetem ainda a Corra, Lola, Corra em sua absorção orgânica pela trama acelerada. O enredo, que envolve crimes cibernéticos, é atual e bem conduzido, mas a desnecessária virada da trama nos últimos dez minutos de projeção não apenas ofende a inteligência do espectador, mas também tira muitos pontos do que poderia resultar em um trabalho bem acima da média. Nota 7  

105 - Raze (Raze, 2013): essa mistura de influências de outras produções pega emprestado o clima claustrofóbico e de mistério de Cubo (1997), mas acaba por se revelar mais um "torture porn" na linha do que Eli Roth comandou na franquia O Albergue. Apesar do razoável elenco reunido (a ex-dublê de Uma Thurmann, Zoë Bell, é uma boa protagonista, enquanto as pontas de Rachel Nichols e Rosario Dawson são inesperadas e divertidas), a violência gratuita incomoda muito e o desfecho dá contribui para a sensação de tempo perdido. Os vilôes interpretados por Doug Jones e Sherilyn Fenn são caricatos e mais irritam do que causam medo. Nota 4

106 - The Living (The Living, 2014): uma trama que remete ao clima das produções dos irmãos Coen, mas com bem menos talento envolvido por trás das câmeras. Uma tragédia anunciada cujo ritmo é encenado de forma adequadamente lenta até o clímax que, se não chega a ser surpreendente, pelo menos é bem conduzido. Nota 6,5

107 - Spring Breakers: Garotas Perigosas (Spring Breakers, 2012): roteirista de Kids, o também diretor Harmony Korine sempre pautou sua carreira pela realização de produções independentes com um tom próprio que o distanciava do cinema comercial. Essa produção é de longe a mais pop já realizada pelo cineasta, mas é inegável o conflito de personalidade impresso no produto final. Se por um lado é perceptível a pegada autoral de Korine na montagem (a decupagem das cenas lembra o cinema de Terrence Malick), por outro há um incômodo sexismo na abordagem da narrativa, com ênfase na óbvia (e insistente) objetificação sexual do diretor ao enquadrar os corpos femininos perfeitos de seu jovem elenco, o que beira o pornográfico. James Franco surpreende ao criar um personagem muito distante de suas atuações costumeiras, um traficante cuja imprevisibilidade reativa mescla com originalidade violência e fragilidade. Diverte razoavelmente, mas deixa um gosto um pouco amargo na boca, como se acabássemos de assistir ao videoclipe machista de rap music. Nota 5,5

108 - Mais Um Verão Americano (Wet Hot American Summer, 2001): conta com um elenco que hoje em dia é formado por estrelas do cinema e da tevê (Bradley Cooper, Paul Rudd, Amy Poehler, Janeane Garofalo, Elizabeth Banks) e cujo roteiro pretende homenagear e parodiar os filmes ambientados em acampamentos estudantis dos anos 80. Apesar da boa intenção da premissa, é um filme que tenta tirar sarro de produções ruins, mas resulta pior ainda do que os filmes parodiados. Terrivelmente episódico e sem graça, com gags sem timing cômico algum e um amontoado de atores que parece visivelmente constrangido em cena (ou pelo menos deveriam envergonhar-se), é uma produção tão ruim que chega a ser inconcebível (mas sintomático) que tenha virado cult movie nos EUA (a Netflix inclusive está produzindo um seriado baseado no longa). Um lixo cinematográfico que merece permanecer desconhecido do público cinéfilo. Nota 1

* 109 - Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros (Jurassic World, 2015): em primeiro lugar, não dá para comparar com o primeiro Parque dos Dinossauros, que Spielberg transformou em uma das melhores aventuras que já conduziu em sua carreira repleta de clássicos do entretenimento. De qualquer forma, Jurassic World se sobressai entre as sequências do filme original, com o resgate do senso de deslumbramento ausente nos filmes 2 e 3 e que aqui é muito bem empregado (até a trilha de Michael Giacchino contribui para isso, reverenciando a todo momento o clássico tema de John Williams). A ideia de ambientar a trama em um parque temático que remete claramente àqueles sediados em Orlando é sensacional e contribui para a orquestração das inúmeras (e muito eficientes) cenas de ação comandadas por Colin Trevorrow, que até então tinha em seu currículo apenas uma comédia independente, a ótima Sem Segurança Nenhuma. A premissa também é muito adequada, envolvendo interesses corporativos que refletem a economia e a política externa americana atuais, ao mesmo tempo em que aborda cinicamente a própria mecânica por trás das sequências cinematográficas produzidas de forma industrial pela Hollywood contemporânea. Mas nem tudo são flores. Os personagens principais são caricaturais e mal escalados (Chris Pratt simplesmente não funciona adequadamente na pele de um sujeito desprovido de humor, justamente o ponto forte do ator), ao passo que o roteiro insiste irritantemente em diálogos expositivos e aborda a protagonista Bryce Dallas Howard sob um viés que, convenhamos, é o retrato fiel do sexismo e do machismo de nossa sociedade (a workaholic sem emoção que encontra redenção ao descobrir em si o instinto materno, sério mesmo??? em pleno século XXI???). Porém, o senso de aventura a moda antiga que o longa impregna em cada fotograma compensa os seus erros. Os últimos 15 minutos de projeção são um exemplo de resgate das boas produções de entretenimento de antigamente. Um ótimo programa familiar e um autêntico "filme de monstro" conduzido com mão firme. Que bom que o longa tenha feito sucesso memorável em sua estreia (é a maior bilheteria de abertura da história), o que vai contribuir para que a indústria cinematográfica invista em mais filmes com a mesma pegada. Vale muito a pena. Nota 8   

110 - Histórias Mínimas (Historias Mínimas, 2002): o excelente diretor Carlos Sorin (do ótimo O Cachorro) faz aqui talvez o seu trabalho mais emotivo e particular. Essa miscelânea de historinhas ambientadas no Sul gelado e desértico da Argentina dá luz e voz a personagens muitas vezes marginalizados e fadados a uma posição periférica nas narrativas do cinemão convencional. Ao abraçar com carinho essas figuras tragicômicas, Sorin desenha um panorama interessantíssimo sobre aquela parcela da população que ainda não foi alcançada pelos avanços da vida moderna. Terno, engraçado e triste na mesma proporção, é uma pequena obra-prima que extrai de seu elenco de desconhecidos (e em alguns casos, amadores) atores sentimentos universais tão bem registrados que a vontade que fica é de segui-los para além do recorte de tempo abrangido pelo roteiro. Imperdível. Nota 9

111 - Shuffle (Shuffle, 2011): a ideia de apresentar uma historia em que o personagem se vê preso em sua própria vida, montada de forma aleatória como em 21 Gramas, é muito promissora. Entretanto, a  canastrice do elenco e a fragilidade do roteiro jogam a originalidade da premissa no lixo. Para piorar, o desfecho cristão, piegas e metafísico do roteiro extermina qualquer esperança de vida inteligente por trás da produção. Nota 3

112 - Os Brutamontes (Goon, 2011): uma comédia que usa e abusa dos clichês dos filmes de esporte para contar uma história (muito) livremente inspirada em fatos reais que diverte pela gaiatice com que o elenco abraça a produção, subvertendo os lugares-comuns e entregando um produto final que consegue agradar mesmo aqueles que não são fãs do subgênero em que se enquadra. O fato de Sean William Scott (o eterno Stiffler da franquia American Pie) conseguir escapar da caricatura que o tornou famoso é excencial para o filme (o seu protagonista transborda empatia), assim como a presença da adorável Alison Pill (Scott Pilgrim Contra o Mundo), que entrega um interesse romântico muito diferente das figuras femininas padronizadas pelas superproduções de Hollywood. Além disso, ao antagonista vivido por Liev Schreiber são reservadas bem mais camadas do que o habitual. Ironicamente, o calcanhar de Aquiles do filme é o coadjuvante irritante interpretado por Jay Baruchel, justamente o corroteirista do longa. Uma boa diversão. Nota 7,5

113 - Raça das Trevas (Nightbreed - The Director´s Cut, 1990): a versão do diretor para o trash Raça das Trevas prometia, segundo prometido por seu autor-diretor Clive Barker, resgatar o que a montagem final do estúdio tinha estragado. Porém, o fracasso de bilheteria e crítica do longa é mais uma vez justificado aqui. O roteiro é um amontoado de situações desfocadas que confunde-se ao tentar costurar dentro de um mesmo colchão a pretensão de criar um universo próprio e os clichês mais absurdos dos filmes de serial killer. A história parece truncada, com ações que atropelam reações e uma inaptidão notável em concatenar todas as ideias presentes na trama. O agravante mais evidente é a presença de David Cronenberg, diretor de A Mosca e Cosmópolis, como o vilão, talvez uma das atuações mais canastras do Cinema moderno. O lado bom é que todo o design de produção que envolve a "raça das trevas" do título é de cair o queixo, um trabalho irrepreensível de maquiagem e cenografia que se iguala a clássicos do gênero terror e provavelmente serviu de influência a cineastas e produções melhores nos anos seguintes (a sequência da descida aos subterrâneos é primorosa em sua inventividade). É esse visual que salva o longa de resultar em um enlatado meramente ruim. Nota 4,5

114 - Transcendence: A Revolução (Transcendence, 2014): é difícil apontar onde exatamente começa a sucessão de erros grotescos por trás dessa superprodução de estreia do diretor de fotografia dos filmes de Cristopher Nolan, Wally Pfister. Desde a escalação equivocada do grande elenco (Johnny Depp, Morgan Freeman, Paul Bettany) até a identidade visual genérica, tudo dá errado em uma trama que promete uma ficção científica inteligente, mas entrega um pastiche do gênero que é chato até dizer chega. O problema principal talvez seja a dificuldade em justificar os atos dos "mocinhos" em contraposição aos do "vilão": o filme em momento algum consegue demarcar devidamente as personalidades de ambos os lados, o que acarreta o imediato desinteresse do público e sabota o desfecho supostamente surpreendente. Nota 2

115 - Uma Viagem Excêntrica (The Trip, 2010): adorável reunião do ator Steve Coogan com o diretor Michael Winterbottom, que o dirigiu no ótimo A Festa Nunca Termina, é uma sucessão de improvisações cômicas durante uma tour gastronômica pelo interior da Inglaterra. Originalmente exibido em capítulos na televisão inglesa, é um trabalho quase inteiramente rodado na base do improviso e que revela a versatilidade de Coogan e de seu divertidíssimo parceiro de elenco, Rob Brydon. Um filme que dá fome e faz rir na mesma medida. Nota 8

116 - Mistério Na Vila (Mørke, 2005): suspense dinamarquês que inicia de forma promissora, com um desenvolvimento lento, porém adequado, de seus personagens e de sua premissa, mas que ameaça a qualquer momento descambar para os clichês mais batidos do gênero, o que acontece em seu desfecho um tanto covarde. Tem uma interpretação notável de Nicolas Bro como o antagonista e um climão acertadamente seco, mas nunca consegue apresentar mais do que um entretenimento eficaz, mas um tanto aquém do que poderia se tornar. Nota 5

117 - O Som Ao Redor (2012): o melhor filme nacional em muitos anos. Essa estreia em longas-metragens do crítico de cinema Kleber Mendonça Filho é daquelas produções que acerta em tudo em que mira. A sua crônica sobre a classe média brasileira contemporânea é pródiga em estabelecer paralelos com o passado, registrar o status quo dominante de nossa sociedade e ainda lançar uma inteligente (e adequadamente desesperançada) previsão sobre o futuro de nossa eterna luta entre extratos sociais. Visualmente deslumbrante desde o seu revelador plano-sequência inicial, é daquelas obras que guardam em seu simbolismo uma de suas virtudes mais intrigantes, apesar do naturalismo empregado no registro do dia-a-dia de seus personagens (um filme-coral com clara inspiração no cinema de Robert Altman). Por outro lado, o design de som vai muito além do registro dos sons que compõem a nossa rotina, funcionando muito mais como um comentário sobre o que está sendo narrado na tela. Muitas vezes, são os pequenos barulhos de nossa realidade que falam muito mais sobre o que somos enquanto sociedade do que o que fazemos entre quatro paredes. Uma moderna obra-prima do cinema. Imperdível. Nota 9

118 - West Of Memphis (West Of Memphis, 2012): mesmo abordando um assunto já explorado na trilogia Paradise Lost do canal HBO e no longa fictício Sem Evidências (Devil´s Knot), de Atom Egoyan, é um documentário que consegue lançar sobre uma inacreditável história real ocorrida nos EUA um olhar autoral e pertinente. Contando com o aval de Peter Jackson, que serviu de coprodutor, o filme teve acesso a documentos e depoimentos exclusivos, inclusive com celebridades (Henry Rollins, Eddie Vedder, Patty Smith), o que fica evidente principalmente na metade final. Essencial para entender (ou tentar) o frágil sistema judiciário americano. Nota 8

119 - A Marca do Medo (The Quiet Ones, 2014): desastrada tentativa da Hammer Films em ressuscitar a temática dos filmes de terror baseados em fatos reais com a estética dos anos 70, é um filme que falha miseravelmente em apresentar uma premissa original e, principalmente, em meter medo no público. Os personagens são desinteressantes e irritantes em sua unidimensionalidade, ao passo que as sequências supostamente aterrorizantes resultam monótonas e sem um pingo do climão presente nas produções setentistas. O ó do borogodó. Nota 2

120 - Bem-Vindo Aos 40 (This Is 40, 2012): o diretor Judd Apatow sabe como ninguém conceber crônicas sobre a geração nascida nos anos 70, sempre sob um registro cômico eficaz, e aqui não faz diferente. É um filme que, ao mesmo tempo em que extrai humor das situações mundanas vividas por casais na idade em que percebem estar envelhecendo, lança um olhar afetuoso sobre esse estágio de nossas existências. O casal protagonista (Paul Rudd e a esposa do diretor, Leslie Mann) faz um trabalho exemplar, sem medo de se submeter a cenas um tanto constrangedoras, e esse despreendimento salta aos olhos e serve como mecanismo instantâneo de empatia em relação aos personagens. O filme até poderia ser melhor editado, principalmente em seu trecho final, que revela-se longo além da conta, mas mesmo essa desaceleração narrativa guarda identidade com o tema abordado. Já personagens secundários como aqueles vividos por Lena Dunham, Chris O´Dowd e Jason Segel, são muito mal explorados e sequer ganham um arco decente. Um filme que faz gargalhar em alguns momentos, mas preserva em seu cerne um registro muito humano sobre o amadurecimento. Nota 8

121 - Pânico Na Escola (Detention, 2011): a ideia de autoparodiar o gênero dos filmes de terror ganhou o seu ápice (e sua definitiva visão) quando Wes Craven realizou a franquia Pânico, lá nos anos 90. Tentar satirizar a própria paródia é tarefa complicada e Pânico Na Escola previsivelmente erra a mão. O excesso de metalinguagem, que depois de cinco minutos já soa cansativo, sabota o que poderia resultar em um daqueles "guilty pleasures", produções ruins com elementos divertidos que acabam sendo cultuados por um nicho do público (caso do trash Fúria Em Duas Rodas, do mesmo diretor). A prova mais  evidente de que o filme é anacrônico é que as suas referência todas sejam à cultura pop dos anos 90, justamente a década marcada pelo Pânico de Craven. Mesmo quando o longa abraça o absurdo, trazendo à trama viagens no tempo e extraterrestres, mais aborrece do que entretém. Nota 4,5

 * 122 - Samba (Samba, 2014): repetindo a mesma pegada de seu sucesso anterior, o ótimo Intocáveis, de 2011, a dupla de diretores Olivier Nakache e Eric Toledano voltam a confiar no protagonista daquele longa (Omar Sy) para conceber outra produção que ganha o público pela irresistível simpatia de seus personagens. Abordando mais diretamente a xenofobia da sociedade francesa em relação aos imigrantes egressos de suas antigas colônias, assunto que já servira de mote em Intocáveis, Samba é aquele filme com quem gostaríamos de iniciar uma amizade duradoura desde o primeiro contato. Omar Sy é daqueles atores que utiliza a própria estrutura física para compor personagens que, se não fogem muito do estereótipo do gigante de bom coração, conseguem estabelecer com facilidade a empatia junto ao público. A sua atuação mimetiza o alto astral do roteiro de seus cineastas, entregando um protagonista cuja personalidade solar ajuda e muito a produção em sua óbvia pretensão em extrair entretenimento popular de um tema espinhoso. Charlotte Gainsbourg, habituada a interpretar personagens pesadíssimas nos filmes de Lars Von Trier, aqui surpreende ao imprimir leveza e camadas a um papel que, se analisado com olhar um pouco mais aguçado, pouco se distancia das caricaturas produzidas por Hollywood em suas comédias românticas. Já o divertidíssimo coadjuvante interpretado por Tahar Rahim (O Profeta, O Passado) não encontra no roteiro um fechamento adequado para a sua subtrama, o que é uma pena. A fluidez de Samba consegue maquiar seus equívocos, principalmente a tendência em recair a clichês da cinematografia americana. Conduzido sempre no limiar entre o cinema artístico europeu e o enlatado pop ianque, Samba consegue se equilibrar mesmo quando ameaça despencar vertiginosamente (a cena ao som de Palco, de Gilberto Gil, apesar de se revelar uma clara e gratuita tentativa de repetir a sequência de Intocáveis em que os personagens caem na dança com Eart, Wind and Fire, é tão prazerosa de acompanhar e impregnada de alma que se torna irresistível). É essa capacidade de impregnar latinidade e gingado a uma trama que, em outros tempos, teria como trilha sonora obrigatória a Marselhesa que faz com que Samba, mais do que simplesmente o nome de seu protagonista, comprove que os franceses também possuem suingue no pé. Nota 8

