O Homer Vitruviano

O Homer Vitruviano
Leonardo quase acertou.

Wel Come Maguila, Mas Manda Flores No Dia Seguinte

Bem-vindos, párias, desgarrados, nerds, loucos de toda espécie ou, caso esse negócio não der certo, boas vindas às minhas demais personalidades. Façam-se ouvir, façam-se sentir, façam-se opinar. E, caso falte energia ou acabe a bateria, faça-se a luz!


sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Rewind Cinema 2014



Vou dar início ao ano de 2014 com a primeira parte da tradicional lista dos filmes vistos ou revistos no ano, do primeiro em diante, todos eles com micro-comentários e uma nota. O numeral atribuído a cada nota, como sempre, deve ser visto com reservas. Em primeiro lugar, não se pode condensar toda a avaliação sobre uma obra, qualquer que seja, em um simples número, o que seria de um reducionismo pedestre. A nota serve, no caso dos comentários breves, como forma de ilustrar o que não coube no texto. 

Neste ano, assim como nos anos anteriores, utilizarei os seguintes parâmetros para quantificar as notas: 

-  notas 10: só para filmes que passaram no teste do tempo, ou seja, somente para filmes que permanecem excelentes mesmo após mais de 20 anos de seu lançamento;
- de 8 a 9: filmes ótimos;
- de 6 a 7,5: filmes bons;
- 5 ou 5,5: filmes razoáveis;
- abaixo de 5: filmes com variáveis graus de ruindade.

Já os títulos seguirão com os códigos já adotados em 2013:

* Filmes vistos no cinema
** Filmes revistos 
Sublinhados: filmes que passaram no circuitão do RS em 2014

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1- Rhino Season (Fasle kargadan, 2012): produção iraniana com temática parecida à da excelente animação Persépolis, já que registra uma história ambientada antes e depois da revolução que derrubou o regime dos xás naquele País. No elenco, é uma surpresa encontrar a sempre deslumbrante Monica Bellucci e ainda mais falando no idioma persa, mas o que distancia a produção do restante da cinematografia iraniana é a espetacular fotografia (o filme esforça-se para fugir do realismo quase documental que virou marca registrada do cinema vindo do Irã). Apesar do esmero visual, que realmente cria imagens de uma poesia arrebatadora, a história do poeta mantido preso durante 27 anos pelo regime dos aiatolás é prejudicado por uma narrativa injustificadamente arrastada. Nota 6,5

2 - Parker (Parker, 2013): a idéia de buscar um diretor tarimbado para comandar um filme de ação do brucutu Jason Statham não era de toda ruim. No lugar dos anônimos operários-padrão da pancadaria, aqui o nome de Taylor Hackford (A Força do Destino, O Advogado do Diabo, Ray) salta aos olhos e subentende um produto diferenciado dentro da ficha corrida de Statham. Além disso, a presença de Jennifer Lopez também indicaria um longa diferente dessa fórmula habitual, acrescentando uma personagem feminina com nome, RG e CPF à trama. Propaganda enganosa é isso aí. Hackford demonstra uma incrível inépcia narrativa, falhando até mesmo no básico: entregar cenas de ação decentes, o que qualquer diretor inexpressivo conseguira antes ao comandar o astro de Carga Explosiva. Já Jennifer Lopez (num personagem que poderia ser limado da história sem que fosse necessária qualquer alteração no script) parece ter lido um roteiro diferente do resto do elenco, visto que insiste em atuar como se estivesse participando de uma comédia romântica. Esquemático e previsível até dizer chega, não tem nada que lhe diferencie de qualquer produção lançada diretamente nas locadoras. Nota 4 

3 - Sangue No Gelo (The Frozen Ground, 2013): thriller policial de perseguição a serial killer que, apesar de baseado em impressionante caso real, usa e abusa de elementos que já foram explorados à exaustão em filmes superiores. De cara, a ambientação lembra muito a de Insônia, de Cristopher Nolan, mas é mesmo com o seriado The Killing que o desenvolvimento mais se assemelha. O que incomoda aqui é a subtrama envolvendo uma vítima do maníaco (uma Vanessa Hudgens pavorosa) que consegue escapar, mas possui a incrível habilidade de colocar-se à mercê do raptor a cada 15 minutos, mesmo com toda a polícia do Alaska lhe fazendo escolta. John Cusack está bem à vontade como o psicopata e (pasmem) Nicolas Cage, como o policial que o persegue, consegue permanecer durante toda a metragem do filme contido, sem esboçar sinal de overacting (provavelmente, foi mantido sedado no set de filmagens). No geral, um filme até que bem razoável. Nota 6 

4 - Minha Vida Com Liberace (Behind The Candelabra, 2013): é realmente de se admirar a entrega com que Michael Douglas e Matt Damon abraçaram seus personagens nessa biografia do pianista (e clone do Walter Mercado) Liberace. Muito mais do que apenas soltar a franga de maneira caricata, os atores dão ao casal gay que interpretam o tom exato de humanidade para que o público imediatamente esqueça de suas personas enquanto celebridades do cinemão americano. É desse desprendimento do elenco (refletido pela ousadia sem firulas das cenas entre os dois) que resulta a maior importância de Behind The Candelabra: a desmistificação do relacionamento homoafetivo, registrado com naturalidade e sensibilidade por Steven Soderbergh (num de seus melhores trabalhos, o que é bastante coisa considerando o tamanho de sua filmografia), em contraposição à visão conservadora de certos segmentos da sociedade, que insistem em tratar tais relações como aberrações condenáveis à luz de costumes, dogmas e leis com bem mais anos de vida do que Douglas (o Kirk, não o Michael) tem de carreira. Habilmente roteirizado por Richard LaGravenese (As Pontes de Madison), o filme nunca deixa totalmente de lado a estrutura básica da cinebiografia, mas insere um viés interessante (o enfoque no relacionamento do casal como força motriz da história) que acaba por fazer as vezes de elemento de fuga dessa fórmula esquemática. Visualmente impecável, é um trabalho conjunto com uma excelência técnica assombrosa (e pensar que trata-se de uma produção feita para o canal de tevê HBO aumenta ainda mais o espanto). Fotografia, direção de arte, figurinos, trilha sonora, maquiagem, tudo está tão bem cuidado que forma um conjunto harmônico irretocável. Mas nada adiantaria se os protagonistas não acompanhassem esse esmero técnico. E Douglas e Damon talvez nunca estiveram tão bem. Caso tivesse passado nos cinemas, seria praticamente inevitável ao menos uma indicação ao Oscar para cada um dos dois. E bem que poderia sobrar uma lembrança de coadjuvante também para Rob Lowe, impagável na pele do cirurgião plástico de rosto indescritível que opera os personagens. Um trabalho com estofo e volume de voz para figurar em qualquer lista das mais relevantes obras produzidas no ano passado. E pensar que Soderbergh teve que ir até uma rede de televisão porque não conseguiu verba dos estúdios para lançá-lo nos cinemas por ser "gay demais". Baita filme. Nota 9 

5- Invasão À Casa Branca (Olympus Has Fallen, 2013): lançado no mesmo ano que O Ataque, os dois filmes têm trama quase idêntica (herói tem que deter sozinho uma invasão à Casa Branca) e tantos elementos em comum que é praticamente inevitável que um seja confundido com o outro num futuro bem próximo. Afinal de contas, ambos são uma cópia descarada de Duro de Matar, só que temperada com todo o patriotismo mais irritante que o cinema americano pode enfiar goela abaixo do público. Ao contrário de O Ataque e sua profusão de efeitos especiais capengas e tom operístico, porém, esse Invasão À Casa Branca tem a seu favor o fato de não se levar tão a sério. Há um cheiro de filme B no ar durante toda a projeção, das atuações canastronas à violência exagerada (bem comandada por Antoine Fuqua, de Dia de Treinamento), do mocinho casca-grossa e boca-suja (um eficiente Gerard Butler que dispara frases de efeito a todo e qualquer momento) ao vilão que parece saído de um mangá (Rick Yune, de Ninja Assassino). A trama é tão absurda e cheia de excessos que mesmo os momentos mais irritantes acabam soando engraçados (quando uma personagem é arrastada para ser fuzilada e começa a gritar: "eu juro lealdade à bandeira americana" é de se perguntar como é que o resto do elenco conseguiu filmar aquilo sem cair na gargalhada). Mira em Duro de Matar, mas acerta em Comando Para Matar. Nota 6

6 - O Mordomo da Casa Branca (The Butler, 2013): produção feita sob medida para concorrer a indicações ao Oscar, utiliza o seu personagem-título como testemunha ocular de toda e qualquer vitória do movimento dos direitos civis dos negros nos EUA no último século. Essa abrangência toda, no entanto, opera em desfavor da narrativa, que torna-se episódica demais para despertar toda a gama de emoções pretendidas pelo diretor Lee Daniels, de Preciosa - Uma História de Esperança. O inacreditável elenco reunido é praticamente todo reduzido a pontas de luxo (se piscar, é capaz de não notar nomes como Mariah Carey, Lenny Kravitz, Cuba Gooding Jr., Terrence Howard, Vanessa Redgrave, Robin Williams, John Cusack, James Marsden, Alan Rickman, Jane Fonda e Liev Schreiber, muitos deles sob maquiagem pesada). É um bom filme e de certa forma importante do ponto de vista temático, mas as únicas indicações a prêmios que realmente mereceria vêm de seus protagonistas (Forest Whitaker e, principalmente, de uma surpreendente Oprah Winfrey), ambos ótimos em cena. Nota 7

7 - Bling Ring: A Gangue de Hollywood (The Bling Ring, 2013): quem diria que Sofia Coppola, filha de Francis Ford, tão criticada como atriz em O Poderoso Chefão III, poderia se tornar uma cineasta de mão tão cheia que, já com uma filmografia consistente, se desse ao luxo de virar porta-voz de uma geração que nem é a sua (ela já tem 42 anos). Retomando a temática de As Virgens Suicidas, Um Lugar Qualquer e Maria Antonieta, Sofia segue tentando desvendar a autointitulada geração Y nas telas, aqui em um nicho que conhece melhor do que ninguém: entre os adolescentes filhos de ricos e famosos na burguesia californiana. Partindo do caso real em que um grupo de riquinhos saqueou as mansões de famosos em Beverly Hills, a cineasta faz um curioso (e muitíssimo bem-vindo) retrato da inconseqüência e alienação da atual geração de teenagers, sejam eles americanos ou de qualquer canto isolado no mundo, com toda a obsessão dos atuais jovens por redes sociais, música descartável e ostentação. A gangue retratada aqui não é muito diferente dos filhos de nossos vizinhos, o que é uma constatação tão alarmante quanto elogiável para a acurada lente apontada por Sofia, esse caso raro de filha de famosos que aprendeu como ninguém a registrar com olhar crítico o próprio ninho em que foi criada. Nota 8

** 8 - A Princesa e o Plebeu (Roman Holiday, 1953): simplesmente uma das melhores comédias românticas já realizadas. Charmoso, com um casal central adorável (Gregory Peck e Audrey Hepburn, linda pra mais de metro) e sem nunca agredir a inteligência do público, é um filme que envelheceu muito bem. Tanto que faz corar a maioria das tentativas modernas no gênero, principalmente por conseguir o que a enorme maioria das produções atuais não consegue: fazer o espectador realmente se importar e torcer pelo casal de protagonistas. É essa pegada que não despreza o intelecto da platéia que salta aos olhos aqui, tanto quanto o verdadeiro cartão-postal filmado de Roma, uma das maiores homenagens à Cidade-Eterna que o cinema já produziu. O resultado é impecável mesmo quando revisto depois de anos. E faz pensar por que raios Hollywood não consegue produzir há tanto tempo algo no gênero tão eficiente assim? Nota 10

* 9 - Álbum de Família (August: Osage County, 2013): longe de ser o dramalhão adocicado que o trailer e toda a campanha de marketing anunciava, é um retrato por vezes amargo e outras vezes tragicômico das relações humanas, não só familiares como indica o título nacional (e é interessante que a única relação entre personagens genuinamente amorosa seja entre dois que, lá pelas tantas se descobre, não são unidos por laços de sangue). Já foi indicado em todas as premiações de 2013 nas categorias de atuação e roteiro e provavelmente irá ser lembrado no Oscar 2014. Apesar do reconhecimento das interpretações ser o destaque até aqui (e absolutamente TODOS estão excepcionais em cena, desde Meryl Streep e Julia Roberts, as principais cotadas, até Chris Cooper, Ewan McGregor, Juliette Lewis, Margo Martindale, Sam Shepard, Dermot Mulroney, Benedict Cumberbatch, Julianne Nicholson e Abigail Breslin), a grande estrela do filme é o belo texto do dramaturgo e roteirista Tracy Letts, responsável pelas peças que deram origem também aos ótimos Possuídos (Bug) e Killer Joe - Matador de Aluguel (Killer Joe), ambos de William Friedkin. O roteiro é de uma precisão assombrosa, desvelando predicados e defeitos de caráter em personagens muito próximos de quem conhecemos intimamente. É um deleite assistir a um filme que aponta o dedo para feridas sem nunca escolher o caminho fácil de encontrar culpados ou vilões de ocasião. Impossível não se identificar com algum dos familiares reunidos em cena (a seqüência do jantar, que reúne o elenco inteiro e alterna drama e comédia a cada 10 segundos, é emblemática e a melhor do filme). Uma sessão de terapia em grupo das boas. Uma bela surpresa. Nota 8,5

10 - Amigos Inseparáveis (Stand Up Guys, 2012): é uma pena que um elenco de veteranos de primeira grandeza (Al Pacino, Christopher Walken e Alan Arkin) pareça tão à vontade diante das câmeras, mas nem o roteiro nem a direção consigam dar-lhes nada relevante para fazer. O resultado é uma hora e meia de micagens em uma história genérica e sem estrutura alguma, comandada de forma frouxa pelo também ator Fisher Stevens (Short Circuit: O Incrível Robô). Sobram uma e outra piada eficientes, todas elas comandadas pelo timaço de atores reunidos em cena. Mas é muito pouco. Nota 5  

11 - O Retorno de Johnny English (Johnny English Reborn, 2011): quando não interpreta o personagem que lhe rendeu fama (Mr. Bean), o comediante Rowan Atkinson parece visivelmente limitado em suas gags. Por outro lado, o humor físico do comediante cai bem com essa variação do personagem imortalizado por Peter Sellers na franquia Pantera Cor-de-Rosa. Na verdade, apesar do roteiro genérico e da direção burocrática, mas eficiente, o filme nunca atinge excelência, mas mesmo assim é capaz de arrancar algumas boas risadas, principalmente quando Atkinson investe em seqüências que não necessitam de diálogo, marca registrada de Mr. Bean. Diverte e é melhor do que o apenas regular primeiro filme. Nota 6,5  

* 12 - Ninfomaníaca - Volume 1 (Nymphomaniac - Volume 1, 2013): a cópia que chegou aos cinemas é aquela cortada, sem as cenas de sexo explícito estendidas que estarão presentes somente na versão em dvd/bluray, o que não altera em nada o produto final. Ninfomaníaca já é, independentemente do que o Volume 2 revelar-se, o filme mais acessível de Lars Von Trier desde Ondas do Destino, de 1996. Quem for assistir ao filme esperando uma experiência excitante (em geral, fãs daqueles filmes classe Z que passam na madrugada da Band nos finais de semana) provavelmente vai sair do cinema decepcionado ou (espero) constrangido, pois Ninfomaníaca anuncia desde o título que a abordagem do sexo aqui é pelo viés da doença, não do prazer. Ainda se fazem presentes aqui a obsessão de Von Trier pela psicanálise e a sua propensão a afrontar o moralismo vigente, mas nem de longe é o longa com potencial mais ultrajante do diretor. Pelo contrário: percebe-se em Ninfomaníaca uma óbvia preocupação em contar uma história mais linear, sem arroubos desnecessários de virtuosismo narrativo, mesmo que esses ainda apareçam aqui e ali, mas sempre como ferramentas que auxiliam o roteiro (a analogia da mecânica da sedução com as técnicas da pescaria e a sinfonia dos 3 amantes são os exemplos mais eficientes da mão do cineasta enquanto contador de histórias). As atuações são um show particular. Christian Slater e Uma Thurman, nesse primeiro volume, têm cada um o seu momento particular de brilho, mas é mesmo o sempre eficiente Stellan Skarsgard o dono do melhor personagem do filme, uma espécie de grilo falante que guia o público através das reminiscências da protagonista Charlotte Gainsbourg (ótima), cujo personagem é interpretado na versão jovem pela belíssima estreante Stacy Martin. O problema é que, quando o filme parece estar atingindo o seu ápice, a tela escurece e é anunciado o fim do volume 1, sem pompa nem circunstância. Resta esperar alguns meses para conhecer o desfecho da história, que até aqui reafirma Von Trier como um dos diretores mais interessantes da atualidade. Nota 8

* 13 - O Lobo de Wall Street (The Wolf Of Wall Street, 2013): o mais recente Scorsese é um filme de excessos. A começar pela desnecessária duração de 3 horas, que poderia muito bem ser reduzida na mesa de edição. É uma longa espiral de sexo, drogas e gastança de grana pra letrista de funk ostentação nenhum botar defeito (e a deliciosa loiraça Margot Robbie é a síntese desse mundo de glamour em que está ambientado o filme). O lado bom é que Scorsese parece aqui tão, mas tão à vontade que o desenvolvimento absolutamente surtado do filme faz as horas passarem voando na tela. Isto porque o veterano cineasta de 71 anos conseguiu enxergar nesse conto amoral sobre ascensão e queda de um figurão de Wall Street (baseado em livro escrito pelo próprio protagonista) a mesma cartilha e os mesmos códigos de conduta adotados pelos mafiosos vistos em alguns de seus trabalhos mais memoráveis (é, de fato, um retorno ao mesmo mundo de Caminhos Violentos, Os Bons Companheiros e Cassino). O ótimo roteiro de Terence Winter (do excelente seriado Boardwalk Empire, da HBO, não por acaso produzido pelo próprio Scorsese) se preocupa muito mais em estabelecer a falta de ética e moral do mundo em que habitam seus personagens do que tentar lecionar ao público os mecanismos e engrenagens em que atuam, distanciando o filme de outras abordagens do mundo da corretagem na bolsa de valores, como Wall Street - Poder e Cobiça, de Oliver Stone. Essa abordagem diametralmente oposta é escancarada explicitamente em duas cenas específicas, quando o protagonista quebra a quarta parede e, falando diretamente com a platéia, afirma não ser necessário entender as operações feitas pelos personagens, mas apenas compreender que são ilegais. Divertido demais em certos momentos (toda a seqüência que envolve uma overdose de quaalude lembra inclusive o humor físico dos filmes de Jerry Lewis, que trabalhou com Scorsese em O Rei da Comédia), O Lobo de Wall Street é a produção perfeita para o diretor reafirmar sua vitalidade enquanto mestre da narrativa cinematográfica: estão ali todas as suas marcas registradas, dos travelings aos planos-seqüência, da edição vertiginosa à trilha sonora roqueira, da narração em off que funciona como um personagem em si até o protagonista amoral com quem o público inevitavelmente se identifica. Leonardo DiCaprio está muito bem em cena e não seria injusto levar o Oscar 2014, o que provavelmente não vai acontecer (vai perder para Matthew McConaughey, que ironicamente faz uma impagável ponta no começo do filme). Já Jonah Hill está muito divertido, mas sua indicação não serve para coisa alguma além de ter roubado o lugar de Daniel Brühl em Rush, esse sim merecedor da lembrança da Academia. No final das contas, O Lobo de Wall Street é a viagem lisérgica que ainda faltava à parceria Scorsese-DiCaprio. Que venham outras overdoses de libidinagem como essa no futuro. Nota 9

14 - O Passado (Le Passé, 2013): o cineasta Asghar Farhadi (À Procura de Elly, A Separação) reafirma o seu incrível talento para transformar relatos intimistas em uma sucessão de surpresas que vão revelando aos poucos as camadas de seus roteiros. Mesmo filmando em Paris, Farhadi mantém o ritmo iraniano que lhe consagrou, aproveitando cada cena como se fosse uma peça de quebra-cabeças a ser desvendado pelo espectador. Faz falta o caráter social de seus trabalhos anteriores, em que utilizava a narrativa com foco em relações humanas para discursar de forma velada sobre a realidade de seu país de origem, o que tornava o produto final ainda mais fascinante. De qualquer forma, aqui o diretor acerta mais uma vez com uma história cuja humanidade é muito bem traduzida por uma última cena inspiradíssima. Bérénice Bejo (O Artista) está, além de linda, ótima em cena. Nota 8