123 - Parallels (Parallels, 2015): criado como um piloto de série de tevê que não foi aprovado, foi lançado posteriormente pela Netflix como longa independente. Infelizmente, a premissa interessante (um prédio que serve de portal para realidades alternativas da Terra) só se presta mesmo no formato de seriado. Como filme, desperdiça todas as boas ideias que o conceito original possibilitaria, além de contar com um elenco terrível e uma produção paupérrima. As pontas soltas ao final, que serviriam como chamariz para futuros episódios, apenas tornam a produção ainda mais equivocada. Nota 2,5

124 - Infestation (Infestation, 2009): concebido como uma clara tentativa de imitar a mistura de gêneros de Zumbilândia, essa produção mequetrefe tenta parodiar os filmes trash de ataque de insetos gigantes da década de 70. Infelizmente, é uma sucessão de equívocos, a começar pela escalação como protagonista de um ator ruim de doer que interpreta um personagem desprezível, o que automaticamente já afasta o público da brincadeira proposta pelo roteiro. Além disso, os efeitos visuais são toscos da maneira errada, investindo em um CGI vergonhoso que sabota a própria premissa original (monstros construídos com efeitos práticos, além de mais verossímeis e baratos, combinariam mais com a paródia tentada pelos produtores). Nota 2 

125 - A Escolha Perfeita (Pitch Perfect, 2012): me surpreende que um filmeco tão sem atrativos tenha se tornado um sucesso popular tão grande que sua sequência tenha surrado Mad Max: Estrada da Fúria nas bilheterias. Típico caso de abismo entre gerações. Os seus estereótipos e clichês remetem às produções ambientadas nas high school americanas dos anos 80, quando o gênero e seus lugares-comuns eram novidade. Requentado três décadas depois, soa insosso para uma geração que, como eu, já viu e reviu filmes melhores do gênero incontáveis vezes na Sessão da Tarde. Mesmo as referências parecem forçadas e desconectadas da nova geração: quando a música-tema de O Clube dos Cinco é motivo de reverência para uma garotada que idolatra Nicki Minaj e assemelhados, o resultado é uma já esperada sequência final que destrói tudo o que Don´t You Forget About Me poderia ter de melhor. Uma perda de tempo para velhos cinéfilos. Nota 4,5    

126 - The Badger Game (The Badger Game, 2014): um filme que tenta emular o climão dos primeiros filmes dos irmãos Coen, mas de forma catastrófica. Produção caseira, elenco desprezível e um roteiro que nunca se decide entre o cômico e o torture porn, parece filme um filme realizado entre amigos. E eu particularmente não gostaria de fazer parte dessa turma. Nota 2

127 - Noite Sem Fim (Run All Night, 2015): terceira parceria entre Liam Neeson e o diretor Jaume Collet-Serra depois de Desconhecido (2011) e Sem Escalas (2014), apenas comprova que a dupla possui sinergia suficiente para entregar um produto que não é memorável, mas que dá satisfatoriamente para o gasto. Praticamente um faroeste rodado na Nova York contemporânea, é uma produção que conta com belas cenas de ação, um protagonista adequado e antagonistas vilanescos na medida (Ed Harris poderia ser bem mais aproveitado pelo cinemão americano do que é ultimamente). A cena que abre o longa, além de representar um spoiler desnecessário para a trama, não tem função alguma, um erro gravíssimo de narrativa que sabota o desenvolvimento razoável do roteiro, o que é uma pena. Mas é, no fim das contas, um bom bangue-bangue moderno. Nota 7

128 - O Sal da Terra (The Salt Of The Earth, 2014): assim como o seu conterrâneo Werner Herzog (O Homem Urso, A Caverna dos Sonhos Esquecidos), Wim Wenders soube se reinventar como diretor de documentários sensacionais, engrandecendo o currículo com Pina (2011) e este aqui. Codirigido por Wenders e Juliano Ribeiro Salgado, o filho do biografado (o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado), é um filme que, apesar de feito a quatro mãos, deixa transparecer no ritmo contemplativo e nas digressões por vezes filosóficas a autoralidade do cineasta alemão. Transpor para a tela em cerca de 120 minutos as verdadeiras epopeias vividas por Salgado ao longo da carreira seria tarefa das mais inglórias se não fosse a boa carpintaria narrativa de Wenders, que consegue enxergar não só um tema, mas um arco dramático a ser seguido no trabalho de Sebastião ao longo de sua carreira. Plasticamente irretocável, com o preto e branco expressivo das fotografias sendo aqui e ali intercalado com imagens cujas cores vibrantes servem para desenvolver a temática do roteiro, é um daqueles documentários de encher os olhos e aquecer o coração. O "turning point" encontrado para ilustrar a disparidade entre o penúltimo e o último trabalho de Salgado é de uma precisão que beira a genialidade. Além de colocar na devida perspectiva o trabalho de um mestre da fotografia, ainda é um filme que transborda emoção. Imperdível. Nota 9

* 129 - Homem-Formiga (Ant-Man, 2015, em 3D IMAX): personagem até certo ponto obscuro para quem nunca leu gibis na adolescência, o Homem-Formiga tem toda uma rica mitologia própria e grande importância dentro do Universo Marvel. Por isso, a transposição de suas aventuras para o cinema era inevitável e até demorou um pouco demais, o que fica evidente em seu filme-solo. A ideia de um indivíduo que consegue ser miniaturizado através de um experimento científico obviamente não é nova, mas é daquelas premissas que, se bem desenvolvidas, garante encantamento imediato para o público. No caso de Homem-Formiga, a acertada opção em conferir ao longa um viés mais cômico, mais próximo da comédia do que da já cansativa e esquemática equação adotada pelos filmes de super-herói, contribui e muito para a fluidez de sua trama. O fato de ter um protagonista na pele de um Paul Rudd absolutamente a vontade no papel central também é uma bem-vinda adição. E Michael Douglas, quem diria, não desaparece em momento algum em um papel coadjuvante que, interpretado por outro ator, poderia ser relegado ao esquecimento. Pena que a produção não arrisque o tanto que deveria quando comparada com outras tantas envolvendo super-heróis: desde o vilão até os efeitos digitais abundantes (e muitas vezes desnecessários), tudo soa um pouco mais genérico do que o ideal. E o esforço em colocar o filme como uma peça dentro de uma franquia maior mais incomoda do que agrada (a cena da luta do protagonista com um dos membros dos Vingadores soa forçada e gratuita). No geral divertido e movimentado, Homem-Formiga é entretenimento com padrão Marvel Studios. Arranca boas risadas enquanto dura (e abre espaço para mais filmes do personagem-título que, se rodados com mais ousadia, podem representar uma pequena revolução dentro do gênero), mas é facilmente esquecido após os créditos. Nota 7,5

* 130 - A Forca (The Gallows, 2015): um manual didático do que há de mais batido no gênero terror atualmente. A matemática infalível dos grandes estúdios em lançar filmes de terror de baixo orçamento obedece a certas regras de mercado e todas elas estão escancaradas nessa produção enfadonha. Em primeiro lugar, há a opção detestável de rodar o filme dentro do gênero do found footage (ou "filmagens encontradas"), o que automaticamente serve de muleta para os diretores estreantes justificarem a produção de fundo de quintal, a incapacidade de enquadramento das cenas e a deficiência do elenco, que parece ter sido reunido em uma bebedeira entre amigos. A primeira hora de projeção é composta basicamente de cenas em que personagens odiosos e fora de foco correm para lá e para cá dentro de um ambiente fechado (no caso, uma escola que, a julgar pelo roteiro, nunca ouviu falar de segurança privada), enquanto portas batem. E é basicamente isso mesmo que acontece. Os últimos 20 minutinhos reservam algumas surpresas, principalmente no final que foge ao padrão estabelecido pelo subgênero e até consegue medianamente imprimir um tom macabro a um filme que, até ali, só conseguiu arrancar bocejos. Porém, é uma tortura chinesa acompanhar personagens detestáveis durante mais de uma hora, principalmente quando recitam um texto vergonhoso e são registrados com uma câmera tremida como se fosse manejada por um sujeito com Mal de Parkinson. Nota 2

131 - A Culpa É das Estrelas (The Fault in Our Stars, 2014): draminha adolescente baseado em bestseller voltado para o público teen é dose pra mamute, mas essa adaptação aqui até que faz chover, principalmente considerando o seu tema depressivo que praticamente prenunciava aqueles romances mela-cueca que induzem o choro do começo ao fim. A dupla de protagonistas é bonita e simpática na medida e há passagens espirituosas aqui e ali que afastam um pouco a sensação de emoção forçada. É bem verdade que os personagens adolescentes replicam diálogos que mais parecem saídos da boca de sujeitos de meia-idade, o que entrega de cara o abismo geracional existente entre o autor do livro e suas criações, mas isso não chega a incomodar. Pelo contrário: a sensação é de se estar assistindo a uma ficção científica em que, num mundo paralelo, os adolescentes modernos são letrados, cultos e não hesitam em partir para experiências reais mundo afora em detrimento do mundinho tecnológico em que foram criados. Há cenas de inegável emoção justamente porque o roteiro não trata os protagonistas como coitadinhos, mesmo abordando um assunto delicado como o câncer na juventude. A cena que se passa dentro da casa de Anne Frank, em Amsterdã, além de irrelevante para a trama, é uma das mais bizarras, ofensivas e desastradas da história do cinema recente, mas mesmo uma derrapada tão evidente é perdoada pela empatia geral da produção. Nota 7

132 - Found (Found, 2012): longa perturbador que aborda a psicopatia sob o ponto de vista de um familiar do assassino, mas que peca no ritmo irregular, que alterna longas sequências enfadonhas até chegar a um final verdadeiramente impactante e próprio para estômagos bem fortes. Pena que a produção seja tão caseira, o que piora ainda mais o desenrolar que precede o seu clímax. Nota 4

133 - Cidade das Sombras (City Of Ember, 2008): boa fantasia capitaneada pelo diretor de A Casa Monstro, que demonstra novamente conhecimento e reverência ao cinema produzidos nos anos 80. Com todo o cenário construído de forma prática, lembra muito as produções de Jim Henson, o finado pai dos Muppets. Só que o roteiro não encontra muito espaço para o arrojo, limitando-se a telegrafar uma traminha básica de amadurescimento que nunca alça vôo como deveria. O elenco é bom e o clima é simpático, mas a esmerada direção de arte merecia um produto final melhor. Nota 6

134 - A Pirâmide (The Pyramid, 2014): um filme tão ruim, mas tão ruim, que começa como found footage sobre uma equipe de repórteres fazendo uma matéria que envolve a descoberta de uma pirâmide até então desconhecida e logo depois abandona a técnica de filmagens encontradas e parte para o registro convencional. Pior: segue alternando as duas perspectivas até o final, o que não faz o menor sentido. Elenco deplorável, efeitos especiais constrangedores e zero tensão. Nota 1

135 - Sétimo (Séptimo, 2013): thriller argentino que começa e desenvolve-se muito bem, com uma premissa intrigante que remete diretamante à filmografia de Hitchcock. O casal protagonista é muito bem defendido por Ricardo Darín e Belén Rueda (O Orfanato) e as reviravoltas da trama surgem de forma orgânica. O desfecho, porém, como se o roteiro fosse obrigado a reservar mais uma surpresa para o público, consegue eliminar qualquer resquício de verossimilhança que a história tinha até ali. Uma pena, mas prende a atenção enquanto dá. Nota 6,5

136 - O Pântano (La Ciénaga, 2001): brilhante crônica sobre o abismo existente entre as camadas mais baixa e mais alta de um mesmo extrato social (a classe média argentina contemporânea), é um filme de nuances e simbolismos irrepreensivelmente registrados pela câmera da cineasta Lucrecia Martel. Uma produção cujo roteiro aparentemente episódico e sem grandes elipses dramáticas diz muito mais do que aparenta sobre a sociedade contemporânea. E as atrizes Mercedes Morán e Graciela Borges, nos extremos sociais em que estão inseridas suas personagens, dão uma verdadeira master class de interpretação. Imperdível. Nota 9

137 - The True Cost (The True Cost, 2015): documentário que desvenda o cruel mundo da confecção moderna de vestuário popular, lançando um olhar agudo, mas muito parcial, sobre o modus operandi das grandes cadeias de lojas que dominam o setor. Há relatos e registros que emocionam e informam com a mesma efetividade, apesar do longa ressentir-se de um certo didatismo narrativo e carecer de qualquer contraposição, o que daria ao seu argumento ainda mais relevância. Nota 7,5

138 - Creep (Creep, 2014): um caso cada vez mais raro de filme que opta por narrar sua trama sob a estética do found footage de forma inteligente e orgânica. A atmosfera criada desde a primeira cena, que mescla humor e suspense para ludibriar o espectador sobre o gênero de filme contido no roteiro, é muito adequada, principalmente quando se tem um protagonista como Mark Duplass, egresso de papéis cômicos (Sem Segurança Nenhuma, Complicações do Amor), o que introduz uma bem vinda pulga atrás da orelha do público sobre as reais intenções de seu personagem. Duplass é a alma da produção, construindo um personagem memorável cujas camadas de sua personalidade vão sendo gradualmente desnudadas diante da tela. Um ótimo suspense que guarda surpresas muito bem vindas até a sua cena derradeira. Nota 8

139 - Sobrevivente (Backcountry, 2014): bom suspense de sobrevivência que conta com uma atuação convincente de sua protagonista Missy Peregrym e um desenvolvimento ascendente de tensão que faz o clímax sangrento valer a pena. Um bom filme de gênero vindo do Canadá. Nota 7

* 140 - A Escolha Perfeita 2 (Pitch Perfect 2, 2015): é inegável que a diretora e atriz Elizabeth Banks consegue imprimir aqui um timing de humor que flui melhor do que no filme original, principalmente no que se refere à personagem de Rebel Wilson, que ganha tiradas efetivamente engraçadas. As sequências musicais também são bem mais produzidas, o que facilita certa empatia com a produção. Pena que seu roteiro se limite a reproduzir todos os clichês mais surrados do subgênero dos filmes de competição esportiva, o que irrita bem demais da conta. No geral, uma produção simpática, mas em seu cerne um daqueles filmecos que, apesar de sua inofensividade, apenas requenta lugares-comuns de tantas outras produções passadas e melhores. Nota 5,5   


141 - Atividade Paranormal Tóquio (Paranômaru akutibiti: Dai-2-shô-Tokyo Night, 2010): praticamente uma refilmagem do original americano, replicando sustos e situações já vistas, é um spin-off que nunca decola. Tem certo clima de tensão subjacente, mas a ausência de uma atmosfera propícia para os sustos é o principal problema do filme, o que revela-se um obstáculo que nem o seu desfecho original consegue ultrapassar. Nota 4,5

142 - Amizade Desfeita (Unfriended/Cybernatural, 2014): um filme de terror cujo roteiro é daqueles padronizados há muito tempo pelo cinema de gênero norte-americano, mas que ganha pontos extras pela intrigante opção narrativa de filmá-lo sob a perspectiva de uma tela de computador, da mesma forma que The Den e Open Windows. O diferencial aqui é a utilização de redes sociais como principal mecanismo narrativo, o que garante ao filme um formalismo hipnotizante (e inédito) no desenvolvimento do roteiro. Apesar de contar uma história já vista inúmeras vezes, consegue contá-la com originalidade. Nota 6,5

* 143 - Missão: Impossível - Nação Secreta (Mission: Impossible - Rogue Nation, 2015, em IMAX): talvez o último dos representantes da quase extinta linhagem dos atores que conseguem atrair o público para filmes que não necessariamente envolvam franquias baseadas em quadrinhos ou adaptações de bestsellers adolescentes, Tom Cruise é reminiscente da era do star system hollywoodiano. E, verdade seja dita, o cara se esforça como ninguém para manter o adjetivo de astro que ainda carrega colado ao seu nome. O último Missão Impossível comprova que 2015 está sendo um ano sensacional para o gênero da espionagem no cinema (a ótima surpresa Kingsman - Serviço Secreto abriu os trabalhos no começo do ano, seguido pelo sucesso de público e crítica de A Espiã Que Sabia de Menos e ainda teremos o novo 007 em novembro). Já começa entregando a cena cuja filmagem serviu de publicidade extra para o projeto (Tom Cruise REALMENTE pendurado do lado de fora de um Boeing), o que serve para imprimir o tom da narrativa e, de lambuja, alertar que vem coisa ainda mais maluca pela frente. E, de fato, a produção surpreendentemente reserva sequências ainda mais extasiantes durante a sua metragem (a cena do atentado no teatro Opera House de Viena é uma das melhores do ano com toda a certeza), apostando com força em efeitos práticos, realizados por dublês (ou pelo próprio Cruise), em detrimento da overdose de efeitos digitais vistos em 90% dos blockbusters americanos. A intensidade com que Cruise se entrega ao papel deixa claro que a desastrada opção em tornar o personagem de Jeremy Renner em seu sucessor, hipótese cogitada antes do lançamento de Missão: Impossível - Protocolo Fantasma, era um equívoco total (aliás, o personagem de Renner, aqui, limita-se a atuar na esfera burocrática). Afora as ótimas cenas de ação, o longa ainda apresenta uma atriz com grande potencial para tornar-se um nome importante daqui para frente: Rebecca Ferguson, além de linda, tem carisma e habilidades físicas suficientes para criar a personagem feminina mais forte da franquia até aqui, formando um par finalmente à altura do protagonista Ethan Hunt. Além disso, longe de ser resumida ao papel de interesse romântico ou donzela em perigo, a personagem de Ferguson é daquelas que tomam as rédeas da narrativa e da ação, uma figura quase tão imponente quanto a Imperator Furiosa de Charlize Theron em Mad Max: A Estrada da Fúria. E o desfecho inusitado cria expectativas excelentes para o futuro da franquia. Missão Impossível: Nação Secreta é, pois, um triunfo do entretenimento. Não fere a inteligência do público e entrega o que um filme de gênero deveria: diversão descompromissada, mas eletrizante. Nota 8,5