15 - A Casa de Tolerância (The Seasoning House, 2012): começa muito bem essa produção independente inglesa, que explora de forma crua e violenta o submundo da exploração sexual infantil como poucos estúdios já haviam se arriscado a colocar na telona. A direção de arte corretíssima torna a história, por si só claustrofóbica, em um grande exercício de tensão. É uma pena que, em sua meia-hora final, o filme descambe para um jogo de gato e rato que, apesar do banho de sangue muito bem encenado (o diretor Paul Hyett foi maquiador de, entre outros, Abismo do Medo e A Mulher de Preto), esbarra em absolutamente todo e qualquer clichê dos slasher movies, tornando o resultado final uma produção meia-boca que não faz jus nem ao promissor desenvolvimento mostrado até ali, muito menos à ótima atuação de sua protagonista, a pequena Rosie Day, eleita Melhor Atriz no Fantaspoa 2013. Nota 5,5

16 - É O Fim (This Is The End, 2013): co-dirigido e estrelado por Seth Rogen (Ligeiramente Grávidos), é um projeto rodado de forma meio caseira entre camaradas da comunidade hollywoodiana. Rogen e seus comparsas James Franco (Segurando As Pontas), Jonah Hill (Superbad: É Hoje), Jay Baruchel (Ela É Demais Para Mim), Craig Robinson (A Ressaca) e Danny McBride (Sua Alteza?) interpretam versões exageradas deles mesmos em meio ao Apocalipse bíblico. O tom do filme talvez só seja apreciado em todo o seu potencial para quem seja familiarizado com os atores das produções de Judd Appatow (O Virgem de 40 Anos). Isso porque o conceito todo é de uma brincadeira enorme entre amigos, tirando sarro a todo momento dos bastidores de Hollywood e de suas próprias condições de astros da comédia americana atual. Sobram farpas e fogo amigo para todos os lados e algumas das gags e piadas funcionam como uma autocrítica à indústria como não se via há tempos nas telas (lembra inclusive em alguns momentos o ótimo seriado Entourage, ambientado nos bastidores dos estúdios de Los Angeles). É esse desprendimento e o clima de camaradagem, aliado à evidente disposição do elenco em entrar de cabeça na brincadeira, que rendem os melhores momentos de uma das melhores comédias do ano passado. As inúmeras pontas de figurinhas carimbadas do imaginário pop (de Emma Watson a Rihanna) são excelentes, com destaque para as geniais aparições de Michael Cera e Channing Tatum, impagáveis. Narrado de forma gaiata e sem qualquer preocupação com a lógica, é daquelas comédias que todo grupo de amigos já pensou em rodar em um final de semana ocioso só pelo prazer de rir de si mesmo. Só por isso já é um programa que se distingue (e supera) 90% das comédias lançadas ano a ano. O único problema é conseguir tirar da cabeça Everybody, do New Kids On The Block, ao final da sessão. Nota 8

* 17 - A Grande Beleza (La Grande Bellezza, 2013): eis aí o primeiro filme legitimamente apaixonável a aportar nos cinemas gaúchos em 2014. Pelo menos por uma parcela do público, aquela que não sairá do cinema no meio da exibição sem compreender o que diabos está passando na tela, como uns quantos na sessão em que eu assisti. A Grande Beleza é capaz de despertar amor e ódio dependendo do CPF de quem se aventure por suas duas horas e vinte minutos que passam como um sonho diante dos olhos. O longa de Paolo Sorrentino (As Conseqüências do Amor, Aqui É O Meu Lugar) é dessas produções que apaixonam ou repelem à primeira vista. O roteiro acompanha Jep (o excepcional Toni Servillo), autor de um romance que o tornou milionário, mas que nunca mais conseguiu escrever algum livro e que, aos 65 anos de idade, leva a vida entre inúmeras festas no high society romano e fazendo entrevistas para uma revista local. A proposta de Sorrentino, como fica evidente desde o belo primeiro plano do filme, quando um turista japonês morre de infarto perante a beleza de Roma vista do alto de um de seus morros, é ilustrar a miopia com que a sociedade moderna vislumbra a vida (e a morte). Sobram farpas para todos os arquétipos mais presentes na burguesia moderna: o jovem eternamente deprimido e que justifica seu estado de espírito por textos que jamais compreenderá, a dondoca que maquia a própria baixa autoestima ao colocar-se em um patamar de suposta superioridade intelectual e moral perante os amigos, o dramaturgo frustrado que tenta emplacar uma peça para impressionar a amada que lhe despreza, e por aí vai. A fauna é variada, assim como o vazio dos encontros sociais dessa alta sociedade é disposto de forma crua e ao mesmo tempo etérea. As imagens são um deslumbre só. Poucas vezes Roma foi retratada com tamanha paixão no cinema. Remetendo a todo momento a Fellini, desde os personagens surreais (a "santa" de 104 anos) e situações que forçam a todo o momento a linha entre o real e o sonho (as aparições da girafa e dos flamingos) até o próprio figurino utilizado pelo protagonista, que remete imediatamente a 8 e 1/2, A Grande Beleza também tem ecos de Terrence Malick nas tomadas permanentemente em movimento, com narrativa em off ao fundo, e até do olhar fantasioso de Jean-Pierre Jeunet sobre a realidade. Com uma trilha sonora que beira a perfeição absoluta, o filme ainda se dá ao luxo de permear a narrativa com músicas absolutamente diversas, que no entanto compõem com as cenas uma química tão azeitada que justifica o estado de torpor da parcela do público que se deixa levar por essa viagem. É através dessas figuras e cenários exagerados com que Sorrentino busca ilustrar (e desconstruir) a classe alta romana (e, por extensão, mundial) que o filme acaba por evidenciar os motivos pelos quais o protagonista não consegue encontrar "a grande beleza" que lhe serviria de inspiração para voltar a escrever. Todo esse virtuosismo cultural contemporâneo (um enorme truque, como explicitado ao final do filme) acaba por nublar a visão do protagonista (e de nós próprios) para o que realmente importa: as enormes pequenas belezas contidas  em nosso cotidiano. Assim como as pessoas que saíram da sala sem perceber do que "cazzo" A Grande Beleza trata, é preciso olhar com mais atenção para as pequenas coisas de nossa vida. Um filme fantástico. Nota 9

18 - G.I. Joe: Retaliação (G.I. Joe: Retaliation, 2013): que o cinema de ação vive uma séria crise de identidade é assunto já velho. Agora, pegar essa continuação aqui como parâmetro é uma das maiores covardias que se poderia cometer. Trata-se de uma sucessão aborrecida de efeitos digitais que não consegue mais do que encher o saco de qualquer vivente com um mínimo de discernimento crítico. Haja saco para aguentar as quase duas horas de duração disso aqui. Se o primeiro filme já era difícil de engolir, essa sequência consegue ser pior em todos os níveis. Não há nada, mas absolutamente nada, no roteiro que remotamente justifique certa continuidade com o primeiro filme. Aliás, por falar em roteiro, é uma das mais absurdas patriotadas que pintaram nos cinemas nos últimos anos, muito mais destrambelhada que produções que já se mostraram um hino nacionalista ianque (e piada pronta) em celulóide no ano passado como Invasão À Casa Branca e O Ataque. O resultado é tão vergonhoso que nem The Rock, geralmente um brutamontes simpático, consegue conter o embaraço diante dos diálogos pavorosos. E Bruce Willis, faça-me o favor: depois disso aqui, Fuga Implacável, Fogo Contra Fogo e daquele vergonhoso Duro de Matar 5, aposente-se enquanto é tempo. Para não ficar só na malhação, o filme contém uma (UMA) cena de ação bem feitinha: um embate entre ninjas na encosta de uma montanha. Mas só de escrever isso já se tem uma noção do absurdo que é o filme como um todo. Nota 3

19 - Vendo Ou Alugo (2013): onde foi parar o excelente timing cômico demonstrado pela diretora Betse de Paula em O Casamento de Louise, longa de 2001? Essa pergunta não é respondida por essa chanchada moderna que nunca encontra ritmo ou graça. É verdade que Marieta Severo se sai, como sempre, maravilhosamente bem como protagonista cômica mesmo quando o texto não ajuda em nada, mas não dá para aturar o ritmo descompassado do filme, que usa o fiapo de argumento (uma família burguesa falida que tenta se desfazer de casarão que foi circundado por uma favela no Rio de Janeiro) sem qualquer preocupação em fazer uma crítica social decente, o caminho que, bem utilizado, poderia resultar em uma comédia com viés político muito interessante. No lugar, desfilam pela tela personagens estereotipados (o pastor de André Mattos é bem concebido, mas nunca decola) e datados (filha riponga em pleno século 21 é dose), além da opção por piadinhas que fariam a felicidade do público-alvo de A Praça É Nossa (a suposta "homenagem" a 2001- Uma Odisséia No Espaço é desde já um dos momentos mais constrangedores da cinematografia brasileira). Um desperdício de talento, tempo e dinheiro. Menos mal que Bruno Mazzeo não aparece em nenhuma ponta (quem pinta é seu irmão um pouco menos odiável, Nizo Neto, o Seu Boneco da Escolinha do Professor Raimundo). Nota 3

20 - Quebrando o Tabu (2011): produzido pelo tucano (em todos os sentidos) Luciano Huck, esse documentário tem causa nobre (discutir a legalização das drogas leves como opção para o fracasso do combate às drogas pelos governos mundiais), mas esbarra na parcialidade com que foi concebido, colocando o ex-presidente FHC como paladino do assunto. O filme segue Fernando Henrique em seu périplo por diferentes países, sempre sustentando que a única opção viável para a questão seria a legalização principalmente da maconha ao registrar somente os casos em que tal medida produziu efeito positivo. A temática é ótima e os entrevistados são fascinantes, efeito direto da posição de ex-presidente de FHC, o que garantiu acesso a altos escalões governamentais de vários países. O problema é que o filme gasta muito tempo tentando endeusar FHC como paladino do assunto e, ao final, o próprio personagem titubeia ao afirmar de forma expressa sua opinião sobre o assunto (provavelmente medo do reflexo na opinião pública). Esse viés ideológico é evidente na opção do longa em não registrar avanços na política de nenhum governo latino-americano em relação às drogas. A montagem é muito boa e há momentos geniais, como aqueles em que o ex-presidente americano Bill Clinton confessa que todas as suas decisões em relação ao combate às drogas foram equivocadas ou quando o ator Gael Garcia Bernal revela que tinha uma pequena plantação de maconha no quintal de casa na adolescência. Já o depoimento de Paulo Coelho, veterano no uso de drogas, é o mais eloquente e esclarecedor do filme inteiro. Mesmo assim, é uma produção que, em apenas dois anos de seu lançamento, já soa datada, após a liberação da maconha no Uruguai e no Estado americano do Colorado. Um bom documentário, mas que serve mais como prólogo para discussão do que propriamente como debate em si. Além do mais, os realizadores perderam a chance de dar ao filme o título óbvio e acertado: Queimando (e não Quebrando) o Tabu. Nota 6,5

* 21 - 47 Ronins (47 Ronin, 2014, em 3D): massacrado pela crítica e praticamente ignorado pelo público americano, essa nova adaptação para o cinema da lenda nipônica dos 47 ronins virou um cachorro morto a ser chutado. Não é para tanto, mas são justificáveis as críticas. Se por um lado há um esmero na direção de arte e no figurino que aproximam a produção daquelas com DNA oriental, a produção acumula defeitos e falhas enormes que a distanciam de um resultado satisfatório. A começar pela indecisão no tom emprestado ao roteiro. A campanha de marketing foi elaborada vendendo um produto que era recheado de fantasia (e há criaturas fantásticas e efeitos de CGI abundantes ao longo do filme, a exemplo do dragão no clímax que é a cara e o focinho do cachorro alado de A História Sem Fim). Já o desenvolvimento da narrativa parece optar pelo registro demasiadamente respeitoso da lenda japonesa. O resultado é uma produção que nunca se decide entre abraçar o espetáculo (o que seria a melhor opção) ou a seriedade (para isso, porém, seria preciso um diretor com mão cheia e um elenco realmente competente). Esse híbrido de ideias deu à luz um projeto em que a narrativa é incrivelmente arrastada (só para colocar a trama no ponto de partida gastam-se intermináveis 50 minutos), com elementos que parecem saídos da franquia O Senhor dos Anéis inseridos a esmo aqui e ali. O fato de não haver no filme sequer um vislumbre de bom humor (as duas únicas cenas cômicas são protagonizadas por um coadjuvante gordinho e ambas usam o seu tipo físico para fazer rir) também incomoda e muito. Esse timbre sisudo é adotado por Keanu Reeves, que, já um ator limitado, entrega uma da mais inacreditavelmente apáticas interpretações que se tem notícia nos últimos anos. O seu "herói" (pois nem o protagonista do filme ele se revela) é um sujeito monossilábico e chato pra mais de metro, uma espécie de Cigano Igor do Japão de outrora (a atuação beira o autismo, na verdade, principalmente nas cenas pretensamente românticas). Já Rinko Kikuchi, tão adorável em Círculo de Fogo, faz aqui uma vilã com canastrice digna de novela da Globo. Se ao menos chamassem um coreógrafo de lutas decente, o filme pelo menos se destacaria pelas cenas de ação (afinal, estamos falando do astro que fez o diabo em Matrix!!!!), o que não é o caso aqui. Todas as sequencias de ação são absolutamente descartáveis (o 3D convertido nunca diz a que veio) e esquecíveis ao final da sessão. Se for em um domingo de tempestade, dá pra dar uma espiada. Se der Sol, mantenha-se longe. Se nublar, prefira jogar paciência no computador. Nota 5

 22 - Paris-Manhattan (Paris-Manhattan, 2012): sob o pretexto de fazer uma homenagem a Woody Allen, a diretora e roteirista estreante Sophie Lellouche criou essa comédia romântica boba que, com os filmes do diretor de A Rosa Púrpura do Cairo, só guarda mesmo identidade ao incluir a cidade-fetiche do cineasta no título. Aliás, o único elo entre a produção e a cinematografia de Allen é o pôster do diretor com que a protagonista (a bonitinha Alice Taglioni, do remake de A Pantera Cor-de-Rosa) trava diálogos absolutamente desinteressantes durante o filme. A "homenagem" para por aí mesmo (isso se não contarmos a constrangedora ponta de Woody, que sabe-se lá por que diabos topou interpretar a si mesmo durante alguns minutos do clímax da produção). A verdade é que o filme não é muito diferente de qualquer comediazinha brasileira dessas da nova safra, com um humor que não raro cai na completa idiotice (a cena do assalto à farmácia da protagonista caberia perfeitamente em um quadro do Zorra Total). Ao contrário da concisão das tramas de Allen, aposta em tramas paralelas patéticas nunca desenvolvidas e personagens estereotipados sem a menor graça. Se o charme da atriz principal pelo menos fosse transmitido por osmose para o roteiro, não seria uma completa perda de tempo. Até porque nem Paris o filme consegue retratar com um milésimo do encanto com que Woody registra as cidades que lhe servem de locação. Nota 4

23 - Heróis de Ressaca (The World´s End, 2013): terceira parte da "trilogia Cornetto", nome criado para designar a parceria cinematográfica do diretor Edgar Wright (Scott Pilgrim Contra O Mundo) com os atores Simon Pegg e Nick Frost, é daquelas comédias inglesas irresistíveis, principalmente para quem já se divertira até dizer chega com as colaborações anteriores da trupe (Todo Mundo Quase Morto e Chumbo Grosso), todas elas reverenciando (e parodiando) gêneros consagrados do cinema. No caso de Heróis, a graça aqui é fazer graça com uma invasão alienígena que casa justamente com a peregrinação etílica de um grupo de quarentões que se conhece desde a adolescência. Além de Pegg e Frost, são adicionados ao elenco os excelentes Paddy Considine (Terra de Sonhos), Martin Freeman (O Hobbit) e Eddie Marsan (Simplesmente Feliz), que garantem o timing do humor lá em cima. Como se não bastasse, Pierce Brosnan faz uma ponta impagável como o ex-professor liberal da turma de amigos. Heróis de Ressaca é engraçado, bem dirigido (as cenas de ação são especialmente eficientes) e com atuações de rachar o bico. Baita grand finale para uma das parcerias mais inspiradas dos últimos anos. A ressaca vai ser esperar até esse povo se reunir de novo na telona. Nota 8

24 - O Grande Gatsby (The Great Gatsby, 2013): quem diria que o maior obstáculo para essa nova adaptação do romance de F. Scott Fitzgerald não seria o texto propriamente dito? O grande problema aqui é controlar a persona demasiadamente expansiva do diretor Baz Luhrmann (Romeu + Julieta, Austrália), que a todo momento parece se impor ao romance original. Isso resulta em uma produção de encher os olhos (o figurino e a direção de arte, indicados ao Oscar 2014, são impecáveis), mas com pouco espaço para o desenvolvimento da história imaginada por Fitzgerald. A mão de Luhrmann pesa mesmo é na opção recorrente em seus trabalhos de utilizar músicas modernas em um contexto histórico (o resultado aqui, que substitui o jazz da época em que se desenrola a narrativa, pelo hip-hop, não funciona como em Moulin Rouge, por exemplo) e no excesso de efeitos em CGI, que devem ter ficado ótimos em 3D, mas que vistos de forma convencional simplesmente não conseguem transpor o público para a Nova York do início do século ao soarem na maior parte da produção tão artificiais quanto uma animação da Disney. Por outro lado, o elenco entrega atuações seguras e a história é tão rica e atual em significados que fica difícil não se envolver com essa critica social travestida de melodrama de época. No final das contas, é um belo trabalho, mas nem de longe é a adaptação definitiva do abrangente registro da sociedade americana pré crash da Bolsa que o livro de Fitzgerald propõe. Nota 7

25 - Finalmente 18 (21 & Over, 2013): a tradução absurda do título original, que ignora a idade de um dos protagonistas e simplesmente a troca por aquela que representa a maioridade no Brasil seria por si só um ato de imbecilidade, mas o conteúdo dessa comédia dirigida pelos roteiristas de Se Beber, Não Case faz essa mancada da distribuidora brasileira parecer o menor dos equívocos. Retratando a juventude americana como um bando de babacas alcoólatras e machistas, o filme é uma sucessão interminável de cenas grotescas que, através de piadas grosseiras, tenta em vão arrancar a fórceps alguma risada do público (não consegue sequer um sorriso de canto de boca). É tanta misoginia e racismo reunidos que assistir ao longa é um teste para o estômago de qualquer um com um mínimo senso de decência moral. Os latinos, especialmente (mas também os orientais), são renegados aos estereótipos mais irresponsáveis e canalhas já registrados pelo cinema ianque nos últimos anos. Tamanha cara-de-pau deveria ser premiada não com o lançamento nos cinemas, mas sim com um processo judicial contra os realizadores. Não só pelo preconceito, mas principalmente pela inépcia para o ofício cinematográfico. Lixo daqueles bem fedorentos. Nota 1

26 - Rota de Fuga (Escape Plan, 2013): espécie de sonho molhado dos adolescentes das décadas de 80 e 90, ver Stallone e Schwarzenneger dividindo a tela pela primeira vez (Os Mercenários e sua seqüência não contam, pois o austríaco fazia pouco mais do que uma mera ponta de luxo), esse Rota de Fuga não desaponta. Pelo contrário, entrega mais do que o fã mais xiita esperaria de uma produção que serve de mera desculpa para reunir os dois brutamontes veteranos na telona. Dirigido com alguma eficiência por Mikael Hafström (Fora de Rumo, 1408, O Ritual), é o roteiro que surpreende aqui ao optar por não seguir o caminho batido do cinema de ação descerebrado que fez a fama dos astros no século passado. Aliás, a trama guarda reviravoltas interessantes e acrescenta doses (homeopáticas, é verdade, para não espantar o público-alvo) de neurônios ao subgênero do filme de fuga de presídio. O texto faz questão de incluir um bem-vindo senso de autoparódia nos diálogos que marcam a relação entre os personagens de Stallone e Schwarzza, o que torna a química entre os dois especialmente azeitada. Uma diversão das boas (e que surpreendentemente não agride a inteligência), digna do hype cozinhado por décadas pelos marmanjões que ainda conseguem encontrar defesa para Comando Para Matar e Cobra. Nota 7

27 - Temporário 12 (Short Term 12, 2013): injustamente ignorado pelas principais premiações do final de 2013 e começo de 2014, incluindo Globo de Ouro e Oscar, apesar de ter recebido inúmeros prêmios em festivais no decorrer do ano passado, é uma grata surpresa vinda do cinema independente americano. Registra sem mimimis desnecessários a rotina de profissionais e internos em uma casa de passagem americana. Conta com personagens tridimensionais (principalmente a excelente protagonista interpretada com garra por Brie Larson, vista em Anjos da Lei e Como Não Perder Essa Mulher) e um roteiro que não se acovarda em expor todas as contradições e percalços inerentes a essa modalidade de serviço social. O texto é esperto, a condução é muito envolvente e o resultado é um dos grandes pequenos filmes dos últimos anos. Convém decorar o nome do diretor Destin Cretton porque ele, a julgar por essa amostragem, promete. Nota 8,5