144 - Extinction (Extinction, 2015): híbrido de ficção pós-apocalíptica e filme de zumbis, Extinction se propõe a entregar algo diferenciado dentro dos gêneros em que trafega, algo evidenciado pelo desenvolvimento compassado do roteiro. Entretanto, as motivações de seus personagens são mal construídas (a culpa do personagem de Matthew Fox, o Jack do seriado Lost, nunca é justificada adequadamente) e os efeitos digitais de seus mortos-vivos evoluídos evidenciam o orçamento baixo (são tão artificiais quanto os vampiros de Eu Sou A Lenda, filme com que guarda grande similaridade no desenvolvimento do roteiro). Não agride a paciência, mas também não apresenta nada de relevante ao gênero. Nota 4


145 - Audição (Ôdishon, 1999): o cineasta nipônico Takashi Miike tem uma filmografia prolífica e muito heterogênea, mas é na disposição de engendrar narrativas que têm o choque como principal elemento que se sai melhor. Audição é um marco do cinema japonês, um thriller que desenvolve-se com muita lentidão até que o clímax surge como uma explosão de violência cujo impacto é um chute no estômago do público. Longe da gratuidade do cinema americano, porém, as cenas impactantes de seu desfecho reservam inúmeras camadas de interpretação possíveis, algo evidenciado pela opção do roteiro em confundir o espectador com a estratégia do sonho dentro do sonho. Muito além da literalidade de suas imagens, a história guarda grandes (e muito importantes) metáforas e simbolismos sobre o machismo e o papel da mulher na sociedade japonesa contemporânea. As suas cenas possuem tantos significados para se discutir que, por si só, já fazem de Audição, quando visto com a atenção necessária, um clássico moderno. Nota 9

146 - Deep Web (Deep Web, 2015): dirigido por Alex Winter e narrado por Keanu Reeves (dupla protagonista da franquia Bill e Ted), é um documentário que possui um título enganoso, que faz crer à primeira vista que seu tema é a camada obscura da internet em que pedofilia, cenas de violência extrema e criminalidade convivem lado a lado. Entretanto, o roteiro se concentra no processo movido pelo governo americano contra um dos supostos criadores do site Silk Road, que vendia drogas com pronta-entrega online. Com uma edição precisa e o emprego de recursos narrativos que avançam com fluidez a história que pretende contar, Alex Winter se revela um diretor bem competente. Porém, o longa guarda em si um viés muito discutível, optando por fazer mais um tratado de defesa dos acusados do que adotar uma postura imparcial diante dos fatos, o que incomoda bastante. Nota 5,5

147 -  A Entrevista (The Interview, 2014): é impossível dissociar o filme da desnecessária polêmica que envolveu o seu lançamento. Na verdade, na verdade, é uma comédia descerebrada e muito inofensiva que traz zero de preocupação política em seu roteiro. James Franco e Seth Rogen formam uma dupla simpática, já azeitada em parcerias anteriores (a melhor segue sendo Segurando As Pontas), o que garante algumas piadas e situações hilariantes. Pena que o filme, da metade para o final, perca força e passe a soar repetitivo. O filme anterior dos mesmos diretores Seth Rogen e Evan Goldberg (É O Fim) demonstrava mais aptidão para a comédia de qualidade. Nota 4,5

* 148 - Shaun, O Carneiro (Shaun, The Sheep, 2015): a sensacional nova produção dos estúdios Aardman (A Fuga das Galinhas, Wallace e Gromitt) não precisa sequer de diálogos para mandar seu recado e consegue agradar da mesma forma crianças e adultos. Se a história guarda em si uma inocência e doçura ausentes da maioria das animações digitais contemporâneas, também reserva espaço para referências e gags visuais que fazem a alegria dos marmanjos cinéfilos (O Silêncio dos Inocentes, Taxi Driver, Cabo do Medo). A estética do stop-motion, além de impressionante visualmente, possibilita a arquitetura de sequências hilariantes que expõem de forma divertidíssima o uso das massinhas na confecção de seus personagens. Um filme que usa o aparente mutismo de seus personagens para dizer muito mais do que muitas produções verborrágicas por aí. Uma das melhores animações de 2015. Nota 8,5

149 - Círculo (Cirkeln, 2015): para uma produção baseada em uma série de livros de sucesso voltados para o público jovem, esse longa sueco surpreende por possuir um clima opressivo desde a primeira cena, o que contribui para uma sensação permanente de tensão durante toda a sua excessiva metragem. Todo o clima do longa é muito bem executado, ao passo que sua história, um misto de Jovens Bruxas e Harry Potter, nunca chega a incomodar. Pena que, como todo o início de uma hipotética franquia, o seu desfecho deixe tantas pontas soltas. A sensação é que, para a correta fruição, o público depende de sequências que sabe-se lá se irão algum dia ver a luz do Sol, o que é um problema. Nota 6

150 - Amnesiac (Amnesiac, 2015): é difícil entender como um cara como Michael Polish, diretor de filmes independentes espertos como Northfork e Sonhando Alto, se meteu nessa canoa furada aqui, um thriller que esbanja clima, mas carece de uma história relevante que o sustente. Kate Bosworth e Wes Bentley nunca estiveram tão caricatos e o desfecho não tem lógica alguma, escancarando a fragilidade do texto. Nota 3

151 - Mar Negro (2013): trash até dizer chega, com um elenco que parece sobra de alguma encenação escolar e um roteiro que mistura filme de zumbis, feitiçaria e monstros sem qualquer cerimônia, Mar Negro, por outro lado, é uma diversão só. Os seus defeitos de produção são compensados pelo clima geral de filmagem de guerrilha, uma brincadeira entre amigos com inegáveis predicados principalmente no que se refere à maquiagem (o diretor Rodrigo Aragão era técnico de efeitos especiais) e ao humor. O seu clímax escancara as referências cinematográficas do cineasta, que vão de Um Drink No Inferno a Fome Animal. Um filme que usa as suas próprias limitações para entregar uma homenagem bem-humorada ao gênero do terror. E é bom saber que temos material humano para fazer uma produção dessas no Brasil. Nota 7

* 152 - Férias Frustradas (Vacation, 2015): híbrido de continuação, remake e reboot, essa retomada das aventuras da família Griswold foi injustamente massacrada pela crítica e ignorada pelo público americano. Não que o longa não tenha a sua parcela de culpa. O humor às vezes busca o choque e o ultraje onde os filmes originais conseguiam imprimir leveza mesmo quando as situações eram tragicômicas (o novo filme soa grosseiro muito além do que deveria em algumas cenas), o que é um reflexo da comédia moderna feita por Hollywood. Mesmo assim, o roteiro aposta na maior parte do tempo no mesmo tom das piadas conhecidas pelos Férias Frustradas originais, pois a ideia geral aqui é ver o protagonista Rusty Griswold (Ed Helms, de Se Beber... Não Case, em seu habitat natural) se ferrar até dizer chega enquanto tenta desesperadamente tornar a viagem até Walley World um programa familiar memorável para sua esposa (uma ótima Christina Appelgate) e seus filhos. Conta com participações especiais de Leslie Mann, Chris Hemsworth (que quase rouba a cena como o cunhado republicano superdotado), Colin Hanks e um certo ator do seriado The Walking Dead. Chevy Chase e Beverly D´Angelo também dão as caras reprisando seus papeis de patriarcas do clã Griswold em uma ponta muito divertida. Muito além de seus equívocos. o novo Férias Frustradas, se carece de um roteiro mais inteligente, pelo menos cumpre o que a maioria das comédias modernas não consegue: arranca gargalhadas genuínas e em profusão, comprovando o que nós, veteranos, já sabemos há décadas: quanto mais um Griswold se dá mal, mais risadas são arrancadas do público. Nota 8

153 - Mum And Dad (Mum And Dad, 2008): suspense britânico que conta com dois dos melhores psicopatas vistos recentemente no cinema (Perry Benson e Dido Miles fazem de seus "papai" e "mamãe" figuras realmente assustadoras em um trabalho de interpretação excelente). O clima é claustrofóbico e as cenas chocantes funcionam que é uma maravilha, por isso o final apressado soa um tanto decepcionante. Nota 7

* 154 - O Agente da U.N.C.L.E. (The Man From U.N.C.L.E., 2015): baseado em um seriado dos anos 60, o novo filme do cineasta Guy Ritchie (Sherlock Holmes, Snatch) esbanja estilo e pirotecnia visual, marcas registradas do diretor. A ambientação sessentista é o principal atributo da produção, que conta com figurinos e locações lindíssimas, além de uma trilha sonora precisa, que em muito contribui para que o longa soe melhor do que é na verdade. O problema aqui é que o filme parece sofrer de bipolaridade crônica: enquanto busca um resgate aparentemente sério ao reviver o clima da Guerra Fria, seus personagens parecem saídos de uma comédia de costumes. É essa indecisão entre abraçar a comicidade (a dupla de protagonistas é muito azeitada e arranca facilmente risadas do público em várias sequências) ou o filme de espionagem clássico que sabota a produção, que conta com uma trama muito frágil, quase banal (a vilã do filme é praticamente escanteada pelo roteiro). No final das contas, é um filme que não chega a aborrecer, mas carece de cenas de ação para torná-lo algo do naipe dos melhores exemplares do gênero (o desfecho é especialmente anticlimático) e, por outro lado, não abraça a galhofa de seus personagens como deveria. Nota 4,5

155 - Trash: A Esperança Vem do Lixo (Trash, 2014): dirigido pelo inglês Stephen Daldry (Billy Elliot, As Horas, O Leitor), essa produção rodada no Rio de Janeiro é eficaz ao tornar a jornada de seus três protagonistas mirins uma aventura que realmente atrai a empatia da plateia. Porém, é inegável o viés estrangeiro ao filmar nossas paisagens e sociedade (a favela composta de palafitas onde moram os personagens principais parece mais saída de uma adaptação da Terra do Nunca de Peter Pan). Tudo parece saído de um manual para inglês ver sobre o Brasil, principalmente os mal-aproveitados personagens de Martin Sheen e Rooney Mara, ambos esforçados em cena. O lado bom é que tanto Wagner Moura (em uma rápida, porém marcante, participação) e Selton Mello acertam o tom como o herói e o vilão principais. Flui muito bem até o seu equivocado epílogo que, ao tentar estabelecer um paralelo entre a narrativa e os protestos de junho de 2013, acaba naufragando a sua mensagem. Sem contar que o desfecho é dos mais implausíveis. Nota 4,5

156 - Terremoto: A Falha de San Andreas (San Andreas, 2015): o subgênero dos "disaster movies" (ou "filmes-catástrofe") tem como um de seus mais importantes elementos a capacidade da produção em tornar a destruição vista na tela crível e/ou impactante. San Andreas e seus efeitos digitais ao menos cumprem com méritos esse requisito, promovendo o espetáculo visual esperado de um filme cujas cenas de ação são múltiplas e muito eficazes (com exceção do acidente de carro que abre o longa, uma sequência cuja artificialidade de seu CGI destoa do restante da produção). O problema aqui é que os filmes-catástrofe realmente memoráveis têm como principal gatilho narrativo os personagens humanos cujas vidas em perigo forçam naturalmente a empatia do público (vide Inferno Na Torre, O Destino do Poseidon, Titanic). E San Andreas derrapa vergonhosamente nesse quesito. É surpreendente que um roteirista experiente como Carlton Cuse (dos seriados Lost e Bates Motel) entregue um texto tão chulo, cujo conflito familiar parece saído da prancheta de um estudante de primeiro semestre de Cinema. A trama é previsível e irritante em seus lugares-comuns, ao passo que a classificação PG-13, além de eliminar qualquer cena violenta, literalmente apaga do filme quaisquer consequências chocantes da tragédia vista na tela (os figurantes mortos no desastre nunca deixam de ser o amontoado de pixels feito em computador reservado a eles pelo roteiro, o que tira do longa qualquer senso de perigo ou ameaça reais). Desastre mesmo são esses equívocos. Nota 4

157 - Noite do Terror (Black Christmas, 1974): inventivo slasher movie da primeira metade da década de 70, quando o gênero ainda engatinhava nas telas. É esse ineditismo que permeava as produções de assassinos seriais naquela época que contribui para que o diretor Bob Clark (Uma História de Natal, Porky´s) não fique atrelado aos cacoetes que posteriormente se tornaram obrigatórios aos longas que o seguiram. Mescla comédia e suspense em doses bem azeitadas e possui um elenco de figurinhas carimbadas dos 70´s e 80`s: Margot Kidder (Superman - O Filme), Olivia Hussey (Romeu e Julieta), Keir Dullea (2001: Uma Odisséia No Espaço), John Saxon (A Hora do Pesadelo), Art Hindle (Os Invasores de Corpos) e por aí vai. Bem bom. Nota 7

158 - Olho Nu (2014): documentário biográfico sobre Ney Matogrosso que ousa desvencilhar-se das armadilhas da hagiografia de celebridades e opta por uma narrativa poética cujo produto final parece saído mais de um ensaio cinematográfico e nunca lembra o burocrático caminho dos registros que investem em cabeças falantes. Ao mesmo tempo revelador e instigante, não esgota a persona do biografado e consegue prender a atenção por sua atmosfera de sonho. Um belo trabalho de Joel Pizzini. Nota 8

159 - Os Selvagens (Wilderness, 2006): suspense de sobrevivência que tem clima adequado, mas um roteiro que nunca decola, apelando para clichês batidos e personagens nem um pouco simpáticos, extraindo do filme qualquer empatia, o que seria imprescindivel para resultado final satisfatório. O gore de seus efeitos práticos até é adequado, mas sem personagens para quem se torcer, a produção caminha enfadonhamente até o seu desfecho sem deixar quaisquer marcas relevantes na memória do público. Nota 3,5

160 - A Espiã Que Sabia de Menos (Spy, 2015): o diretor Paul Feig comprova com essa ótima homenagem (e não paródia, como equivocadamente foi anunciada) ao gênero dos filmes de espionagem que é um dos cineastas criados por Hollywood que melhor sabe construir personagens femininas fortes e que se distanciam da visão estereotipada que o cinema americano ainda insiste ao retratar as mulheres na telona. A sua protagonista interpretada por uma ótima Melissa McCarthy (também presente nos dois filmes anteriores do diretor, Missão Madrinha de Casamento e As Bem-Armadas) é a antítese do registro machista reservado às mulheres pelo cinemão americano: a quarentona gordinha revela-se, no desenrolar da trama, uma agente secreta realmente habilidosa e versátil, muito além da caricatura com que os demais personagens a vêem no início do filme. É um longa que arranca facilmente gargalhadas em muitos momentos sem apelar para a escatologia ou o nonsense completo. Rose Byrne, Jude Law e Jason Statham formam uma trinca de coadjuvantes irrepreensível, cada um tirando sarro dos personagens estereotipados criados pelos filmes de espionagem, mas sempre preservando o respeito pelo gênero. Uma das melhores comédias de 2015. Nota 8

* 161 - Love (Love, 2015, em 3D): fadado a ser equivocadamente lembrado como "o filme com cenas de sexo explícito em 3D", o novo longa do irrequieto diretor argentino Gaspar Noé (Irreversível) busca retratar a paixão de dentro para fora, o que é em certo momento levado ao pé da letra quando Noé filma uma relação sexual sob o ponto de vista de uma vagina. Estruturado como um fluxo de pensamentos do personagem principal, remoendo passagens de uma relação amorosa mal-resolvida, Love é paradigmático em sua inegável vocação em chocar a plateia mais suscetível e puritana (as cenas de sexo são abundantes e sem qualquer firula), mesmo que sua estrutura narrativa seja até acadêmica e flua sem grandes dificuldades mesmo sob o viés do público médio. Não possui uma história original (e há uma pretensão incômoda na profusão de referências cênicas e na disposição do diretor em colocar-se dentro da trama, que cita seu nome e mesmo o utiliza como ator coadjuvante), mas consegue criar sequências e diálogos que encantam pela veracidade e similaridade que possuem em relação a experiências que todos já vivemos. A fotografia e trilha sonora são impecáveis e contribuem (e muito) para o resultado final, ao passo que o 3D é pobre e desnecessário (o longa parece ter sido rodado no formato somente para a famigerada cena em que uma ejaculação é lançada em direção à plateia). Espécie de romance às avessas, que disseca o amor justamente a partir de sua derrocada (o que o aproxima muito em certos momentos do superior O Último Tango Em Paris), Love não é o melhor filme do cineasta, mas é um atestado de que Noé é um diretor a ser acompanhado com atenção. Nota 8 