* 28 - Philomena (Philomena, 2013): que coisa boa ver Stephen Frears (Ligações Perigosas, Alta Fidelidade, A Rainha) recuperar a plena forma depois da pavorosa tentativa de fazer comédia americana em O Dobro Ou Nada. Contando com um roteiro irreparável do ator e co-protagonista Steve Coogan (A Festa Nunca Termina, Trovão Tropical), é um filme que começa sem grandes rompantes, mas vai gradualmente revelando a incrível história que lhe serve de base, um daqueles contos da vida real difíceis de acreditar que ocorreram de verdade (e o tapa de luva de boxe que dá não só na Igreja Católica, mas em todas as religiões que ainda insistem em impor aos fiéis uma dogmática de séculos passados, não poderia ser mais atual). O diretor demonstra mais uma vez habilidade de mestre em equacionar drama e comédia no mesmo longa, às vezes na mesma cena, sem que isso represente um obstáculo narrativo (pelo contrário, é uma marca que alça a produção a um outro patamar, muito, mas muitíssimo distante de qualquer limitação de gênero boboca). E nem é preciso dizer que Judi Dench cria aqui mais uma daquelas personagens inesquecíveis que, com todas as idiossincrasias próprias da pessoa real em que se baseia, resulta numa performance adorável e que encontra química perfeita com Coogan, formando uma daquelas duplas que poderiam render uma franquia inteira sem cansar o público em momento algum. Um filme que devolve ao mundo uma inacreditável (e importantíssima) história que berrava por ser contada. Bem vindo de volta, mr. Frears. Nota 8,5

* 29 - Trapaça (American Hustle, 2013): engraçado como são justamente os filmes de David O. Russell que não tiveram tanto hype da mídia (Procurando Encrenca, Três Reis, Huckabees - A Vida É Uma Comédia) aqueles eu considero os pontos altos de sua carreira até aqui. Não que seus filmes adorados pelos membros da Academia (O Vencedor, O Lado Bom da Vida e Trapaça) não sejam belos trabalhos, pelo contrário. É que parece que o cineasta se acomodou em uma poltrona segura, limitando todo o seu evidente talento em tramas que buscam situar-se naquele difícil limiar que une magicamente a aprovação da crítica e do público (tarefa que vem sendo muitíssimo bem-sucedida, diga-se de passagem). Trapaça é o filme em que o diretor  presta uma óbvia "homenagem" à obra de Martin Scorsese, desde os movimentos abruptos de câmera até as múltiplas narrações em off, dos planos-sequência e personagens exagerados até a ótima ponta do ator que melhor representa a filmografia de Martin. Pena que essa ode ao trabalho de Scorsese veio na pior das horas, quando o próprio maestro demonstra pleno domínio do ofício em O Lobo de Wall Street, um filme muito superior a Trapaça, tanto em forma quanto em conteúdo. De qualquer forma, Trapaça ainda é um filme bem bacana, com sua precisa ambientação na década de 70 (filmado em película e envelhecido na pós-produção, a fotografia só funciona mesmo na tela do cinema, impossível de ser mimetizada pela digitalização dos screeners que muitos baixaram antes do filme estrear), que conta com um design de produção fantástico e figurinos que, dentro da opção pela paródia, resultam em uma diversão a parte. O elenco todo está muito bom, mas são Christian Bale e Amy Adams que compõem os personagens mais interessantes (Bradley Cooper e Jennifer Lawrence fazem figuras histriônicas que funcionam dentro do registro cômico, mas não chegam a transpor a linha da caricatura), dando nuances a papéis que, em mãos erradas, ou empalideceriam ou descambariam para o ridículo. Quanto ao roteiro, é daqueles longas que apostam todas as fichas na surpresa ao final dos trambiques de seus protagonistas, coisa que funciona apenas medianamente, já que os golpes nem são lá tão intrincados quanto a exagerada metragem do longa (duas horas e vinte minutos) faria esperar. Um filme bem divertido, que flui bem na telona. Mas, de excepcional mesmo, só as perucas do elenco e os decotes de Adams e Lawrence, esses sim dignos de alguma premiação. Nota 7,5

30 - Linha de Ação (Broken City, 2013): começa até interessante esse thriller político que contrapõe Mark Wahlberg e Russell Crowe como mocinho e bandido ambíguos. A impressão que a meia-hora inicial transmite é que trata-se de uma homenagem sincera ao subgênero que nunca mais atingiu o sucesso que tanto ganhou na década de 70, quando clássicos como Três Dias do Condor, A Conversação, Todos Os Homens do Presidente e A Trama reuniam tensão e inteligência em doses precisas para agradarem tanto ao público quanto à crítica. Porém, é só começarem a ser revelados os motivos que movem a trama de Linha de Ação para ficar evidente que o roteiro é daqueles que salta para o precipício da imbecilidade sem paraquedas, com direito à famigerada cena do gravador com fita cassete escondido e tudo (um clichê irritante que sequer faz sentido nos dias de hoje). A burrice do roteiro é escancarada ainda mais quando o investigador interpretado com habitual ar apalermado por Wahlberg sofre para desvendar esquemas que gritam de tão óbvios e poderiam ser decifrados em segundos (a maracutaia revelada ao final do filme poderia ser facilmente descoberta por qualquer pirralho de 10 anos através do Google). Um perfeito exemplar do processo de idiotização que a sociedade (e o cinema, em sua esteira) vem sofrendo nas últimas décadas. Nota 3

31 - Você É O Próximo (You´re Next, 2011): legítimo exemplar da nova onda de produções de terror independente, é comandada com bastante convicção por Adam Wingard, que dirigiu curtas nas antologias O ABC da Morte e V/H/S 1 e 2. Cria um clima permanente de tensão entremeado por um humor gaiato que faz relevar o amontoado de buracos abissais de lógica do roteiro. Mesmo quando, lá pelo terceiro ato, o filme descamba para uma versão sinistra de Esqueceram de Mim, a produção ainda consegue manter o ritmo, muito em função da boa mise en scène e da bem equilibrada dose de humor negro, que dá ao longa um ar de produção B muito ciente de suas limitações. A protagonista, uma espécie de Rambo do novo milênio, dá o componente de girl power que faz a empreitada se adequar aos novos tempos, mesmo que a todo momento reverencie clássicos do gênero de outras décadas. Bem menos niilista que os similares Horas de Medo (o espanhol Secuestrados) e Os Estranhos (The Strangers), Você É O Próximo é o primo divertido da família. Para quem gosta de um bom banho de sangue, esse não é de lavar a alma, mas pelo menos refresca. Nota 7  

32 - Man Of Tai Chi (Man Of Tai Chi, 2013): surpreende a estreia de Keanu Reeves como diretor nessa sincera homenagem aos filmes de artes marciais das décadas de 60 e 70, em especial Operação Dragão. O roteiro, escrito por Michael G. Cooney, é um mero pretexto para a ação, com um fiapo de trama que aproveita todo e qualquer clichê de filmes de lutas dos últimos 50 anos e cria uma enorme colcha de retalhos em formato de longa-metragem. O que salta aos olhos, no entanto, é a boa mão com que Keanu Reeves trabalha cada cena, estabelecendo um insuspeito talento para criar imagens e sequências de impacto. O que importa, no entanto, é a pancadaria e ela funciona que é uma beleza. Coreografadas pelo mestre Yuen Woo-ping (Matrix, O Tigre E O Dragão, Kill Bill), as 18 (dezoito!!!) cenas de ação são ferozes, criativas e muito eficientes. O que espanta aqui é que, além de muito bem concebidas, são também filmadas com criatividade por Reeves, que adota uma rima visual específica para cada quebra-pau encenado, dando individualidade ao que perigava se tornar repetitivo. Se Keanu ainda demonstra ser um ator deplorável (a sua participação como o vilão do filme é digna de qualquer antologia de piores atuações da última década), pelo menos desponta como um diretor no mínimo competente. Um bom conselho seria reinventar-se atrás das câmeras, até porque diante delas não dá mais. Nota 7

33 - Sobrenatural: Capítulo 2 (Insidious: Chapter 2, 2013): James Wan (Jogos Mortais) já se provou um diretor de filmes de gênero competente e inclusive assinou uma das boas surpresas de 2013, Invocação do Mal (The Conjuring), lançado menos de dois meses antes dessa sequência de um sucesso anterior, o terrorzão Sobrenatual, de 2010. Ironicamente, a sugestão como ferramenta de criação do medo e dos sustos, o que deu muito certo em Invocação e no primeiro Sobrenatural, é praticamente abandonada aqui. Em seu lugar, há uma equivocada opção em explicar demais a trama, explorando justamente o ponto fraco do primeiro filme (um além-vida desinteressante e que não assusta nem criança de colo). Há ainda alguns sustos pontuais bem empregados, principalmente na primeira metade do longa, mas a partir do momento em que a trama vai sendo revelada é escancarada a fragilidade do roteiro e a maionese desanda totalmente. Sem contar com um vilão assustador como o demônio de face avermelhada do primeiro filme, Sobrenatural: Capítulo 2 provoca pesadelos mesmo só pela indigestão que causa. Nota 4,5

34 - Sob O Domínio do Medo (Straw Dogs, 2011): uma refilmagem do clássico comandado pelo mestre Sam Peckinpah já era, por si só, desnecessária. Aliás, já se mostrava uma idéia de jerico dessas que representam um desserviço à Sétima Arte pelo simples fato de ser cogitada por algum bando de engravatados de Hollywood. Ao chamar para a cadeira de diretor o bom Rod Lurie (A Conspiração), a produção ao menos atraiu para si o benefício da dúvida. E nota-se uma boa intenção do cineasta, que comanda com certa convicção a produção. Infelizmente, reencenar um filme como Sob O Domínio do Medo para a nova geração esbarra em um obstáculo inexpugnável: a trama básica do ótimo filme de 1971 (e o enredo do livro em que se baseava, The Siege Of Trencher´s Farm, de 1969) dialogava especificamente com um momento da história, o pós-Guerra do Vietnã, época em que o movimento flower power e a liberação sexual estavam em plena ebulição. Na segunda década do século XXI, não há quase resquícios daquela ideologia libertária em nossa sociedade, que, pelo contrário, apresenta sintomas exatamente opostos, com um pé bem fincado no conservadorismo e no maniqueísmo ditados por governos, religiões e infindáveis ideologias nascidas e reinventadas pelas novas mecânicas de interação social. Essa Babel moderna, em constante embate, não encontra representação na trama da novela escrita por Gordon Williams, muito menos no roteiro do filme setentista. Por isso, a nova versão, impossível de reeditar a relevância do clássico, só consegue esvaziá-la. O protagonista aqui, ao contrário do fascinante personagem de Dustin Hoffmann, é só mais um almofadinha qualquer, impossibilitado em almejar a identificação necessária do público. E, pecado dos pecados, a explosão de violência do clímax (encenada corretamente, há de se admitir, apesar de abandonar inexplicavelmente a subtrama que lhe serve de suporte e que envolve um personagem com problemas mentais) não tem como efeito a reflexão sobre a desumanização da sociedade, mas tão-somente a glorificação do "olho por olho, dente por dente". Nada mais distante da obra em que busca inspiração. Nota 5

* 35 - Um Conto do Destino (Winter´s Tale, 2014): num futuro próximo, não seria estranho imaginar que cinéfilos se reunissem, pipoca e cervejas na mão, para assistir a uma sessão tripla desse filme acompanhados de clássicos da ruindade como Gigli e Mulher-Gato. Estréia na direção de Akiva Goldsman, roteirista de sucesso responsável por Uma Mente Brilhante, Eu Sou A Lenda e Eu, Robô (mas também o cara que cometeu o texto de barbaridades como O Código Da Vinci, Batman Eternamente e Batman & Robin), a produção já começa dizendo a que veio, com uma narração em off que explica o blablablá fantástico que contextualizaria o filme, uma bobagem sem tamanho que envolve estrelas, luz e almas puras que mais parece um copia-e-cola daqueles textos de autoajuda dos Power Points que os malas mandavam por e-mail há dez anos atrás. E dê-lhe suspensão de descrença pra aturar duas horas com um Colin Farrell (geralmente um bom ator) com cara de dor de barriga. Sério: imaginei que a qualquer momento algum coadjuvante iria alcançar um Buscopan pro sujeito e a trama terminaria em final feliz. O roteiro parece ter sido escrito por alguém que tomou LSD e não conseguiu retornar para o Planeta Terra. Há de tudo no longa, desde demônios (preparem-se para a aparição surpresa de um certo astro de Hollywood pagando os pecados como Lúcifer) até anjos, de pedras preciosas mágicas até um cavalo alado que parece um primo pobre do logotipo da TriStar Pictures, dos anos 80 (tudo embalado por uma trilha sonora do mestre Hans Zimmer cujo tema toca em absolutamente todas as cenas, não importa o que esteja acontecendo na tela). São tantas situações e personagens absurdos enfiados em uma trama pra lá de viajandona que só existe uma maneira ideal de curtir o filme, afora obviamente a completa falta de senso crítico ou estar sob o efeito de drogas pesadíssimas: rir a valer do que acontece na tela (e eu e minha esposa literalmente CHORAMOS de tanto gargalhar durante a projeção e depois). Por outro lado, encarado como comédia involuntária, justiça seja feita, Um Conto do Destino funciona que é uma maravilha. Da atuação over de um Russell Crowe inacreditavelmente canastrão até a participação indescritível de Eva Marie Saint (musa de Hitchcock em Intriga Internacional), é um festival de vergonha alheia como há muito não se via na tela. E para os que eventualmente defenderem o filme sob o argumento de que "tem que olhar a beleza da história com o coração aberto e relevar os erros" (mera desculpa para dizer que curtiu um filme horroroso), eu aconselho, além de terapia, assistir Em Algum Lugar do Passado, A Princesa Prometida e Stardust, esses sim filmes românticos que conseguem unir fantasia e realidade com ao menos algum traço de talento. Epicamente ruim, Um Conto do Destino é daquelas produções destinadas a virar o Titanic do Framboesa de Ouro. A julgar pela diversão que me rendeu, espero ao menos essa notoriedade para o filme. Nota 1

* 36 - Ela (Her, 2013):  confirmando a sensibilidade demonstrada em seu longa anterior (Onde Vivem Os Monstros), o cineasta Spike Jonze (Quero Ser John Malkovich, Adaptação) entrega um lindo (bonito de verdade!) ensaio sobre a solidão nos tempos modernos, apesar de situar a trama em um futuro preocupantemente muito próximo da realidade em que vivemos. Retratando o amor do protagonista (um surpreendente como sempre Joachim Phoenix) por uma inteligência artificial (a voz de Scarlett Johansson numa interpretação que deveria ter sido indicada ao Oscar), o filme apresenta uma visão original e perturbadora sobre a sociedade contemporânea. Os trabalhos de direção de arte e fotografia são um show a parte, tornando o mundo em que vivem os personagens em uma espécie de idílio melancólico que ganha vida também graças à inspiradíssima trilha do Arcade Fire. Um trabalho sensível e criativo que merece muito ser descoberto. A cena final é de uma beleza difícil de superar. Nota 8,5

* 37 - 12 Anos de Escravidão (12 Years A Slave, 2013): segundo Steve McQueen a fazer história na Sétima Arte, o diretor por trás dos excelentes Hunger e Shame, egresso das artes plásticas, comprova aqui que é um dos grandes nomes do cinema moderno. Não há nem um pingo de sentimentalismo nesse registro cru dos absurdos cometidos pelo racismo durante o período em que a escravidão era considerada uma prática legal (e econômica) admissível pelo mundo ocidental. Produção muito importante no atual cenário político e social mundiais, em que o conservadorismo (e o preconceito de qualquer espécie) parece ter um revival incômodo, 12 Anos de Escravidão é aquela obra elaborada no tempo certeiro para escancarar a estupidez por trás do comportamento velado, mas recorrente, de certa parcela da população global. Difícil de deglutir (ao contrário de trabalhos de encomenda feitos para expiar a culpa anglo-saxã como o simplório Histórias Cruzadas), o filme não tem medo em apresentar a face mais cruel, violenta e revoltante da segregação racial e tem peito suficiente para encerrar a narrativa sem optar pelo caminho fácil e maniqueísta da redenção forçada de seu protagonista (um impressionante Chiwetel Ejiofor) ou da punição de seus algozes. Demonstrando mais uma vez uma mão única para transformar cenas aparentemente comuns em quadros pintados em celulóide (a fotografia é nunca menos do que sensacional), McQueen ainda se dá ao luxo de colocar astros consagrados em pontas mínimas (Paul Giamatti, Benedict Cumberbatch, Brad Pitt) que servem meramente como alavancas para o roteiro. Isso porque o show aqui é de Ejiofor e de Lupita Nyong´o (a simples cogitação de que ela perca o Oscar 2014 de Melhor Atriz Coadjuvante para a caricata atuação de Jennifer Lawrence em Trapaça representa um crime contra a Sétima Arte), ambos irrepreensíveis em toda e qualquer cena em que aparecem. Já Hanz Zimmer demonstra mais uma vez que é mestre na condução de trilhas e entrega uma partitura econômica, mas muitíssimo eficiente e que nunca resvala para o sentimentalismo, uma armadilha possível considerando-se a história contada no filme (e é bizarro não ter sido indicado ao Oscar da categoria). Filmaço em todo e qualquer sentido. Nota 9 

38 - Nebraska (Nebraska, 2013): como quase todo filme de Alexander Payne (Ruth Em Questão, Eleição, As Confissões de Schmidt, Sideways - Entre Umas e Outras, Os Descendentes), registra personagens que confrontam a própria personalidade em jornadas de auto-descobrimento. Surpreende que esse seja o primeiro filme que não foi escrito por Payne (o roteiro é do ator/escritor Bob Nelson), já que a temática e todos os personagens são cuspidos e escarrados os tipos que o cineasta mais gosta de retratar. Típico road movie agridoce que apetece o diretor, Nebraska é uma ode ao passado com aquele ar melancólico que a trilha e a bela fotografia em preto e branco (por quê não investir mais nesse formato é algo que me irrita profundamente) só colaboram. O humor é especialmente bem empregado, com situações que poderiam pender para o dramalhão transformadas em farsas de riso fácil e espontâneo, marca registrada de Payne. Bruce Dern está excelente (levou Melhor Ator em Cannes com justiça), mas são suas cenas com a veterana June Squibb (indicada ao Oscar) que realmente lançam faíscas na tela. Já Will Forte, egresso do Saturday Night Live (e o McGruber inclusive no cinema), cria um personagem tocante como o filho que se revela mais humano do que parece inicialmente. Um belo trabalho que não vai dar o Oscar para Payne (e não merecia mesmo), mas que é uma bonita, ainda que levemente amarga, homenagem às raízes de todos nós. Nota 8

39 - A Rocha do Diabo (The Devil´s Rock, 2011): bom terrorzão neozelandês ambientado na Segunda Guerra Mundial que em nenhum momento cai na caricatura ou no caminho fácil dos clichês do gênero. Ambientado quase que totalmente em um bunker nazista na costa da França, oferece uma bela torrente de sangue e tripas para os amantes do gênero. A história é enxuta e eficiente, com bom clima e atuações medianas, o que garante espaço para o uso inteligente de efeitos especiais excelentes para uma produção de baixo orçamento (o diretor foi um dos responsáveis pelos efeitos da trilogia O Senhor dos Anéis e A Invenção de Hugo Cabret). Uma bela surpresa. Nota 7