162 - A Noite do Chupacabras (2011): contrariamente ao seu longa posterior (o divertido Mar Negro), aqui o diretor Rodrigo Aragão aposta em um viés sério ao desenvolver o seu filme, o que escancara da pior forma possível o paupérrimo orçamento e a ruindade do roteiro e do elenco, que mais parecem saídos de uma produção caseira filmada entre amigos do que de um projeto profissional. Com pouco humor, a história fraca se arrasta numa narrativa absurda e tremendamente chata, irritando o espectador com interpretações equivocadas e um monstro que simplesmente nunca funciona em cena. Um porre cuja ressaca é das piores possíveis. Nota 1

163 - A Hora Negra (La Hora Fría, 2006): ficção científica espanhola que intriga e, na medida em que é desenvolvida, vai afastando a sensação inicial de que o filme não vai conseguir explicar suficientemente seus mistérios (não o faz plenamente, mas compensa com um desfecho inesperado e adequado). Surpreende pela originalidade, tem bom clima e prende a atenção. Nota 7

164 - Z For Zachariah (Z For Zacharia, 2015): ótimo drama que, com sua roupagem pós-apocalíptica e referências religiosas bem sacadas, consegue extrair dos únicos três atores em cena (Chiwetel Ejiofor, Margot Robbie e Chris Pine) interpretações humanas e muito eficazes. Com uma narrativa lenta que investe tempo precioso na construção de seus personagens, é uma produção que encanta pelo realismo com que retrata a humanidade quando exposta a condições de extrema adversidade (e o paralelo que cria com o mito do pecado original é muito bem-vindo). Um ótimo trabalho do diretor Craig Zobel (do excelente Obediência). Nota 8

165 - Altar (Altar, 2014): nome que era figurinha fácil nos anos 80, Matthew Modine (Nascido Para Matar) deu uma desaparecida de uma hora para outra. Seria uma alegria revê-lo em um filme decente agora, o que não é o caso aqui. Pior: o ator demonstra uma propensão pelo overacting realmente incômoda que de certa forma justifica o seu anonimato atual. No mais, é um terrorzinho bem mequetrefe, daqueles que economizam sustos e não entregam um epílogo satisfatório. Parece que o diretor se perde em referências a O Iluminado e acha realmente que isso vai ajudá-lo no produto final. Spoiler: não ajuda em nada. Nota 4

166 - A Incrível História de Adaline (The Age Of Adaline, 2015): é bem fofo esse misto de drama e romance com um roteiro e uma pegada que lembram muito O Curioso Caso de Benjamin Button. A protagonista Blake Lively (Lanterna Verde, Selvagens) está muito bem no papel da mulher que parou de envelhecer, mas é Harrison Ford, em um papel coadjuvante, quem realmente rouba a cena com uma interpretação que foge do comodismo habitual do ator. Como muita gente já comentou, o seu patriarca forma um casal com muito mais química com Lively do que o galã da vez, o mal aproveitado Michiel Huisman, dos seriados Treme e Game Of Thrones. Muito bonitinho e, como tal, flui que é uma beleza. Nota 7 

167 - Dezesseis Luas (Beautiful Creatures, 2013): parece às vezes que essa adaptação de uma série de livros adolescentes tem algo a dizer que ultrapassa as amarras morais dentro do subgênero em que está inserida, principalmente ao dar corpo a uma bem vinda crítica ao fanatismo religioso travestido de cristianismo. O elenco é ótimo, começando pelo promissor casal central (Alice Englert e Alden Ehrenreich fogem dos estereótipos que as ficções teen nos forçam goela abaixo), bem escudado por uma bem combinada escalação dos coadjuvantes (Jeremy Irons, Viola Davis, Emma Thompson, Emmy Rossum, todos estão muito bem em cena). O problema é que, como estopim de franquia, o longa nunca atinge o auge que deveria para criar uma expectativa de continuidade para a história, além de investir tempo demais em um romance daqueles mais previsíveis. Para piorar um pouco, o filme apela em seu clímax para situações que surpreendentemente não geram consequências dentro da trama, resultando em um produto mal explicado e que, a julgar pelo fracasso comercial, cujas perguntas nunca encontrarão respostas no cinema. Nota 4,5

* 168 - Que Horas Ela Volta? (2015): junto com Trabalhar Cansa (2011) e O Som Ao Redor (2012), forma uma trilogia irrepreensível sobre a moderna classe média alta brasileira, mas Que Horas Ela Volta? consegue ir ainda mais longe em sua capacidade de comunicação também com a parcela do público que critica (e as risadas rasgadas ouvidas em uma sessão do filme em qualquer multiplex revelam a mais completa ignorância de seu alvo em relação ao que está de fato sendo mostrado na tela, o que por si só já dá margem a um estudo social a parte). É essa versatilidade narrativa que atrai tanto a platéia afeita a produtos com substância intelectual (o que o filme tem de sobra) quanto o público médio, que se diverte com as tiradas inspiradas do roteiro, que faz da produção um dos melhores exemplares da cinematografia brazuca recente. Um filme com uma pegada feminina precisa que comprova a excelência de Anna Muylaert (Durval Discos, É Proibido Fumar) como narradora de histórias, mas também revela um elenco coadjuvante excelente: Camila Márdila e Karine Teles estão impecáveis, ao passo que o autor/quadrinista/ator Lourenço Mutarelli compõe um personagem que navega de forma precisa entre a apatia e o quase autismo de seu patriarca. Sem falar que Regina Casé, após anos nos fazendo esquecer de seu talento dramático em programas como o Esquenta, da  Globo, entrega uma performance plenamente laureável como a protagonista Val, ressuscitando uma carreira que já mostrara a que veio nos tempos da TV Pirata e de Eu, Tu, Eles (a versatilidade com que combina drama e comédia às vezes na mesma cena é algo espantoso). Que Horas Ela Volta? não só agrada àqueles que buscam uma boa comédia (muitas passagens guardam um timing cômico irresistível), como entrega um estudo crítico que escancara toda a disparidade social ainda existente no Brasil, muitas vezes evidenciada em microcosmos improváveis como a casa de uma família tida como liberal. As sequências cômicas presentes em Que Horas Ela Volta? guardam em si um gosto amargo na boca de quem realmente compreende o que o filme tem a dizer. Porque é um espelho e somos nós mesmos refletidos naquela imagem disforme. Um filme essencial. Meeeeesmo. Nota 9 

169 - + 1 (+1, 2013): projeto independente que, já a partir do título, tenta imprimir estranheza e deslocamento dentro de uma história até certo ponto original que mexe com paradoxos temporais, clones e diversos elementos clássicos do gênero sci fi. Apesar do início promissor, que atiça a imaginação do espectador, parece não saber direito o que fazer com o próprio conceito, transformando o roteiro em um imbroglio tedioso que simplesmente não vai a lugar algum. Nota 2,5

170 - O Mercado de Notícias (2014): interessantíssimo híbrido de documentário e adaptação teatral que confirma a inventividade com que o cineasta Jorge Furtado busca formas originais de transmitir as suas ideias, concorde-se ou não com elas. Aqui, se por um lado Furtado centra o seu olhar sobre o jornalismo com um saudosismo adequado, por outro o faz com uma visão crítica que, apesar de esperada, parece não ser tão incisiva quanto a peça que reencena entre os depoimentos dos entrevistados (de fato, "The Staple Of News, de Ben Jonson, publicada em 1631, parece tão atual quanto mais ferina em seus comentários sobre a classe jornalística). Mesmo assim, é uma produção que encanta por seu hibridismo formal e por resultar memorável em diversos momentos (o trecho sobre o Picasso falso do INSS e a cobertura equivocada dada pela mídia brasileira ao caso é dessas sequências que nasceram para virar matéria acadêmica obrigatória nas universidades). Nota 8

171 - Tangerinas (Mandariinid, 2013): indicado ao Oscar 2015 de Melhor Filme Estrangeiro representando a Estônia, é um dos mais lindos libelos contra a guerra dos últimos anos. Filmado com muita classe pelo georgiano Zaza Urushadze (guarde esse nome!), é dessas pequenas odisseias que utiliza um microcosmo conciso para entregar uma mensagem universal. Fotografado lindamente e com uma trilha sonora irrepreensível, Tangerinas ainda tem no seu enxuto elenco um de seus maiores acertos (o protagonista interpretado pelo estoniano Lembit Ulfsak poderia muito bem ter sido indicado ao Oscar, o mesmo valendo para a excelente trinca de coadjuvantes). Antibelicista sem soar discursivo e alternando momentos de ternura, bom humor e violência, é um filme que deixa um gosto ao mesmo tempo cítrico e doce ao final da projeção. Exatamente como o das tangerinas que desencadeiam sua trama. Imperdível. Nota 9

172 - Uma Noite Mais Que Louca (Take Me Home Tonight, 2011): comédia ambientada na década de 80 que, se não fosse justamente o balaio de referências oitentistas, não teria qualquer razão para existir. O diretor Michael Dowse (do muito superior Os Brutamontes) usa e abusa das citações a fenômenos pop da época e é sempre divertido retornar a um período em que não existiam telefones celulares, mp3 e Netflix. Entretanto, nada no filme é engraçado o suficiente para justificar a trama bobinha e derivativa de títulos muito melhores realizados três décadas atrás. Nota 4

173 - Burying The Ex (Burying The Ex, 2014): é difícil de acreditar que o mesmo Joe Dante que deu ao mundo Piranha, Grito de Horror, os dois Gremlins, Viagem Ao Mundo dos Sonhos e Viagem Insólita esteja hoje relevado a diretor de aluguel de projetos de baixo orçamento como é o caso dessa comediazinha de humor negro que, se por um lado tem um elenco interessante (Ashley Greene é um achado e tanto e é responsável pelas cenas mais engraçadas do filme), por outro não dá espaço para que Dante consiga brilhar como deveria. Mesmo as marcas registradas impressas pelo cineasta aqui e ali (as referências aos clássicos do horror, a ponta de Dick Miller, habitué de todos os seus filmes) soam datadas e completamente fora de sintonia com o roteiro. Diverte ocasionalmente, mas só. Nota 4,5

174 - Poltergeist: O Fenômeno (Poltergeist, 2015): não havia motivo bom o suficiente que justificasse a produção de um remake do clássico de Tobe Hooper e Steven Spielberg de 1982, mas o nome de Gil Kenan na direção até dava alguma esperança no projeto, pois o cara demonstrou seu amor pela década de 80 e pelos clássicos da Sessão da Tarde em A Casa Monstro e Cidade das Sombras. Infelizmente, tudo o que dá certo nessa refilmagem é reminiscente da obra original. Não que seja um filme ruim, pois Kenan até imprime ao longa um ritmo adequado e por vezes bem divertido. Porém, a mera repetição de ideias já executadas à perfeição no longa que lhe serve de base transforma o filme em uma pálida cópia carbono cuja existência é, por si só, desnecessária. Nota 4,5

175 - Go Goa Gone (Go Goa Gone, 2013): o fato mais curioso que se pode atribuir ao longa é a clara intenção de seus realizadores de se distanciarem do formato estabelecido por Bollywood, produzindo o primeiro filme de zumbis da indústria cinematográfica da Índia com forte influência dos filmes norteamericanos. Essa mistura entre dois modos diametralmente opostos de se fazer cinema, porém, nunca dá a liga esperada. O humor e as piadas soam demasiadamente infantilizados (às vezes, dá a impressão que se está assistindo a um episódio do Chaves) e quase sempre fora do tom absurdo pretendido para a história. As cenas de ação são constrangedoras de tão ruins. Nota 2

176 - Tomorrowland: Um Lugar Onde Nada É Impossível (Tomorrowland, 2015): é muito injusto que um filme como Tomorrowland tenha fracassado de forma retumbante nas bilheterias mundiais. A nova incursão na direção de Brad Bird (O Gigante de Ferro, Os Incríveis, Ratatouille e Missão Impossível: Protocolo Fantasma) comprova o imenso talento do cineasta em criar aventuras à moda antiga, que utilizam a tecnologia em favor da trama e não vice-versa, o que é cada vez mais frequente em Hollywood. E é um filme que celebra o espírito humano em sua capacidade de romper fronteiras através do pensamento, o que por si só já é uma mensagem superior àquela transmitida incessantemente pela esmagadora maioria das produções voltadas para o entretenimento de massa. Alto astral e sem qualquer resquício de cinismo, Tomorrowland é um longa deslocado de seu tempo. Pelo menos a fé que o roteiro deposita na humanidade me dá alguma esperança de que, talvez no futuro, ganhe a apreciação que merece. Nota 8

177 - O Exterminador do Futuro: Gênesis (Terminator Genisys, 2015): resultado da ganância dos executivos de Hollywood, que não descansam até que caia em seus bolsos a última moedinha de centavos de dólares que possa gerar alguma franquia cinematográfica, o novo Exterminador do Futuro tenta a todo custo recondicionar um motor há muito fundido. O resultado, como já era de se esperar, é um longa que atira para tudo quanto é lado em uma tentativa desesperada de reviver uma trama que já se esgotara à perfeição nos dois primeiros filmes. A nova linha de tempo estabelecida no novo filme soa confusa e aborrecida, assim como as cenas de ação acadêmicas e sem qualquer inspiração (os efeitos digitais, por vezes, resultam vergonhosos para uma superprodução americana). Para piorar, Emilia Clarke e Jai Courtney estão pavorosos na pele de Sarah Connor e Kyle Reese (dá vontade de suspirar de saudades de Linda Hamilton e Michael Biehn a cada aparição da dupla). A melhor coisa da produção, disparado, é o retorno de Schwarzenegger à série: toda a vez que o Governator aparece em cena, transbordando carisma e totalmente à vontade na pele do personagem que lhe deu fama, o filme cresce um tantinho e quase consegue engrenar a terceira marcha. Nota 4,5

178 - Riocorrente (2013): estréia na direção de longas de ficção do crítico de cinema Paulo Sacramento (ele havia rodado anteriormente o excelente documentário O Prisioneiro da Grade de Ferro), Riocorrente, assim como seu título sugere, é narrado como o curso natural de água que flui em direção ao mar. Formado a partir de recortes extraídos da vida de quatro personagens principais cujas trajetórias jamais são explicitadas de forma didática, o longa se aproxima muito dos video-ensaios produzidos por artistas plásticos. Há uma profusão às vezes pretensiosa em demasia de povoar o longa com simbolismos e alegorias visuais que buscam condensar nas imagens o que o roteiro deixa de explicitar. De fato, esse registro de Sacramento sobre a vida em uma grande metrópole (no caso, São Paulo) carece de um roteiro melhor desenvolvido e que não soe tão episódico e fragilmente alinhavado. Por outro lado, as suas metáforas visuais, na maior parte do tempo, são poéticas e suficientemente eloquentes, o que acaba por revelar as reais intenções de seu realizador. Nota 7 

179 - Cooties: A Epidemia (Cooties, 2014): divertida comédia de terror que parte de uma premissa bacana (professores são emboscados em uma escola primária quando os alunos viram zumbis) e conta com um ótimo elenco (Elijah Wood, Rainn Wilson, Alison Pill, Jorge Garcia, todos muito bem em cena). O roteiro de Leigh Wannell (Jogos Mortais, Sobrenatural) não consegue desenvolver suficientemente a trama em todo o seu potencial (o final parece mais saído de um piloto de seriado do que de um longa-metragem), mas o humor politicamente incorreto e as boas atuações tornam agradável a experiência. Nota 6,5

180 - Dossiê Jango (2013): dirigido pelo também crítico de cinema Paulo Henrique Fontenelle (Loki - Arnaldo Baptista, Cássia Eller), é um documentário essencial que funciona tanto como registro de época como documento investigativo que instiga o espectador sem tratá-lo como idiota. Pelo contrário, Dossiê Jango dá homeopaticamente todas as informações e versões necessárias para que o público consiga formar uma opinião própria sobre os fatos narrados. Alternando imagens de arquivo e depoimentos surpreendentes de pessoas próximas do ex-presidente João Goulart, o filme é menos uma teoria da conspiração sobre sua morte do que um irrepreensível resgate do momento político nefasto pelo qual atravessava a América do Sul nos anos 60 e 70, inclusive escancarando a participação dos EUA na manutenção das ditaduras latinas no período. Um filme tão importante deveria ser visto por um público muito maior. Nota 9