40 - Inside Llewyn Davis - Balada de Um Homem Comum (Inside Llewyn Davis, 2013): o cinema dos irmãos Coen nunca deixa de surpreender e não é diferente nesse trabalho aparentemente (mas só aparentemente) convencional sobre a jornada inglória de um personagem fascinante, cuja antipatia na superfície é driblada por uma inspirada atuação de Oscar Isaac (Drive, Sucker Punch). Ambientado na década de 60, no período imediatamente anterior à explosão comercial da moderna folk music americana (o que fica evidente na bem sacada aparição-relâmpago de determinada figura lendária que um pouco depois chacoalharia aquele cenário musical), é um filme cuja melancolia e tristeza transcendem a própria personalidade do protagonista, que paga pelos erros que comete dia após dia com a eterna (será mesmo?) repetição de um ciclo de dissabores, fato escancarado pela genial rima narrativa que espelha as cenas que abrem e fecham o longa. A fotografia empalidecida, que reforça a frieza com que o mundo repele as tentativas de redenção de Llewyn Davis, é sensacional, dando à produção um véu sépia que retira das imagens quase toda a coloração e por pouco não transforma-as em um profundo preto e branco. Por trás do aparente convencionalismo do roteiro, porém, escondem-se as referências, simbologias e surrealismos que tanto fazem a cabeça dos Coen. O real significado do gato (ou gatos?), o verdadeiro papel do personagem de John Goodman (fantástico) dentro da história, as referências à Odisséia de Homero (já adaptada pelos irmãos em E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?) e a própria função do título do filme ("dentro de Llewyn Davis", o que abre espaço para que o filme, mais que um registro linear, também seja um grande estudo de personagem, com todos os coadjuvantes periféricos, como o ex-parceiro do protagonista e o próprio gato, atuando como parcelas metafóricas de sua própria personalidade), todas essas questões dão material de boa discussão para o pós-filme, a exemplo de outros trabalhos de embalagem low profile dos cineastas, como Barton Fink e Um Homem Sério. E só por abrir espaço para toda essa reflexão Inside Llewyn Davis mereceria melhor sorte nas indicações ao Oscar 2014 (aliás, é surpreendente que as belíssimas músicas do mestre T. Bone Burnett tenham sido esnobadas pela Academia). Nota 8,5

41 - Frozen - Uma Aventura Congelante (Frozen, 2013): a Disney já havia arriscado um retorno tímido às origens de suas animações no legal Enrolados, de 2010, mas é com esse novo (e excelente) desenho que consegue resgatar de vez o pódio como empresa que sabe unir como ninguém conteúdo fabular (a base aqui é o conto A Rainha de Gelo, de Hans Christian Andersen) com visual de cair o queixo e estrutura sólida de roteiro capazes de encantar crianças e adultos numa levada só. Retomando também o componente musical de suas animações mais clássicas (e as canções são fantásticas, em especial Let It Go, que ganha uma bela seqüência que, longe de gratuita, desenvolve uma das personagens principais de forma irrepreensível), Frozen é daqueles desenhos à moda antiga que fizeram a fama do estúdio (não por acaso, é uma produção com a cara das animações 2D que foram parte da infância longínqua de tantos adultos de hoje). Aliás, o roteiro é tão bem escrito que consegue incluir no meio de uma história infantil reviravoltas dignas de filme para adultos. Uma mais do que bem-vinda surpresa da casa do Mickey. Nota 8,5 

42 - Clube de Compras Dallas (Dallas Buyers Club, 2013): é muito correta essa produção que resgata uma história verídica ocorrida nos primórdios do combate à AIDS e que, mais do que discutir o preconceito sexual ou registrar uma daquelas sagas de "protagonista com doença terminal que revê a própria vida e encontra redenção", representa uma crítica importante (e muito atual) aos lobistas da indústria farmacêutica americana. Com uma premissa relevante dessas, que abre um debate que não se restringe às fronteiras dos EUA, era de se esperar que o filme impactasse muito mais pelo texto do que pelas atuações. Porém, o canadense Jean-Marc Vallée contou com um trunfo inesperado: dois galãs que se entregaram com bravura a papéis que fogem aos tipos que os consagraram nas telas (e ambos emagreceram horrores para seus personagens, o que tanto agrada a Academia). Tanto Matthew McConaughey quanto Jared Leto vão ganhar o Oscar desse ano e fizeram por merecer. Mesmo que eu prefira as interpretações de Chiwetel Ejiofor em 12 Anos de Escravidão e de Leonardo Di Caprio em O Lobo de Wall Street, é inegável que McConaughey merece o Oscar nem que seja pela completa reinvenção de sua carreira nos últimos anos, quando protagonizou produções relevantes e sempre entregando atuações sensacionais (Bernie, Killer Joe - Matador de Aluguel, o seriado True Detective e a própria ponta sensacional em O Lobo de Wall Street mais do que referendam a inevitável premiação). Já Jared Leto está impecável como um transsexual que, longe de resvalar na caricatura, é a figura mais humana do filme, justamente o contraponto ao homofóbico caubói de McConaughey e o fator determinando para a transformação do protagonista em um arco dramático que jamais soa forçado, um mérito que decorre principalmente da ótima química dos dois atores nas cenas em que contracenam. Ao fim e ao cabo, se Clube de Compras Dallas não é lá um filme tão diferenciado (talvez seja o mais acadêmico dos roteiros dentre os indicados a melhor filme de 2014 pelo Oscar) e a direção de Vallée também nunca decole como deveria, é uma produção que tira grande proveito da força de sua dupla de atores, conseguindo alçar vôo justamente por causa deles. Nota 8  

43 - The Square (Al Midan, 2013): indicado ao Oscar de Melhor Documentário de 2014, marca a primeira coprodução da Netflix para o cinema e também o primeiro concorrente ao prêmio da Academia cujo orçamento foi arrecadado via Kickstarter (sistema de financiamento coletivo via internet). Trata-se de um filme com tema complexo (a revolução popular no Egito desde 2010 que culminou na derrubada de sucessivos governos), mas que é registrado com domínio da técnica narrativa ao seguir três personagens com ideologias e personalidades distintas (dentre eles, Khalid Abdalla, ator de O Caçador de Pipas) que revelam-se, cada um a sua maneira, fascinantes. Muito mais do que apenas registrar um movimento sem identidade definida (como resultaram as manifestações brasileiras de 2013, que acabaram tomadas por um movimento coxinha que nunca demonstrou a sua real intenção), The Square se preocupa em desvendar as causas e conseqüências dos atos cometidos por seus engajados personagens. Uma aula de política, mas muito mais uma aula de bom cinema que me emocionou várias vezes durante a sua projeção. Nota 8  

44 - The Espectacular Now (The Espectacular Now, 2013): não entendi até agora o que o povo do Festival de Sundance viu nesse filme ao premiá-lo no ano passado. Como se não bastasse, a produção conta com ótimas resenhas e alta cotação no IMDB e no Rotten Tomatoes. No final das contas, nada mais é do que uma típica (e regular) história de "coming of age", aqueles contos em que o protagonista adolescente vira adulto no decorrer de 90 minutos ou mais. Muito da minha antipatia pelo longa pode ser debitada na conta do protagonista, Miles Teller (Projeto X: Uma Festa Fora de Controle, Finalmente 18), que eu considero um mala-sem-alça daqueles de enciclopédia (e saber que esse cara vai ser o novo Sr. Fantástico no reboot do Quarteto Fantástico me dá arrepios). Porém, o resto do longa também não é nada promissor. Não passa de uma história batida sobre o adolescente rebelde que descobre, no último ano de colégio, as suas potencialidades (nada que John Hughes, há 30 anos atrás, já não tenha feito com muito mais frescor e talento). E a profusão de clichês do roteiro é indefensável (sério? todo rebelde adolescente americano teve um pai ausente e alcoólatra????), o que faz com que o filme só consiga interagir com quem está na mesma idade dos personagens. Melhora um pouquinho da metade para o final, mas nunca deixa de ser uma cópia piorada daqueles clássicos filmes de colégio que todos já viram na Sessão da Tarde há no mínimo uma década atrás. Nota 5

* 45 - Robocop (Robocop, 2014): a resposta à primeira pergunta que vem à cabeça é aquela que infelizmente se esperaria. Uma nova versão de Robocop - O Policial do Futuro (1987), um marco do cinema de ação que apresentava, além do espetáculo, uma sátira aos regimes fascistas, é, sim, desnecessária e essa nova encarnação não consegue arranhar o calcanhar do longa comandado por Paul Verhoeven. No entanto, há de se dizer que não é uma refilmagem genérica, como vimos acontecer com O Vingador do Futuro, outra produção de Verhoeven transformada em um espetáculo descartável para o público médio em 2012. Mesmo sem o humor anárquico e a violência explícita do original, esse Robocop do novo milênio está há milhas de distância de um remake picareta. Todos os méritos aqui vão para o brasileiro José Padilha (Tropa de Elite 1 e 2), que conseguiu fazer o melhor possível da tarefa inglória que lhe foi designada. São da assinatura de Padilha as melhores coisas da produção: desde a edição nervosa do também brazuca Daniel Rezende (Tropa, Cidade de Deus) até o enfoque político dado à produção. Os melhores momentos (e aqueles em que se vê claramente a assinatura de Padilha) são aqueles que enfocam o jornalismo de extrema direita apresentado pelo personagem de Samuel L. Jackson (excelente), uma patada direta não só no Partido Republicano, mas na política externa americana como um todo. Esse viés assumidamente crítico à atuação dos EUA no exterior permeia o longa e explica o motivo pelo qual a produção fracassou entre o público americano, mas vem fazendo sucesso no exterior. É a marca de Padilha que faz a diferença aqui, mas a ação cartunesca que marcou o Robocop da década de 80 acaba fazendo falta nessa reinvenção, que acaba derrapando quando precisaria decolar (toda a sequência da vingança de Alex Murphy contra seus algozes revela-se um imenso desapontamento, por exemplo). Há acertos: Joel McKinnan, do seriado The Killing, faz um protagonista eficiente, com mais camadas do que aquele de Peter Weller em 1987, assim como Gary Oldman e Michael Keaton estão corretos e conferem nuances a personagens que, no papel, foram cunhados de forma estereotipada. Já Padilha consegue unir mesmo a sua visão crítica à diversão esperada pelas massas somente no prólogo (uma ótima cena ambientada em Teerã) e nos poucos minutos reservados ao clímax, que homenageiam de forma explícita o filme original. Ao abandonar a sátira e abraçar com força a crítica direta à política ianque, o novo Robocop é um remake com identidade própria. E, de qualquer forma, não dá para taxar de ruim uma superprodução que tem peito suficiente para encerrar a narrativa com I Fought The Law, do The Clash. Nota 7

46 - À Beira do Abismo (Man On The Ledge, 2012): filminho chinfrim que pega uma premissa interessante (uma tentativa de suicídio que revela-se um golpe para assaltar um cofre) e daí... nada acontece de interessante. Esse Sam Worthington, revelado pelo James Cameron em Avatar, é talvez um dos piores atores de sua geração. Um pé no saco em execução. Nota 3