181 - Morgue Story: Sangue, Baiacu e Quadrinhos (2009): adaptação de uma peça teatral que fez sucesso no circuito paranaense, dirigida e roteirizada pelo seu próprio autor, Paulo Biscaia Filho, e contando no elenco com os mesmos atores que defenderam os personagens nos palcos, é uma bem sacada homenagem à cultura pop moderna, mesclando toda a sorte de referências que fazem a alegria da juventude contemporânea (de George Romero a Tarantino, de quadrinhos a músicas dos anos 70/80). É um exercício de gênero bem interessante, com um elenco coeso e com absoluto domínio de seus personagens (Leandro Daniel Colombo rouba a cena e merece ganhar mais oportunidades urgentemente). Por vezes, Biscaia não consegue extrair da narrativa a carga teatral que carrega em si, resultando em sequências cuja entonação dos diálogos provoca uma incômoda sensação de artificialidade ao filme. No geral, uma boa (e inesperada) diversão. Nota 7,5

* 182 - Evereste (Everest, 2015, em IMAX 3D): correto filme-catástrofe que reencena de forma hábil o desastre ocorrido no Monte Evereste em 1996. As sequências ambientadas durante a escalada da montanha são impressionantes e o 3D é utilizado de forma inteligente e impactante. Além do mais, o elenco estelar (Jason Clarke, Josh Brolin, Jake Gyllenhaal, Keira Knightley, Emily Watson, Robin Wright, Sam Worthington, John Hawkes) é bem explorado, o que conquista de forma instantânea a empatia do público. As cenas de ação são muito bem conduzidas, alternando a grandiloquência das imagens com a absoluta tensão contida no terço final da projeção. O roteiro evita cair nos clichês batidos do gênero, como por exemplo tornar um personagem o antagonista atribuindo-lhe artificialmente características negativas. Evereste é muito mais uma aventura sobre a luta pela sobrevivência do que um enlatado com mocinhos e bandidos enquadrados de forma mecânica. Escorrega no sentimentalismo em seu epílogo, mas é um pecado até perdoável. Um bom exemplar do subgênero dos disaster movies. Nota 7,5

183 - Crimes Ocultos (Child 44, 2015): começa promissora essa adaptação do romance de Tom Rob Smith, com uma excelente ambientação de época na União Soviética stalinista e um clima de paranoia que cai como uma luva no cenário ditatorial vivido naqueles tempos. É de certa forma surpreendente que Tom Hardy se saia  tão bem como o protagonista, conseguindo driblar o viés caricatural que poderia sair de uma interpretação que lança mão do sotaque russo carregado em um filme totalmente falado em inglês. A sua dupla com Noomi Rapace, reprisando a mesma dobradinha vista em A Entrega, de 2014, possui química adequada e, se o filme centrasse toda a sua força na trama urdida entre o casal e o jogo de aparências em que cada indivíduo é obrigado a esconder segredos do regime político opressor, o resultado seria muito melhor. O problema é que Crimes Ocultos guarda em seu roteiro também outro filme totalmente diferente, um suspense policial de caça a um serial killer que, além de não acrescentar nada de novo ao gênero, ainda tem um desfecho apressado, inverossímel e totalmente anticlimático, arrastando para fora da tela nesse meio tempo o personagem de Gary Oldman, totalmente desperdiçado. Uma pena. Nota 4,5

184 - Alemão (Alemão, 2014): se fosse uma produção americana e seu elenco entregasse as falas em inglês fluente, é capaz de Alemão ter resultado em um sucesso de público que a crítica muito provavelmente saudaria como um exemplar digno do gênero policial. Como trata-se de uma produção brasileira, a sua recepção foi um tanto morna e sua carreira nos cinemas não chegou a render tanto dinheiro quanto as nefastas comédias da Globo Filmes. O cinema de gênero feito no País ainda enfrenta certo preconceito por parte do grande público, uma espécie de viralatismo que absorve todo e qualquer enlatado vindo de fora, mas não dá chances ao que é produzido aqui. Alemão é um policial clássico que ganha força por causa de um elenco sem pontas frágeis e cuja história prende a atenção do espectador desde os primeiros e eletrizantes minutos. O tom claustrofóbico impresso ao longa também amplifica a tensão e a sensação de impotência dos protagonistas. A única derrapada mais grave é a inclusão da subtrama tola e previsível protagonizada por Antonio Fagundes e outro personagem. No mais, um bom policial com sotaque tipicamente brasileiro. Nota 7

** 185 - Sobrenatural: Capítulo 2 (Insidious: Chapter 2, 2013): já tinha varrido totalmente o filme da minha cabeça, apesar de fazer pouco tempo em que o vira (menos de dois anos). Ainda assim, a sua revisão consegue piorar ainda mais um filmeco que, se da primeira vez soara meia-boca, agora me pareceu terrível. Sem meter medo e com um roteiro pavoroso, que abusa da burrice de suas situações, é uma bola fora surpreendente para um diretor que, no mesmo ano, lançara também o ótimo Invocação do Mal. Nota 2,5

186 - Sobrenatural: A Origem (Insidious: Chapter 3, 2015): Leigh Wannell, roteirista dos dois primeiros filmes da franquia, assume aqui a direção da terceira parte após a saída do diretor James Wan, que foi fazer dinheiro com Velozes E Furiosos 7. A verdade é que Wannell até que se sai bem, conseguindo ao menos dar alguns sustos eficazes ao longo da metragem, o que o longa anterior ficara devendo. Sem ter uma ideia de como continuar a história da família protagonista dos longas anteriores, essa terceira parte lança mão do artifício das prequels, se esforçando para buscar no passado de uma das coadjuvantes dos outros filmes (a vidente interpretada por Lin Shaye, que morrera no final da produção original) elementos que, de alguma forma, apresentem conexão com os fatos vistos nos demais exemplares da franquia. A estratégia, como já era de se esperar, não dá lá muito certo. Fora um ou outro momento em que consegue estabelecer o clima de terror, o longa tem pouco a oferecer. O roteiro tenta ampliar ainda mais o conceito de além-vida que já se esgotara no primeiro filme, escancarando a fragilidade do argumento e apelando até mesmo para o batido clichê do fantasma do ente querido que volta para proteger os vivos. Sem falar nos coadjuvantes engraçadinhos interpretados pelo diretor Whannel e Angus Sampson que, se pareciam simpáticos no Sobrenatural original, ao ganharem mais espaço na tela soam absolutamente sem graça e mais irritam do que entretêm. Nota 4,5 

187 - Terror Nos Bastidores (The Final Girls, 2015): boa comédia que usa de metalinguagem para prestar uma sincera homenagem aos slasher movies dos anos 80, principalmente à franquia Sexta-Feira 13. Tem um roteiro com um conceito bacana, uma espécie de A Rosa Púrpura do Cairo às avessas, e um ótimo elenco que parece se divertir muito ao parodiar os tipos estereotipados dos filmes de terror adolescente. A piada começa a soar repetitiva já pela metade do filme, mas mesmo assim é um longa que diverte o suficiente para não abusar da paciência. Nota 6,5

188 - Turma 94 - O Grande Encontro (The D Train, 2015): o que começa como uma comédia despretensiosa e que parece conduzir para aqueles simpáticos, mas esquecíveis, filmes sobre reuniões de ex-colegas do Ensino Médio (o que combinaria com a persona escrachada do protagonista Jack Black), de repente, sem aviso algum, toma um súbito desvio causado por uma reviravolta que força os limites de gênero, dando um tom sombrio e dark à produção. Ao introduzir essa mudança de caminho que envolve sexualidade e transtornos psiquiátricos, a dupla de diretores Andrew Mogel e Jarrad Paul (roteiristas da comédia Sim, Senhor, com Jim Carrey) desafia corajosamente as convenções do cinemão americano, o que, por si só, já é muito bem vindo. E, por incrível que pareça, ainda conseguem dar a uma produção que flerta com temas espinhosos e aborda facetas perturbadoras da personalidade de seu personagem principal um desfecho bem alto astral. Um filme estranho, mas no mínimo interessante em sua proposta de dispensar rótulos. Nota 7

* 189 - Perdido Em Marte (The Martian, 2015, em 3D): que coisa boa presenciar o reencontro de um grande diretor com o sucesso que há anos lhe escapava pelas mãos. Ridley Scott volta ao gênero da ficção científica com um blockbuster irretocável, um filme tão divertido que, no acender das luzes do cinema, a vontade é de começar tudo de novo. Ópera espacial que ganha um surpreendente bom-humor nas mãos de Scott e de seu protagonista Matt Damon, Perdido Em Marte, longe de ser o "Náufrago no Espaço" que prometia, é uma produção que abraça como muito poucas antes o conceito de entretenimento. Tudo é luminoso no filme, da personalidade cativante e positiva de seu personagem principal até as reações de seus conterrâneos ao moverem mundos e fundos para o seu resgate. Uma verdadeira ode à Ciência e ao humanismo, o roteiro é uma aula magna de como construir uma trama com inteligência e sem nunca cair nos clichês rasteiros ou no sentimentalismo barato. Com um elenco espetacular, Perdido Em Marte é um longa cuja fruição é um deleite para todos os sentidos (o uso esperto da trilha sonora setentista é um de seus muitos achados, assim como a fotografia deslumbrante), bem como um caso raro de superprodução que preza a inteligência de seus personagens e nunca escorrega para o misticismo popularesco. Para resgatar um pouco de esperança na humanidade (e, vá lá, em Hollywood também). Nota 9

190 - Palavrões (Bad Words, 2013): estreia do protagonista Jason Bateman como diretor de longas, é uma comédia que abusa de sua incorreção política para fazer rir. Há boas sacadas e Bateman prova ter aprendido o ofício com competência. Pena que seu personagem principal seja um sujeito tão antipático que fica difícil acompanhá-lo. Pena 6

* 191 - A Travessia (The Walk, 2015, em IMAX 3D): a tecnologia de projeção IMAX melhora qualquer filme, mesmo os mais horrorosos, pois a imersão sensorial que proporciona ao público é impossível de ser reproduzida em qualquer outro meio de exibição. Por outro lado, são raros os exemplos de filmes que realmente NECESSITAM ser assistidos nas telas da rede e que não podem ser apreciados em outras plataformas. A Travessia é o filme que deveria justificar a própria existência do IMAX, pois assisti-lo em qualquer outro local o transforma em uma produção totalmente diferente (a produção foi rodada com câmeras especiais e totalmente pensada para o formato). Dirigido pelo sempre ótimo Robert Zemeckis, o filme é a adaptação para as telas do feito conseguido pelo francês Phillipe Petit (um Joseph Gordon-Levitt bem esforçado) em 1974, pouco tempo antes da inauguração das duas torres do World Trade Center, o que já havia sido abordado pelo excelente documentário O Equilibrista, ganhador do Oscar da categoria em 2009. Zemeckis imprime ao longa um ritmo muito agradável, principalmente durante as primeiras sequências ambientadas em Paris e, se a narração em off do protagonista soa dispensável e anticlimática, há uma deliberada desaceleração na metade do filme que se justifica plenamente durante os sensacionais 40 minutos finais de projeção, quando o plano de Petit e seus cúmplices finalmente é posto em prática. Desde a infiltração do protagonista nos prédios, a sensação de tensão vira uma constante, algo muito bem explorado pelo diretor. E, quando a travessia que dá título ao filme é iniciada, é impossível conter o suor nas mãos ou mesmo desviar os olhos da tela, por mais que seja esta a nossa vontade em alguns instantes. Desfrutar dessa sequência final em IMAX, como o filme foi idealizado, é uma das grandes experiências cinematográficas dos últimos anos. Por alguns momentos, a imersão é tanta que mesmo quem não sofre de vertigem é capaz de ter vontade de sair correndo da sala de cinema. No mais, um belo libelo ao espírito humano e cuja história ganhou, por força dos atentados de 2001, todo um novo simbolismo. Nota 8

* 192 - A Colina Escarlate (Crimson Peak, 2015): homenagem explícita do cineasta mexicano (e nerd de carteirinha) Guillermo Del Toro aos romances góticos que leu durante a adolescência, em especial O Morro dos Ventos Uivantes e Jane Eyre, das irmãs Brontë, A Colina Escarlate é um filme visualmente deslumbrante. Será um crime se não for indicado a muitos prêmios, principalmente por seu design de produção de cair o queixo, que construiu de verdade o sensacional castelo que serve de locação para a maior parte da trama. E que castelo! Totalmente estilizada, a construção mimetiza a personalidade dos personagem que a habitam e é de longe o personagem mais interessante do filme. Completando o espetáculo visual, a fotografia e os figurinos são embasbacantes. Já a trama é desnecessariamente previsível e seu rumo é facilmente telegrafado com cinco minutos de projeção, o que é uma pena. Já a adição de elementos fantásticos (no caso, fantasmas), algo que Del Toro havia feito com maestria em A Espinha do Diabo e O Labirinto do Fauno, aqui se apresenta desnecessária e incomodamente anticlimática (não há sustos eficazes e os momentos de tensão e suspense que realmente funcionam são aqueles em que as almas penadas não estão na tela). Já o elenco está bem, mas quem se destaca mesmo são as protagonistas Mia Wasikowska e, principalmente, Jessica Chastain, que consegue extrair de sua gélida vilã todo o potencial que a personagem tinha no papel. Nota 6,5        

193 - Chappie (Chappie, 2015): primeira grande derrapada do diretor Neill Blomkamp, de Distrito 9 e Elysium, é uma ficção científica que não se decide pelo futuro violento reminiscente de Robocop ou da aventura familiar de Curto Circuito. Essa indecisão em fazer um filme para adultos ou uma fábula juvenil transforma o longa em uma colcha de retalhos de referências e temas já explorados em filmes muito melhor resolvidos. O elenco é bem interessante (Hugh Jackman, Sigourney Weaver, Dev Patel e Sharlto Copley como a voz do robô Chappie), mas a estética é toda repetida dos trabalhos anteriores de Blomkamp, o que soa cansativo. Já a dupla de rappers sul-africanos Ninja e Yo-Landi Visser, que interpretam os gângsteres que "adotam" o protagonista, são insuportáveis. Salvam-se os efeitos especiais e olhe lá. Nota 4,5

194 - Stretch (Stretch, 2014): comédia de ação que lembra um Depois de Horas (1985) da geração Tarantino. Completamente surtado, o filme é uma divertida jornada ao inferno que leva o protagonista (Patrick Wilson, ótimo) a passar por toda a sorte de roubadas e provações durante uma noitada por Los Angeles. Com um elenco coadjuvante bacana (Chris Pine está muito bem, assim como Ed Helms, Brooklyn Decker, David Hasselhoff e Ray Liotta) e um climão que remete a Amor À Queima Roupa, é uma produção que tem todo o potencial para virar cult movie daqui a alguns anos. Nota 7,5

* 195 - Ponte dos Espiões (Bridge Of Spies, 2015): toda a vez que Steven Spielberg se propõe a fazer um filme "menor", ou seja, uma produção que dispensa grandes orçamentos ou o exercício dentro de um gênero capaz de render bilheterias polpudas, é sinal de que há coisa boa por vir. Com Ponte dos Espiões não é diferente. Abraçando o subgênero dos filmes de espionagem realistas, no estilo de A Conversação e O Homem Que Sabia Demais, Spielberg monta um panorama surpreendentemente politizado da época da Guerra Fria. As elipses que utiliza no desenvolvimento da narrativa dizem muito sobre suas intenções, em especial a que contrapõe o julgamento do prisioneiro russo em solo americano (e a reação animalesca do público presente) e do prisioneiro americano em solo soviético, bem como a genial transição que inicia com um "all rise" em um tribunal e segue com a lavagem cerebral sofrida por crianças na escola primária, bombardeadas por uma propaganda política cuja única intenção era a promoção do medo na população. Com intenções tão nobres, Ponte dos Espiões navega em águas tranquilas em sua capacidade de entreter enquanto entrega uma mensagem antibelicista importante em uma época de extremismos como a que vivemos hoje. E ninguém melhor para personificar o ideal de retidão e moralidade apto a nos fazer acreditar nisso do que Tom Hanks, que parece saído de um filme de Frank Capra e consegue transmitir honestidade como poucos atores vivos. Quem rouba o filme para si, entretanto, é o britânico Mark Rylance, que, desde a impecável cena inicial, consegue estruturar o espião russo que interpreta através de silêncios, pequenas nuances de interpretação e de uma caracterização física impressionante. Com uma fotografia magnífica de Janusz Kaminski, parceiro habitual do diretor, e uma ambientação de época irrepreensível, Ponte dos Espiões ainda consegue criar tensão em seu terço final sem praticamente conter cenas de ação (por outro lado, é divertido ver aflorar o instinto de Spielberg como esteta do gênero quando ele torna a simples ejeção de um piloto de um jato em uma sequência complexa do ponto de vista técnico e que resulta espetacular). Mesmo que a trilha de Thomas Newman (WALL-E, 007 - Operação Skyfall) soe grandiloquente e melodramática demais em alguns momentos, é mais uma bola dentro de Spielberg. Nota 8

196 - A Capital dos Mortos (2008): em que pese a simpatia inegável em ver jovens cineastas experimentando no gênero terror no Brasil, esse filme de zumbis aqui é ruim prá lá da conta. Parece mais uma brincadeira feita entre amigos sem nenhuma noção dos princípios mais básicos de cinematografia (o que, a bem da verdade, deve ter sido o caso). Apesar dos efeitos práticos até não parecerem tão atrozes, o resto da produção segue um nível tão baixo que é difícil aguentar o longa até o final. O roteiro é derivativo e chato pra mais de metro e o elenco é uma das maiores junções de malas-sem-alça que já se viu na tela, em especial o personagem nerd, o maior Zé Ruela que eu já tive de suportar por uma hora e meia na minha vida. Nota 1

* 197 - Sicario: Terra de Ninguém (Sicario, 2015): excelente retrato da guerra americana contra as drogas, expõe de forma realista a linha tênue que separa o cumprimento do dever de policiamento do cometimento de crimes. Há uma sensação de tensão que permeia o longa desde a sua primeira cena (a sequência da passagem pela fronteira é um primor de execução nesse sentido) e não larga o espectador em momento algum até o seu desfecho, que, aliás, é de grudar os dedos na cadeira do cinema. Sicario se distancia dos filmes de gênero e guarda muito mais parentesco com longas como Syriana e Onde Os Fracos Não Têm Vez, mas ao mesmo tempo dá à Sétima Arte dois personagens casca-grossa memoráveis: Emily Blunt está muito badass como a protagonista, enquanto Benicio del Toro constrói um coadjuvante tão ameaçador e letal que poderia até mesmo protagonizar um filme só seu (ideia, aliás, que já circula por Hollywood). Um baita suspense policial que foge ao convencional e comprova que o diretor canadense Denis Villeneuve (Incêndios, O Homem Duplicado) é um dos grandes nomes do cinema atual. Não é agradável de se assistir, mas é importante demais o que representa. Nota 8,5

198 - Cypress Creek (Cypress Creek, 2014): até agora eu não consegui entender direito a intenção por trás desse filme. Não sei se seus defeitos foram cometidos deliberadamente ou por inépcia de seus realizadores. O negócio é um pastiche de filme de terror que, lá pelas tantas, adquire um tom surreal, com imagens aleatórias que parecem saídas de um pesadelo do David Lynch, tomando de assalto a tela. Há algumas cenas até interessantes no meio da massaroca toda, mas o ritmo é tão equivocado, as referências a Uma Noite Alucinante tão óbvias e a falta de profissionalismo tão evidente que aguentar os 90 minutos de metragem revela-se uma tortura da Yakuza. A edição de som mereceria prêmios, pois é certamente a pior da história do Cinema, assim como a montagem absurda, que parece ter sido feita de forma aleatória durante uma viagem de ácido. O longa às vezes parece querer homenagear o gênero de terror, enquanto em outros momentos se aproxima mais de uma videoinstalação de exposição de artes. Seja qual foi a intenção dos realizadores, é um dos piores filmes que eu já vi na vida. E isso é muito. Nota 0,5

* 199 - Homem Irracional (Irrational Man, 2015): mesmo quando faz filmes "menores", Woody Allen é sempre eficaz em sua profunda aptidão em tornar situações coloquiais em verdadeiros tratados filosófico-literários. Em Homem Irracional, o diretor toma partido das ensolaradas locações de Rhode Island para retomar a temática de crime e castigo já vista em muitos de seus longas anteriores. Allen repete aqui o mesmo discurso dostoievskiano de Crimes e Pecados, Match Point - Ponto Final e O Sonho de Cassandra, o que torna a produção um pouco mais reminiscente de seus trabalhos anteriores do que deveria, mas pelo menos as belas paisagens e a ótima trilha sonora dão à premissa batida o invólucro ideal para ser (re)apreciada. A narrativa em off dos dois personagens principais soa incômoda e desnecessária, mesmo porque os atores defendem suficientemente bem os seus personagens. Joachim Phoenix se sai muito bem como o protagonista, mas é Emma Stone que realmente brilha em cena. Um filme "menor" de Allen continua sendo melhor do que muito trabalho "maior" da maioria dos cineastas contemporâneos. Nota 7,5

*  200 - Grace de Mônaco (Grace Of Monaco, 2014): Nicole Kidman parecia, ao menos alguns anos atrás, a escolha perfeita para viver nas telas Grace Kelly, tamanha a semelhança (nem tanto física, mas mais de postura e estilo) que as duas atrizes guardavam entre si. O tempo passou e não foi exatamente carinhoso com Kidman. Apesar de aparentar menos idade do que tem na vida real, Nicole abusou prematuramente das intervenções estéticas, o que tornou seu rosto outrora perfeito em um personagem a parte nos últimos anos. O excesso de botox aplicado na face da atriz até foi amenizado no filme, mas é impressionante como as suas feições mudam literalmente de uma cena para outra, às vezes escancarando o tratamento estético, às vezes escondendo-o. O que amplifica essa sensação de estranhamento é a quantidade injustificável de closes no rosto da atriz que o diretor Olivier Dahan insiste em enquadrar a cada aparição da protagonista em cena. Aliás, a direção de Dahan repete aqui os mesmos maneirismos que empregara em Piaf: Um Hino Ao Amor (Piaf, de 2007). Só que, enquanto naquele filme os excessos estilísticos do cineasta caiam como uma luva para registrar a persona passional e expansiva da biografada, aqui se mostram totalmente divorciados de sua personagem-título, que se notabilizou justamente pela elegância e refinamento. Assim, toda a virtuosidade pretendida pela direção resulta melodramática, novelesca e, o pior de tudo, brega até dizer chega, justamente o oposto do tom adequado a uma cinebiografia de Grace Kelly (os momentos em que o filme subitamente parece querer adotar o clima de um suspense de espionagem lá pelas tantas, o que dura no máximo 5 minutos, são constrangedores, assim como os diálogos vergonhosos travados entre Grace e o padre interpretado por Frank Langella). A fotografia pelo menos é belíssima, utilizando muito bem os cenários paradisíacos de Mônaco, ao passo que os figurinos e a direção de arte retratam muito bem o glamour da época. O principal problema, porém, é que Kidman, geralmente uma atriz muito eficiente, parece surpreendentemente insegura no papel central (justamente o oposto de Tim Roth, que oferece uma interpretação discreta, mas muito eficiente, como o príncipe Rainier), o que automaticamente complica o desenvolvimento de um filme que nunca parece decidir qual história deseja contar e que, no final das contas, não desvenda a personagem nem explica adequadamente a sua trajetória além do que uma mera pesquisa no Google elucidaria. Nota 4

201 - Going Clear: Scientology And The Prison Of Belief (Going Clear: Scientology And The Prison Of Belief, 2015): dirigido pelo oscarizado Alex Gibney (Um Táxi Para A Escuridão), é um documentário que ousa escancarar os bastidores da Cientologia e demonstrar que, por trás de uma fachada íntegra, esconde-se uma religião que prega em seu âmago o mercantilismo selvagem, nem que para isso sejam praticados atos de corrupção, lavagem cerebral e mesmo violência física e mental contra seus seguidores (os depoimentos de ex-fiéis, dentre eles o cineasta Paul Haggis, são aterrorizantes). Envolvente em sua impecável estrutura investigativa e ousado ao apontar as idiossincrasias da religião ao mesmo tempo em que se resguarda de declarações que pudessem fundamentar ações judiciais, Going Clear, se não tivesse entre seus alvos personalidades como Tom Cruise e John Travolta (ambos retratados como vítimas de uma ideologia que lhes foi imposta e da qual viraram reféns), poderia ter como tema central qualquer outra seita ou agremiação religiosa extremista, o que confere ao filme caráter universal e importância além de seu tema central. Nota 8

202 - Dude Bro Party Massacre III (Dude Bro Party Massacre III, 2015): homenagem aos slasher movies lançados em VHS na década de 80, é uma paródia sincera e afetuosa ao subgênero dos "filmes ruins de assassinos em série". A estética que imita a imagem distorcida dos VHS é sensacional e há momentos de genuína satisfação para os fãs de terror aqui e ali, mas, a partir de sua metade, parece que a piada envelhece mais do que deveria e seu humor passa da gargalhada para o sorriso de canto de boca. Nunca chega a ficar chato, mas a sua meia-hora final demora demais para passar. Como um média-metragem, seria muito mais eficaz. Nota 4,5

* 203 - 007 Contra Spectre (Spectre, 2015): para quem gosta da franquia 007, é muito difícil, praticamente impossível, entregar um exemplar insatisfatório, pois todos os filmes guardam em si elementos básicos que garantem, mais do que para qualquer outra série cinematográfica, um grau de excelência difícil de resultar em uma produção que soe desagradável para o seu público-alvo. Mesmo assim, há altos e baixos dentre as produções protagonizadas por James Bond e esse segundo filme dirigido por Sam Mendes se situa no meio termo entre os melhores (Goldfinger, O Espião Que Me Amava, Goldeneye e Skyfall, dentre tantos) e os piores (O Mundo Não É O Bastante e Quantum Of Solace) da série. Se por um lado o roteiro nunca rende o que promete (o supervilão de Christof Waltz é subaproveitado e a trama parece mais uma colcha de retalhos tricotada para dar uma liga nas cenas de ação), por outro é a produção da "era Daniel Craig" que mais abraça o entretenimento descompromissado dos "anos Roger Moore", com um bem vindo resgate de referências a títulos anteriores da franquia. Se nunca consegue manter o mesmo nível de sua impecável sequência inicial rodada na Cidade do México (um plano-sequência orquestrado com maestria por Mendes), pelo menos há no longa atributos suficientes para garantirem a diversão do público, como o excelente combate corpo a corpo entre Bond e o capanga Mr. Hinx dentro de um trem. Léa Seydoux (Azul É A Cor Mais Quente) está deslumbrante em cena e é sempre um prazer visual a parte, mas seria mesmo necessário ao protagonista outro grande amor depois da Vesper Lind de Eva Green há apenas três filmes de distância??? Apesar de seus óbvios defeitos (o anticlímax um dos mais graves), 007 Contra Spectre consegue oferecer entretenimento suficiente para que os fãs (eu, entre eles) esperemos ansiosos a volta do agente secreto para mais uma aventura que, esperemos, seja mais do que mera diversão honesta. Nota 7,5

* 204 - Como Sobreviver A Um Ataque Zumbi (Scouts Guide To The Zombie Apocalypse, 2015): a premissa de misturar zumbis e escoteiros em uma comédia de terror é o tipo de ideia que soa impossível de dar errado para quem curte uma boa galhofa com subgêneros. Como Sobreviver A Um Ataque Zumbi quase consegue a proeza de falhar miseravelmente em transpor o conceito para a tela, com um primeiro ato que abusa do humor simplório da geração American Pie e nunca atinge o tom de esperteza de seu primo mais bem acabado (Zumbilândia). A partir da meia-hora de projeção, no entanto, quando a trinca de protagonistas escoteiros finalmente se reúne para combater a horda de zumbis que toma conta de sua cidadezinha, o filme parece trilhar outro caminho, que é a homenagem aos filmes de camaradagem entre adolescentes da década de 80, o que melhora e muito a sua fruição. Mesmo os seus momentos mais escatológicos, daí para frente, conseguem  arrancar nem que seja um sorriso do público, mesmo que o enredo e seus personagens em momento algum se desviem da obviedade das caricaturas marteladas por Hollywood ano após ano. Pelo menos é um filme de zumbi que adequadamente abraça o "gore" para fazer humor e essa opção em tornar o desmembramento de seus figurantes em diversão funciona como deveria. Nota 6

205 - Cassia Eller (Cassia Eller, 2015): não posso ser considerado um fã do trabalho de Cassia Eller, mas depois de assistir a esse impecável documentário sobre sua vida, sou capaz de me tornar um grande apreciador do trabalho da cantora. Muito além de uma biografia esquemática sobre a vida e a morte da intérprete, o que Paulo Henrique Fontenelle faz aqui é Cinema de primeira grandeza, um verdadeiro mergulho dentro da persona de sua biografada e que escapa a todo instante das amarras formais do registro documental (e é especialmente difícil imaginar uma cinebiografia ficcional que soe satisfatória depois de assistir ao longa). Fontenelle utiliza a mesma técnica impressionante que utilizou no sensacional Dossiê Jango, seu longa anterior, para dar vida a fotografias antigas, que são transformadas, com o uso da tecnologia, em quadros em movimento, a essência do Cinema per se. Essa opção em tornar mesmo os registros estáticos em cenas em constante movimento dá ao filme uma constante fluidez imagética, o que se traduz em uma obra a que se assiste com voracidade e ansiedade. Há uma preocupação inegável em nunca relegar Cassia Eller a uma figura bidimensional, o que a própria trajetória musical da intérprete parece contribuir (cada disco lançado representava um lado totalmente diverso de sua personalidade). E as sequências que retratam a maternidade e a disputa judicial pela guarda do filho após sua morte são tão tocantes que me levaram às lágrimas mesmo após o filme terminar. Um trabalho de mestre. Nota 9

206 - Exorcistas do Vaticano (The Vatican Tapes, 2015): um dia ainda vou entender o que algum produtor viu no trabalho da dupla Neveldine/Taylor, responsável por coisas como os dois Adrenalina (2006 e 2009) com Jason Statham e as porcarias Gamer (2009) e Motoqueiro Fantasma: Espírito da Vingança (2011). São cineastas que claramente não conseguem conduzir um longa do ponto de vista narrativo e se apóiam em uma edição frenética que busca esconder a fragilidade de seus roteiros e que, se funcionou medianamente no primeiro Adrenalina, fracassou vergonhosamente em todos os seus trabalhos posteriores. Pois Mark Neveldine estreia em carreira solo aqui repetindo todas as decisões equivocadas dos filmes anteriores rodados em parceria com Brian Taylor. A preocupação com o roteiro é nula e a direção parece centrar forças em picotar as cenas ao máximo para que o espectador não se dê conta da fragilidade do que está sendo encenado. Muito pior do que esconder o roteiro pobre, no entanto, é a incapacidade de Neveldine em provocar um susto sequer em um longa sobre possessão demoníaca, praticamente um recorde por si só. Uma produção em que tudo dá errado e que nem o seu desfecho fora do convencional consegue salvar. Nota 2

207 - Turbo Kid (Turbo Kid, 2015): grande diversão para quem é fã dos filmes B dos anos 80, esse Turbo Kid é uma homenagem canadense à franquia Mad Max (e a todas as ficções pós-apocalípticas que lhe sucederam e roubaram o seu conceito), mas com as perseguições substituídas por corridas de bicicletas BMX. A violência abundante é muito bem encenada e acertadamente opta por um viés trash reminiscente dos primeiros filmes de Peter Jackson (Fome Animal). A presença no elenco de Michael Ironside, vilão de Tropas Estelares, O Vingador do Futuro e Highlander 2, justifica ainda mais a diversão descerebrada proposta pelo roteiro. Quem rouba a cena, no entanto, é Laurence Laboeuf, em um papel coadjuvante tão gracioso e simpático que é difícil dissociar o filme de sua imagem. Um belo adágio a um tipo de filme que tinha como destino final a prateleira das videolocadoras e, por isso mesmo, não é mais produzido. Nota 7,5

208 - O Durão (Get Hard, 2015): é inegável que tanto Will Ferrell quanto Kevin Hart sejam comediantes talentosos e possuem boa química quando contracenam, o que certas cenas aqui escancaram. Porém, mesmo com boas passagens cômicas pinçadas aqui e ali e piadas que façam rir com facilidade, O Durão ressente-se de um roteiro minimamente coeso que dê liga a essas sequências. Tudo é muito errático, como se fosse uma sucessão de esquetes que, se possuem alguma graça vistas de forma isolada, nunca conseguem compor um todo homogêneo. Para piorar, o filme reserva um final policialesco apressado que parece ter sido escrito por um roteirista totalmente diferente (o que até faz sentido, pois são SEIS os creditados pelo texto do filme, o que é sempre um mal sinal). Nota 4,5

209 - Quarteto Fantástico (Fantastic Four, 2015): ainda não foi dessa vez que Hollywood conseguiu transpor satisfatoriamente a primeira equipe de super-herois da Marvel para as telas. Depois das tentativas frustradas anteriores, esperava-se no mínimo que o novo filme acertasse o tom dos personagens, expectativa que Josh Trank (Poder Sem Limites) encarrega-se de varrer para debaixo do tapete nos primeiros atos, que abraçam um clima de ficção científica séria que destoa das situações absurdas contidas no roteiro. Afinal de contas, é muito difícil abraçar o clima sorumbático do diretor quando se tem de aceitar o fato de uma criança criar sozinha na garagem de casa uma máquina de teletransporte interdimensional que posteriormente é exposta em uma feira de ciências de uma escola de ensino médio (e sequer ganha o prêmio do concurso!!!). Essa disparidade de tom e conteúdo praticamente sabota o longa, que tem a seu favor um elenco muito decente, formado pelos melhores atores já escalados para o papel dos personagens. No entanto, mesmo com seus defeitos, os primeiros dois atos do filme até são suportáveis e contêm em si algumas boas ideias (a homenagem a David Cronenberg ao retratar os poderes adquiridos como anomalias físicas é muito bem explorado, por exemplo) e um ritmo até certo ponto inovador (apesar da lentidão tornar o longa chato em alguns momentos). Nada que justifique, portanto, o completo desastre narrativo reservado para o seu clímax, uma sequência de ação que foi imposta pelo estúdio e, além de contrastar com o resto da produção, revela-se mal filmado, genérico e com efeitos especiais vergonhosos, o que justifica a má recepção do filme junto aos fãs. Não foi dessa vez. Nota 4

210 - Pixels (Pixels, 2015): adaptação do divertido curta-metragem dirigido por Patrick Jean em 2010, Pixels tem um conceito muito promissor (uma invasão alienígena por meio de personagens dos antigos jogos de fliperama dos anos 80), o que, por si só, rende sequências divertidas que se revelam simpáticas a qualquer marmanjo que jogou os arcades há três décadas atrás. O que renderia uma comédia de aventura nos moldes de Os Caça-Fantasmas, no entanto, é sabotado pela escalação do elenco, que conta como protagonista o sempre fraco Adam Sandler. É por causa de Sandler que, dentro da proposta inicial de Pixels, foi injetada uma comédia execrável como quase todas as protagonizadas pelo comediante, o que se sobrepõe às boas ideias preservadas no projeto aqui e ali. Se as sequências da invasão dos jogos eletrônicos à Terra são divertidas, no meio do caminho é preciso aturar toda a sorte de piadinhas infames de Sandler e cia. com flatulências, vômitos e o abuso de um humor que, distante do politicamente incorreto, soa no máximo ofensivo. A impressão é de que o filme foi adaptado para o tipo de produção que fez a fama de seu protagonista, o que nunca é um bom sinal para quem tem mais de 10 anos de idade. Uma pena, já que o nerd personificado por Peter Dinklage é bem divertido, ao passo que (valha-me Deus) até o personagem de Kevin James, parceiro habitual de Sandler, ao menos parece interessante em sua concepção de presidente gente-como-a-gente. Nota 4,5

211 - The Ugly (The Ugly, 1997): curiosa produção neozelandesa da década de 90 que compensa a traminha batida e o ritmo por vezes truncado com uma direção estilosa que utiliza muito bem as transições da edição para conferir ao filme uma atmosfera estabilizada sempre no limiar entre a realidade e a imaginação. Atmosférico, soturno e cheio de simbolismos (o sangue negro, todo o design da clínica psiquiátrica e de seus personagens), é essa uma roupagem inovadora para a época que torna o longa um filme a ser descoberto para os fãs do gênero. Nota 5,5 

* 212 - Macbeth: Ambição e Guerra (Macbeth, 2015): uma das melhores adaptações para o cinema da obra de Shakespeare em muito tempo, esse Macbeth esbanja som e fúria (um dos trechos mais célebres da peça do bardo). Unindo um visual ao mesmo tempo cru, o que remete aos modernos filmes de guerra e contemporiza adequadamente a trama, e poético na forma impecável com que trabalha as cores de maneira simbólica, é uma produção que transborda inovação mesmo apoiando-se em um texto com séculos de idade. O design de produção, por si só, já mereceria todos os elogios possíveis só pelas impecáveis (e inteligentíssimas) cenas que abrem e encerram o longa. Além do mais, é um filme que ousa dar à personagem de Lady Macbeth, geralmente retratada com ares de pura vilania, outras tantas camadas, o que empresta à produção um muito bem-vindo e contemporãneo viés feminista. Não é nem preciso dizer que tanto Michael Fassbender quanto Marion Cotillard estão não menos do que brilhantes em cena. A opção em preservar o texto original, com o inglês arcaico que demanda atenção maior do que o normal, talvez soe incômodo para o grande público, mas há predicados suficientes para tornar o espetáculo memorável. Nota 8,5

* 213 - Aliança do Crime (Black Mass, 2015): eficiente thriller policial ambientado no submundo do crime organizado de Boston, Aliança do Crime é daqueles filmes "by the book", ou seja, não ousam além do básico do gênero, mas cumprem as regras estabelecidas de forma plenamente efetiva. A trama, baseada em impressionantes fatos reais, lembra muito (até demais) a do clássico Os Bons Companheiros, mas sem o virtuosismo estético empregado por Martin Scorsese naquele filmaço. É uma produção cujo desenvolvimento desce redondinho, amparado por um elenco estelar em que todos estão bem em cena, mas com destaque para a sensacional performance de Johnny Depp, que cria aqui um personagem simultaneamente amendrontador e humano (é, de longe, a melhor atuação do astro na última década e a razão de existir do próprio longa). Até mesmo a discutível maquiagem aplicada sobre o rosto de Depp ganha significado ao se considerar a persona do personagem real retratado. O roteiro não vai além do padrão em se tratando do subgênero dos filmes de gângster, mas o que se vê na tela é um trabalho bem conduzido e de fácil fruição. Nota 7

214 - Bata Antes de Entrar (Knock Knock, 2015): híbrido de thriller com comédia involuntária, esse ensaio sobre o desejo e a culpa poderia resultar em um registro irônico e perspicaz sobre a hipocrisia que se esconde por trás das convenções judaico-cristãs que nos foram ensinadas em relação à preservação da família enquanto instituição imaculada. O que o picareta Eli Roth (O Albergue) faz aqui, no entanto, é um arremedo de filme que apenas reitera os mais desprezíveis chavões da culpa católica, limando qualquer viés feminista que o longa poderia abraçar. Bata Antes de Entrar nada mais é do que uma sucessão chata de clichês que lançam mão do torture porn que o diretor tanto gosta para chegar literalmente a lugar algum. Não há suspense, não há empatia com os persongens e Keanu Reeves nunca esteve tão mal (e, considerando o padrão Keanu Reeves de interpretação, isso é alarmante). Nem a cena em que as psicopatas gostosonas (uma delas, esposa do cineasta) fazem um ménage a trois com o protagonista consegue excitar. Horrível. Nota 2

215 - O Doador de Memórias (The Giver, 2014): adaptação do primeiro livro de uma série de bestsellers voltados para o público jovem, esse Doador de Memórias surpreende por algumas ideias inovadoras e muitas referências a autores clássicos da ficção, principalmente Ray Bradbury. Esteticamente impecável, com um design de produção e fotografia belíssimas, que usam muito bem o recurso de intercalar o preto e branco com as cores, é um filme cuja estrutura visual e base literária prometiam uma franquia a se destacar de seus pares. O problema é que o roteiro, ao invés de explorar o diferencial da obra, opta por entregar mais do mesmo, com os mesmos chavões do subgênero, como o triângulo amoroso adolescente insípido e personagens bidimensionais, desperdiçando por tabela dois medalhões no elenco: Meryl Streep quase não tem razão para existir no filme, ao passo que Jeff Bridges repete pela enésima vez o clichê do velho sábio, mas desleixado, que balbucia frases como se estivesse eternamente mascando tabaco. O final é totalmente anticlimático e dependente de uma continuação que o fracasso de bilheteria garante que nunca virá. Nota 4,5

* 216 - A Visita (The Visit, 2015): A Visita é um filme que surpreende não tanto pelo produto final, mas pelo  que ele significa para a carreira de seu diretor. Afinal de contas, quem diria que M. Night Shyamalan, depois de passar mais de uma década entregando porcarias indefensáveis (Fim dos Tempos, O Último Mestre do Ar, Depois da Terra) que praticamente enterraram seu currículo outrora (beeem outrora) promissor conseguisse, com uma produção de baixíssimo orçamento, se reinventar e lançar um filme ao mesmo tempo divertidíssimo e sinistro? Não que A Visita seja lá graaaande coisa, mas é um atestado de que o cineasta ainda guarda truques na manga e talento suficiente para arquitetar cenas de susto muito eficientes, além de uma narrativa redondinha, que dá a todos os personagens um arco dramático honesto durante a projeção. E, maior das surpresas, Shyamalan demonstra aqui um bom humor autoparódico que se destaca. A Visita, longe de se levar demasiadamente a sério, tira sarro com as convenções do gênero sem soar um pastiche meramente comercial. Parece uma genuína homenagem ao "terrir" (terror + comédia) tão popularizado nos anos 80, mas que caiu em desuso nas décadas subsequentes, mesmo que o cineasta utilize uma ferramenta tão batida como a dos "found footage" (filmes de imagens encontradas, o que é de certa forma também subvertido aqui). Até a reviravolta principal, que pode ser telegrafada bem antes, funciona de forma orgânica. Nada que vá mudar a vida de ninguém, mas é uma produção que diverte e assusta na medida certa, muito favorecida pela excelente dupla de adolescentes central (principalmente Ed Oxenbould, de Alexandre e o Dia Terrível, Horrível, Espantoso e Horroroso, que rouba toda e qualquer cena em que aparece). Um bom retorno à forma de Shyamalan. Tomara que, da próxima vez, seja também memorável. Nota 7,5

217 - El Infierno (El Infierno, 2010): produção mexicana muitíssimo bem produzida que conta uma história até certo ponto recorrente de ascensão e queda de um cidadão comum na criminalidade, aqui situada no mundo dos cartéis de drogas. Tudo segue a narrativa clássica do gênero, mas o bom humor adotado funciona maravilhosamente bem em contraste com a violência inerente a esse tipo de produção. Há bons achados e a metragem excessiva (mais de duas horas de duração) nunca incomoda. Vale a pena. Nota 7

218 - A Viatura (Cop Car, 2015): sucesso no Festival de Sundance de 2015, essa pequena produção de suspense serviu de cartão de visitas para o diretor Jon Watts ganhar da Marvel o timão do próximo filme do Homem-Aranha. E, de certa forma, a honraria é justa. Com orçamento baixíssimo, é um thriller que une o clima de história de amadurecimento de Conta Comigo, tratando seus dois protagonistas de 10 anos como as crianças que realmente são, com a tensão de títulos como A Morte Pede Carona. Kevin Bacon, também produtor do longa, está muito bem como o xerife vilão que persegue os moleques. É o típico caso de produção "slow burn", que vai lentamente sendo construída até o inevitável (e, no caso, sangrento), clímax. Sem nunca ofender a inteligência do espectador, é daqueles filmes que prendem a atenção desde o primeiro instante e não largam mais até a excelente (e incomum) cena final. Nota 8

219 - Enquanto Somos Jovens (While We´re Young, 2014): desde os anos 90, Noah Baumbach se firmou como um dos mais sagazes roteiristas e diretores independentes americanos, retratando como ninguém toda uma uma geração específica que viveu a adolescência entre as décadas de 80/90. São dele Tempo de Decisão, A Lula e a Baleia, Margot e o Casamento e Frances Ha, por exemplo. Goste ou não do cineasta (e eu adoro), é inegável como Baumbach consegue conceber tramas que registram personagens tão comuns (e, algumas vezes, odiosos ao mesmo tempo, como em O Solteirão, com Ben Stiller) de forma tão inovadora e profunda. Em Enquanto Somos Jovens, talvez seu trabalho mais autobiográfico, o foco é o embate geracional entre os agora quarentões, que se adaptam às inovações tecnológicas, mas ainda mantêm um pé nas tradições analógicas, e a nova geração, que parece se apegar aos costumes hoje ultrapassados como meio de dar maior estofo cultural e intelectual a vidas que, no fim das contas, não diferem muito daquelas de seus pais. Toda a discussão resultante desse embate entre o velho e o novo é muito bem conduzida, principalmente com um quadrilátero de protagonistas em estado de graça (Ben Stiller, Naomi Watts, Adam Driver e Amanda Seyfried estão ótimos), além de um coadjuvante de luxo na pele do veterano Charles Grodin). Inteligente, tocante, engraçado e reflexivo, é um dos grandes trabalhos da filmografia de um cineasta que parece ficar ainda melhor com o passar dos anos. Nota 8,5

* 220 - No Coração do Mar (In The Heart Of The Sea, 2015, em 3D): aventurão à moda antiga, essa nova dobradinha entre o diretor Ron Howard e o ator Chris Hemsworth não consegue equacionar o roteiro esperto com a condução irrepreensível vistos na colaboração anterior de ambos (Rush: No Limite da Emoção). Baseado no livro que registrou o caso real que inspirou Helmann Mellville a escrever Moby Dick, é uma jornada náutica com visual bacana e ritmo adequado, mas que nunca empolga como deveria. O 3D é horroroso, pois o filme não foi pensado para o formato (muitas sequências são noturnas e, com os óculos tridimensionais, as imagens são totalmente sabotadas), enquanto o excessivo uso de efeitos digitais afasta o espectador de cenas que, se fossem feitas à moda antida, com trucagens mecânicas, poderiam resultar em momentos de puro deleite cinematográfico. Hemsworth faz aqui uma variação que não foge muito de seu registro como Thor, apesar de ser um protagonista adequado. Pena que a perda de peso do ator, muito noticiada pela internet, não seja aproveitada de forma plena no filme (se piscar, perdeu a cena, o que de certa forma torna o esforço do astro desnecessário). Mesmo assim, é uma boa produção que conta com elenco bem selecionado e cenas legais, todas elas envolvendo a baleia digital que serve de mote para o filme. Diverte, mas nem de longe o resultado é o épico acachapante almejado pelos realizadores. Nota 5,5

* 221 - Jogos Vorazes: A Esperança - O Final (The Hunger Games: Mockingjay - Part 2, 2015):  prejudicado pela estapafúrdia, mas rentável para o estúdio, opção comercial em dividir o último livro da série em dois longas, esse desfecho de uma das franquias adolescentes mais interessantes a aportar pelas telas em muitos anos pelo menos resulta muito, mas muito superior, ao fraco capítulo anterior visto ano passado, que limitava-se a entregar um trailer de duas horas de um clímax que nunca se concretizava. Esse último capítulo, ao menos, contém cenas de ação empolgantes e dá, para o bem ou para o mal, um desfecho para a jornada de seus protagonistas. A direção de arte é muito boa, emulando o cenário dos filmes de guerra modernos, ao passo que a ideia de reintroduzir a ideia dos "jogos" em cenário urbano é muito esperta e empresta à trama originalidade e urgência. Há reiterações incômodas, como a hesitação da protagonista Katniss em abraçar sua condição de símbolo da revolução, situação que já havia sido esgotada no filme anterior, além de escancarar como o triângulo amoroso original sempre foi o ponto mais fraco da franquia. Mesmo assim, a personagem central é boa demais e a crítica política (lembrem-se que o "mal" é chamado de "Capital" desde o primeiro filme) são muito importantes para o cenário médio do cinema contemporâneo. Pena que os cinco minutos finais contenham um desfecho que, além de tirar força da jornada da protagonista e da própria premissa dos livros, ainda abraça um tipo de "the end" mais afeito a produções com temática muito mais bobinha do que a desenvolvida até então. Mesmo assim, é um entretenimento que não ofende a inteligência de ninguém. Fora que é a última oportunidade de ver Phillip Seymour Hoffmann na telona em uma produção inédita, o que por si só torna a experiência memorável. Nota 7,5

* 222 - O Presente (The Gift, 2015): o que parece ser um thriller reminiscente daqueles dos anos 90 (Atração Fatal, Mulher Solteira Procura, Morando Com O Perigo), nas mãos do diretor/roteirista/ator Joel Edgerton (Aliança do Crime, Guerreiro) se transforma em um suspense cujas reviravoltas desafiam as convenções do gênero sem nunca abandoná-las completamente. O trabalho de direção, que rende tomadas surpreendentes para um estreante na direção de longas, além de sustos muito bem arquitetados, torna O Presente uma daquelas surpresas agradáveis que, se não revolucionam o subgênero em que se insere, pelo menos entrega um produto final plenamente eficaz. Além de Edgerton, que cria um personagem que oscila entre a empatia e o medo, Jason Bateman cria aqui também um tipo muito diferente de tudo o que já fez em sua carreira. O desfecho é cirúrgico em sua aptidão em driblar o convencional sem abdicar do impacto. Uma boa estreia na direção de Joel Edgerton, que já há tempos se destacava em papeis coadjuvantes. Nota 7,5

* 223 - Olhos da Justiça (Secret In Their Eyes, 2015): não existe nenhuma justificativa lógica que me convença que uma refilmagem americana do sensacional O Segredo dos Seus Olhos fosse necessária, principalmente porque o original (e impecável) filme argentino ganhou o Oscar de Filme Estrangeiro há apenas cinco anos. Por isso mesmo, esse remake já nasce datado e sua própria existência é muitíssimo questionável. Mesmo as boas inovações propostas pelo roteiro (a ambientação inicial pós-11 de Setembro, por exemplo) não levam a lugar algum. Pior: a opção em tratar o crime central como algo pessoal para o protagonista Chiwetel Ejiofor (12 Anos de Escravidão, Perdido em Marte, Z For Zachariah) trai o próprio conceito do longa original, que versava sobre a obsessão (no caso, a do personagem de Ricardo Darín em solucionar um caso que deixara em aberto durante sua carreira como investigador policial e que possuía relação direta com o período da ditadura argentina). Assim, por mais que a nova roupagem americana se esforce (e é bem verdade que há bons achados nesse novo filme, como a bem conduzida tensão sexual entre dois dos personagens principais), nunca chega a amarrar os cadarços do original. A trinca de atores central está muito bem (além do sempre ótimo Ejiofor, há uma Julia Roberts totalmente desglamourizada e uma Nicole Kidman linda e muito muito melhor do que esteve no recente superior à de Grace de Mônaco, por exemplo), mas o filme nunca subverte suficientemente o filme que lhe serve de base para surpreender o público. Para quem não assistiu à produção argentina, funciona que é uma maravilha, mas para quem já viu o filme de Campanella (e quem não viu deveria urgentemente assistir), é somente uma revisão falada em inglês. O mais emblemático é que, no lugar da cena mais célebre daquela produção (o plano-sequência durante uma partida de futebol), o que vemos aqui é uma reles passagem entrecortada durante um jogo de beisebol. Seria um bom filme, mas só se não existisse um muuuuuuuuito superior que lhe serviu de base para reprodução. Nota 4,5 

224 - The Theatre Bizarre (The Theatre Bizarre, 2011): como quase toda antologia de contos de terror, esse aqui é irregular na qualidade de suas historinhas. O que destaca ainda mais essa variação de eficácia entre os contos é a absoluta ausência de unidade temática. O resultado final parece mais um amontoado de curtas-metragens sem um único elemento que lhes dê liga. E o que é pior: entremeados por um horroroso entreato que supostamente serviria de transição entre eles. Surpreende a ruindade da história comandada pelo sulafricano Richard Stanley, que na transição entre os anos 80 e 90 foi apontado como cineasta promissor com Hardware - O Destruidor do Futuro. Pelo menos os episódios dirigidos por Tom Savini (conhecido pela maquiagem dos filmes de George Romero e responsável pelo bom remake de A Noite dos Mortos Vivos de 1990) e Douglas Buck são belas surpresas. Nota 4,5


225 - Hitman: Agente 47 (Hitman: Agent 47, 2015): nova tentativa de adaptar a franquia de games para o cinema, na comparação consegue a proeza de deixar o já fraco longa de 2007 um filme até agradável. Protagonizada por um ator sem qualquer carisma (Rupert Friend, do seriado Homeland), consegue desperdiçar o vilão do sempre bom Zachary Quinto em uma trama que é uma verdadeira colcha de retalhos de todos os clichês mais irritantes de produções de ação genéricas. O pior é distanciar-se de tudo o que fez a fama e o sucesso dos jogos de videogame em que se baseia: enquanto o personagem original e suas histórias investiam em missões cuja eficácia dependia muito mais da habilidade com que os jogadores conseguiam abater os inimigos de forma sorrateira, aqui o protagonista explode e atira em qualquer coisa que passe pela frente. A falta de sutileza é tanta que o personagem, seu interesse amoroso (a belíssima Hannah Ware) e o vilão ganham super-poderes que parecem saídos de uma produção da Marvel. O ó. Nota 2,5

* 226 - O Clã (El Clan, 2015): interessantíssimo thriler argentino que parte de um caso real famoso na crônica policial do país e consegue equilibrar muito bem o suspense com o drama político que escancara os desmandos ocorridos durante o período da ditadura militar. Conta com uma atuação impressionante de Guillermo Francella (O Segredo dos Seus Olhos) no papel principal, uma composição que investe em gestos e entonação de voz contidas para dar forma a um sociopata como há muito não se via nas telas. O diretor Pablo Trapero, dos ótimos Abutres e Elefante Branco, parece comedido em realizar os seus já famosos planos-sequência, mas tudo não passa de um artifício genial do diretor para pegar o espectador desprevenido: a tomada única que fecha o longa com chave de ouro é uma das cenas mais impactantes dos últimos anos. Um grande filme em temática e execução. Nota 8,5

227 - A Very Murray Christmas (A Very Murray Christmas, 2015): especial de Natal dirigido por Sofia Coppola para a Netflix, não passa de uma grande sucessão de números musicais entremeados por um fiapo de roteiro protagonizado por Bill Murray. Há cenas engraçadinhas aqui e ali e as participações especiais variam entre o inspirado (Michael Cera, Rashida Jones e Maya Rudolph) e o protocolar (Miley Cyrus, Amy Poehler e George Clooney). Algumas das apresentações musicais são bem legais, mas era de se esperar mais do reencontro entre a diretora e o protagonista de Encontros E Desencontros. Nota 5

* 228 - Star Wars: O Despertar da Força (Star Wars: The Force Awakens, em IMAX 3D): talvez o filme que gerou mais expectativas por uma legião de fãs nas últimas duas décadas (o que geralmente é péssimo sinal para a recepção pós-lançamento), essa continuação direta de O Retorno de Jedi pelas mãos habilidosas de J. J. Abrams, que já reinventara outra franquia adorada por seguidores fanáticos (Jornada Nas Estrelas), é justamente o espetáculo cinematográfico que todos os órfãos da trilogia clássica de Star Wars mereciam. A equivocada trilogia prequel comandada por George Lucas na década passada, a partir desse finalzinho de 2015, conseguiu descer alguns degraus na memória dos fãs. Afinal, tudo o que deu errado na tentativa frustrada de Lucas em reviver a magia dos longas da década de 80 (o excesso de efeitos digitais, o humor infantil, a trama novelesca, os personagens nada memoráveis defendidos por um elenco cheio de atores mal escalados) é evitado por Abrams aqui. O diretor consegue ao mesmo tempo respeitar e reinventar a franquia para as novas gerações, apresentando um punhado de novos e adoráveis protagonistas (Rey, Finn, Poe Dameron, BB8) e resgatando aqueles de quem todo o cinéfilo que cresceu nos anos 80 sentia falta (e que sensação boa é perceber que a dobradinha entre Han Solo e Chewbacca permanece tão bem azeitada quanto a última vez em que os vimos juntos na tela). Mesmo com a reiteração excessiva da estrutura de Uma Nova Esperança (de longe, o maior e um dos únicos pecados do filme), o roteiro escrito por Lawrence Kasdan (responsável pelo texto de Os Caçadores da Arca Perdida, O Império Contra-Ataca e O Retorno de Jedi), Michael Arndt (Toy Story 3) e pelo próprio Abrams é eficaz em equilibrar em cena os velhos e os novos protagonistas, dando espaço para que todo o elenco tenha oportunidade de brilhar em cena. É a mão de J. J. Abrams, no entanto, que permeia todo o longa. E é fácil perceber como sua veneração pela trilogia original transparece na tela. Da opção pelos efeitos especiais práticos e de maquiagem em detrimento dos digitais até o resgate do mesmíssimo clima de encantamento e fantasia dos filmes originais, O Despertar da Força é uma superprodução feita por e para fãs. Destaque-se também a ousadia na aposta em finalmente dar o protagonismo de uma superprodução a minorias que nunca se vêem adequadamente representadas por Hollywood: uma mulher (Daisy Ridley, a melhor descoberta dos últimos anos, que rouba a cena e nos apaixona instantaneamente por sua personagem, que foge do estereótipo martelado pelo cinema americano), um negro (o ótimo John Boyega, de Ataque Ao Prédio) e um latino (o sempre eficiente Oscar Isaac). Para completar, o novo vilão (Adam Driver, do seriado Girls) ganha um arco dramático genial que transforma o personagem ao longo da projeção e o estabelece, ao final do filme, como uma promessa de antagonista muito promissor para os próximos capítulos da saga ("aquela" cena principal do filme é emblemática para essa transição e conduzida com maestria por Abrams). A última cena é tão bela quanto evocativa do que essa retomada representa para um fã de Guerra Nas Estrelas: a sensação de reencontro juntamente com a de término e recomeço de ciclos. E uma puta vontade de rever o filme e automaticamente se teletransportar para 2017, quando chega às telas o episódio 8. Nota 9

229 - Horas de Desespero (No Escape, 2015): é interessante observar o esforço de Owen Wilson ao tentar uma espécie de reinvenção em sua carreira em um papel dramático. Esse thriller de sobrevivência tem algumas cenas eficientes e há um esforço visível dos envolvidos em entregar um suspense de qualidade. O problema é que o filme apenas reitera a visão equivocada e preconceituosa do cinema americano em relação aos países do terceiro mundo. O viés imperialista do roteiro repleto de clichês babacas acaba por soterrar quaisquer boas intenções dos realizadores. Nota 4

230 - Natal Negro (Black Christmas, 2006): refilmagem de Noite do Terror, de 1974 (vide número "157" acima) que, se não opta por apenas reencenar o original quadro a quadro, erro comum reiteradamente cometido pelos remakes, cai em outro tipo de armadilha. Ao tentar modificar demais o roteiro do filme que lhe inspira, acaba por esvaziar o novo longa de tudo o que fazia de Noite do Terror um filme além da média. Natal Negro opta pela sempre equivocada opção em tentar explicar o que o original abordava de maneira subliminar, em especial a motivação e origem de seu serial killer. O resultado, como era de se esperar, é catastrófico. O remake é um terrorzinho padronizado e sem qualquer identidade, previsível em sua execução e totalmente desprovido do clima de tensão e do humor que fizeram a fama do original. Nota 2

* 231 - Pegando Fogo (Burnt, 2015): legítimo representante cinematográfico da moda do "food porn" popularizada por redes sociais como Instagram, pega carona no sucesso dos reality shows televisivos e seus chefs alçados à condição de popstars (principalmente Gordon Ramsay, que faz as vezes de consultor do filme). Se fosse uma produção independente, teria potencial para almejar voos maiores. O problema é que, por trás da boa premissa e do elenco excelente, existe uma preocupação comercial evidente do estúdio que lhe bancou. É um filme que flui que é uma maravilha e conta uma história que, se não chega a sair do lugar-comum, ao menos é situada em um microcosmo intrigante. Tem um bom ritmo e seria um longa bem acima da média caso não cedesse, em seus últimos minutos, aos clichês hollywoodianos dos filmes de superação americanos. Uma opção nitidamente mercadológica que destoa da história contada até ali e impede que a jornada de seu protagonista ganhe o arco dramático que merecia. Nota 5

* 232 - As Sufragistas (Suffragette, 2015): boa produção britânica que aborda um tema importante e surpreendentemente atual em tempos em que o conservadorismo ganha uma inoportuna sobrevida em nossa sociedade. O roteiro dá às mulheres que lutaram pelo sufrágio universal na Inglaterra um viés revolucionário que é muito bem defendido pelo elenco, em especial Carey Mulligan (ótima), Helena Bonham Carter e, principalmente, Anne-Marie Duff (do excelente Em Nome de Deus), que merece todos os prêmios de atriz coadjuvante a que vier a ser indicada. O problema é que a direção de Sarah Gavron pesa a mão no ritmo adotado, o que deixa a trama soar mais cansativa do que deveria. O grande trunfo do longa, porém, é conseguir encerrar de maneira exemplar: com uma cena impactante e uma mensagem pré-créditos que, além de nunca soar piegas, ainda reafirma a urgência de mais produções com temática parecida. Um desfecho que eleva o longa acima da média. Nota 7

233 - Hacker (Blackhat, 2015): sempre considerei Michael Mann um cineasta superestimado, apesar de concordar que alguns de seus longas (Profissão: Ladrão, Fogo Contra Fogo, Colateral) sejam muitíssimo eficientes. Hacker foi um fracasso comercial tão grande nos EUA que o estúdio achou por bem cancelar o seu lançamento nos cinemas em diversos mercados, dentre eles o Brasil. Acho injusta a má recepção e absurdo que não tenha ganhado oportunidade nas telas brasileiras. É um policial correto, com um ritmo um tanto lento (aliás, característica de toda a cinematografia de Mann), mas que, no final das contas, nunca chega a truncar a sua fruição. Pelo contrário: há boas cenas de ação e um protagonista esforçado (Chris Hemsworth, que fora dos filmes da Marvel raramente teve um sucesso comercial com seu nome estampado no cartaz), além de um elenco multinacional bem interessante. Não chega a desviar-se dos clichês dos filmes de ação como deveria, mas entrega um resultado final que é de fácil identificação, o que torna ainda mais surpreendente o boicote que sofreu do público amrericano e de seus distribuidores. Nota 6

234 - The Hive (The Hive, 2015): híbrido de terror e ficção científica, essa produção independente até que se esforça para entregar mais do que uma mera repetição das incontáveis produções que servem de inspiração. Os efeitos são decentes e as atuações não comprometem, mas o problema desse "Amnésia" voltado para os fãs de horror é que poucas das ideias lançadas durante o longa são satisfatoriamente desenvolvidas durante a projeção, o que deixa uma sensação de que a brincadeira poderia ter ido muito mais longe do que efetivamente foi. Nota 4,5

235 - Victoria (Victoria, 2015): intrigante longa alemão que surpreende ao adotar a estética de um longo plano-sequência de mais de duas horas para contar uma história policialesca ambientada em plena região central de Berlim. O diretor Sebastian Schipper demonstra inteligência ao desenvolver a história que pretende contar sem qualquer pressa e contando com a capacidade de improvisação do ótimo elenco (destaque para os protagonistas Laia Costa e Frederick Lau), o que confere à produção, em um primeiro momento, uma atmosfera de realismo que prende a atenção do espectador antes da trama tomar um rumo inesperado. As cenas que constroem a intimidade crescente desenvolvida entre os protagonistas são muito boas, o que amplifica o impacto dos acontecimentos reservados ao terceiro ato da produção. Sem falar que, tecnicamente, o filme é irrepreensível: o plano-sequência pensado pelo diretor envolve dezenas de atores e figurantes, idas e vindas por vários cenários e cenas cuja coreografia deve ter sido um pesadelo para os envolvidos. Um belo trabalho. Nota 8

236 - Best Of Enemies (Best Of Enemies, 2015): em tempos em que o debate político acabou reduzido a uma gritaria histérica entre dois polos que equivocadamente se vêem como mocinhos de bangue bangue lutando contra índios sanguinários (e imaginários), esse documentário é um tapa de luva de boxe nas verdades incontestáveis vociferadas por cada lado em nossa sociedade. A série de debates entre o liberal Gore Vidal e o reacionário William F. Buckley durante as primárias da eleição americana de 1968 resgata uma época em que o discurso político era encenado por indivíduos com bagagem intelectual acima da média e que, independentemente do lado da trincheira em que se posicionavam, tinham o cuidado em fundamentar seus argumentos com estofo histórico e retórico capaz de elevar a discussão muito além do enfrentamento binário a que se assiste diariamente por meio das modernas redes sociais. Vidal e Buckley eram oradores fascinantes e seu ódio mútuo resulta em um filme irrepreensível, com momentos de embate tão deliciosos quanto elucidativos em relação a seus argumentos. Mais do que um documento de época, Best Of Enemies escancara como involuimos enquanto sociedade. O mundo moderno precisaria de incontáveis Vidals e Buckleys para que a fé na humanidade pudesse ser restabelecida. Excelente. Nota 9

237 - Os Desconectados (Disconnect, 2012): dirigido por Henry Alex Rubin, do ótimo documentário Murderball, é um filme-coral que busca registrar como a tecnologia, mais do que aproximar, acabou afastando as pessoas no mundo moderno. Seria intrigante enquanto conceito, mas o roteiro é tão simplório e recheado de clichês melodramáticos que o produto final acaba resultando apenas em um sub-Crash: No Limite sem qualquer inspiração. Pior do que isso: a sua absoluta falta de consistência acaba por desperdiçar o ótimo elenco em um filme que, por trás de suas boas intenções, acaba soando popularesco e vergonhoso em alguns momentos. Nota 2,5    

238 - Estranha Obsessão (La Femme du Vème, 2011): o polonês Pawel Pawilikowski, ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2015 por Ida, entrega aqui um drama com toques de thriller cuja ambientação em Paris e suas ruelas claustrofóbicas é certeira em sua pretensão em impregnar o longa com uma atmosfera kafkiana de opressão e aprisionamento. O filme começa muito bem e o protagonista interpretado por Ethan Hawke é interessante o suficiente para que seu destino prenda a atenção do espectador, principalmente a partir do momento em que entra em cena a intrigante personagem de Kristin Scott-Thomas (excelente). O problema é que o diretor carrega a produção com tantos simbolismos e tomadas que flertam com o abstrato que o resultado final soa insatisfatório por não desenvolver como deveria todas as ideias lançadas durante o desenvolvimento da história. A sensação final é de se ter recebido um cheque sem fundos. Nota 4,5

* 239 - Divertida Mente (Inside Out, 2015): a volta da Pixar à sua melhor forma. Muito mais do que uma animação infantil, é uma produção ambiciosa que resgata da psicanálise os conceitos para conceber o mundo fantástico que o roteiro (irrepreensível, para dizer o mínimo) criou para dar vida às emoções que regem o comportamento da pré-adolescente Riley. Inventivo, com um visual de cair o queixo e repleto de personagens adoráveis (a Tristeza, dublada no original por Phillys Smith, do seriado The Office, é um achado), Divertida Mente é o longa que revive toda a mágica e o encantamento que a Pixar, por mais de uma década, insistia em reproduzir com resultados impecáveis na tela até ser adquirida pela Disney, o que imprimiu aos filmes com o seu selo uma queda de qualidade inegável (Carros 2, Valente, Universidade Monstro). Muito mais do que um mero entretenimento infanto-juvenil, Divertida Mente introduz, no arco dramático de seus protagonistas, uma mensagem ousada e inteligente: a de que a tristeza, em doses adequadas, é fundamental em nossas vidas. E, de quebra, é um filme que consegue emocionar até o mais durão dos espectadores (o diretor, vale lembrar, é o mesmo de Up - Altas Aventuras, que já arrancara lágrimas instantâneas de todo mundo). Afinal de contas, seu cerne envolve algo por qual todos nós passamos: as agruras do amadurecimento e a dureza que é abandonar a fase mais feliz de nossas vidas. Um assunto tocante por si só e que é encenado com maturidade e delicadeza aqui. Nota 9



**********************The End******************************************

       



  

  

         


  
 

        

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