47 - Southland Tales - O Fim do Mundo (Southland Tales, 2006): Richard Kelly, o diretor de Donnie Darko, talvez seja o exemplo mais preciso do tipo de cineasta que, tomado pela vaidade ao ter o filme de estreia cultuado entre cinéfilos, achou-se muito mais relevante do que realmente é. A julgar por esse samba do crioulo doido aqui, que tenta misturar ficção, comédia, musical, espionagem e crítica social numa mesma panela e surpreendentemente não consegue dosar nenhum ingrediente corretamente, Kelly deveria tentar outra carreira (e não ajuda que seu filme posterior, A Caixa, tenha resultado igualmente confuso e chato por sua culpa). É um cozido de pretensão absurda com grande elenco que faz imaginar que, nas reuniões dos executivos do estúdio, ninguém entendeu o roteiro, mas a maioria achou que talvez dali viesse algo transcendental para o cinema. Bem, eles estavam redondamente enganados. Impenetrável em seu hermetismo, o roteiro usa e abusa de verborragia nonsense para tentar dar um sentido a uma história que simplesmente nunca consegue ir do ponto A ao ponto B. Uma vergonha que um projeto tão equivocado tenha saído do papel, pra começo de conversa. Nota 2

48 - Um Novo Despertar (The Beaver, 2011): Jodie Foster já se revelara uma boa diretora em Mentes Que Brilham e Feriados Em Família. Por isso, não é surpresa que a também atriz consiga equacionar com leveza comédia e drama pesadão nesse filme que quase passou despercebido pelo cinema (uma injustiça, aliás). O roteiro trata de forma delicada o tema da depressão, mas nem por isso se acovarda a ir fundo no assunto, contando com desdobramentos até bem complexos para uma produção americana. O elenco todo está ótimo, mas é Mel Gibson, que virou persona non grata em Hollywood, quem realmente surpreende no papel principal, entregando uma das melhores atuações de sua carreira. Ao dar vida também ao castor de pelúcia com sotaque britânico que lhe serve de guia para sobreviver nesse mundo complicado em que vivemos, Gibson está muito, mas muito bem. Um filme bacana que merece ser redescoberto. Assim como seu astro principal. Nota 7

49 - Sexo Sem Compromisso (No Strings Attached, 2011): produzido por Natalie Portman, essa tortura chinesa aqui reúne absolutamente todos os clichês mais execráveis do subgênero das comédias românticas modernas. E mesmo telegrafando qualquer movimento do roteiro com no mínimo meia-hora de antecedência, a produção parece arrastar-se infinitamente de piadinha sem graça em piadinha sem graça. Não há qualquer mérito aparente no filme a não ser a graciosidade de Portman, aqui fadada a sofrer como par romântico do habitual boboca "interpretado" pelo mala Ashton Kutcher. E pensar que o comandante dessa nau destinada ao fundo do oceano cinematográfico se chama Ivan Reitman, que em outra encarnação dirigiu Os Caça-Fantasmas, só faz o espetáculo se tornar ainda mais deprimente. De cortar os pulsos. Nota 2

50 - Informers - Geração Perdida (The Informers, 2008): adaptação de uma coletânea de contos de Bret Easton Ellis (autor de Psicopata Americano) ambientados no começo dos anos 80, tem a pretensão de fazer um retrato daquela época em que a liberdade sexual dos anos 70 entrava em contato com o capitalismo selvagem e orgulhoso dos yuppies oitentistas. Reúne um elenco de peso (Billy Bob Thornton, Kim Basinger, Winona Ryder, Mickey Rourke, Rhys Ifans, até o finado Brad Renfro, todos num aparente concurso para ver quem consegue estar pior em cena) em uma ambientação totalmente equivocada (o filme foi rodado parcialmente no Uruguai e na Argentina por questões orçamentárias) em que a única coisa que remete mesmo aos anos 80 são as poucas músicas de bandas como Men Without Hats e A Flock Of Seaguls que tocam no fundo em algumas cenas. Pelo menos tem uma cena final impactante e a beleza da deusa Amber Heard, que passa quase todo o seu tempo de tela como veio ao mundo. Como proposta de registro geracional, no entanto, fracassa miseravelmente. Nota 4

51 - A Voz de Uma Geração (In A World..., 2013): por trás do título nacional besta, que lembra um daqueles filmes com mensagem edificante, esconde-se uma comédia romântica esperta ambientada nos bastidores de um nicho nunca explorado devidamente pelo cinema (o dos narradores de trailers e dubladores profissionais). A premissa original faz toda a diferença, assim como o ótimo trabalho atrás e diante das câmeras da diretora/roteirista/protagonista Lake Bell, simpaticíssima no clássico papel da loser que não sabe o potencial que tem. O destaque dado ao desenvolvimento dos coadjuvantes, todos com pinta de personagem de verdade e não só escada para a protagonista, também é um bem vindo diferencial. Ao mesmo tempo em que abraça alguns clichês inofensivos do subgênero das comédias românticas, é hábil ao desviar dos chavões mais irritantes. Uma bela surpresa. Nota 8

52 - JFK, A História Não Contada (Parkland, 2013): produção independente que consegue extrair de uma história já explorada ao máximo pelo cinema (o assassinato de JFK) alguma originalidade através da boa premissa de registrar os fatos sob a ótica dos personagens periféricos que presenciaram ou foram envolvidos pela tragédia. O elenco é gigantesco (Paul Giamatti, Zac Efron, Tom Welling, Billy Bob Thornton, Marcia Gay Harden, Colin Hanks, Jackie Earle Haley, Jackie Weaver e outros tantos) e há alguns bons momentos de tensão. Nota 7

* 53 - Muppets 2: Procurados e Amados (Muppets Most Wanted, 2014): apesar da premissa ser inferior (uma historinha rasteira de troca de identidades que brinca com os filmes de espionagem), o resultado é mais engraçado que o do último longa da trupe de fantoches. As gags e tiradas surgem em um ritmo alucinante, assim como as inúmeras participações especiais de figurões de Hollywood, alguns em pontas de poucos segundos. Há também o resgate dos números musicais, todos eles excelentes. O resultado é que Muppets 2 presta muito mais reverência ao clássico seriado The Muppet Show e, portanto, funciona que é uma maravilha para a velha guarda nascida nos anos 70 e 80, o que faz essencial assisti-lo na versão original sem qualquer dublagem. Nota 8

54 - Um Toque de Pecado (Tian Zhu Ding, 2013): produção chinesa que levou o prêmio de melhor roteiro no Festival de Cannes 2013 e é um verdadeiro chute no estômago. De desenvolvimento muito lento, registra quatro histórias sem ligação entre si, mas que possuem em comum a ambientação no interior da China e o fato de conterem uma explosão de violência inesperada em cada uma de suas narrativas. É um retrato cruel, mas muito relevante, da violência presente em nossa sociedade, não importa em quais recônditos do planeta vivemos. Nota 7,5

55 - Dinheiro Sujo (Cold Comes The Night, 2013): desperdício do talento de Bryan Cranston (Breaking Bad) e da beleza de Alice Eve (Star Trek Into Darkness), esse policial manda às favas o potencial do elenco através do texto sem qualquer inspiração e da direção sem arroubo algum de emoção ou criatividade. A sensação ao final é de perda de tempo. Tanto do elenco quanto do espectador. Nota 4

56 - Meu Malvado Favorito 2 (Despicable Me 2, 2013): o primeiro Meu Malvado Favorito apostava as fichas no talento para o improviso de Steve Carrell (The Office), o que obrigou os animadores a recriarem várias cenas para encaixar todas as piadas inventadas pelo comediante no processo de dublagem. Por isso mesmo, o primeiro filme tinha uma pegada de humor mais adulto, apesar da arrecadação surpreendente nas bilheterias ser debitada na conta dos Minions, que encantaram as crianças. Essa continuação, por sua vez, deixando claro o objetivo mercadológico da produção, aposta quase todas as fichas nas criaturinhas amarelas (que são até bem divertidas, diga-se de passagem) e deixa pouco espaço para o protagonista e suas piadas politicamente incorretas. Como resultado, o roteiro ganhou um tom evidentemente mais infantilizado, com espaço para piadas e mais piadas sobre flatulência e traseiros. Para os adultos, é uma animação que diverte muito moderadamente. Nota 6,5

57 - Somos O Que Somos (We Are What We Are, 2013): suspense com tema pesadão que usa e abusa da atmosfera sinistra para criar um clima permanente de apreensão. Muito bem conduzido por Jim Mickle (do ótimo Stakeland - Anoitecer Violento), que usa a tensão para desenvolver a narrativa com lentidão acertada e fotografia de arrepiar, o filme só degringola em seu terceiro ato, em que velhos e batidos chavões do gênero dão as caras. Essa derrapada não chega a estragar o programa, mas prejudica um pouco o seu desfecho. Nota 7

58 - Blackfish - Fúria Animal (Blackfish, 2013): uma das maiores esnobadas (eu diria mancadas) nas indicações ao Oscar 2014, esse documentário é essencial para todo e qualquer cinéfilo, não importa o grau de empatia que tenha com o mundo animal. Denunciando a surpreendente cadeia de ataques de orcas mantidas em cativeiro a seus treinadores nas últimas quatro décadas, algo que ganhou pouca visibilidade na mídia, muito pelos esforços dos parques aquáticos em abafar os eventos, o longa se esforça em encontrar explicações científicas (e muito verossímeis) para os surtos de violência dos mamíferos. Utilizando-se basicamente de depoimentos de ex-treinadores e biólogos, a mensagem de Blackfish ganha relevância redobrada pela ótima estrutura narrativa adotada por sua diretora. Apesar de só contar com um lado do debate, pois o Seaworld negou-se a conceder entrevistas aos realizadores, é um filme forte, revoltante e urgente. Cinema dos muito bons. Nota 8,5

59 -  Linha de Frente (Homefront, 2013): projeto antigo de Sylvester Stallone, a adaptação do livro de Chuck Logan chegou a ser cogitada como uma continuação da franquia Rambo, mas nunca saiu do papel. Ressuscitado por Jason Statham e com roteiro de Stallone, o projeto ganhou vida própria e escancara como a idéia original de inserir a história dentro de uma continuação de Rambo era péssima. Exemplar enlatado do tipo de produção ruim que Statham adora estrelar, Linha de Frente é aquele filme de difícil memorização que todo mundo começa a esquecer já durante os créditos finais. Desperdiça um elenco razoável (James Franco, como o vilão da vez, não mete medo nem em criancinha de colo, enquanto Winona Ryder aparece em cena só para mostrar como está enxuta) e ainda conta com cenas de ação horrorosas, sabotadas por uma daquelas edições que tornam impossível decifrar o que está acontecendo realmente na tela. Nota 3

60 - Fruitvale Station: A Última Parada (Fruitvale Station, 2013): um dos segredos da narrativa cinematográfica é saber envolver o espectador pelos rumos de seus personagens e isso Fruitvale Station faz de forma exemplar. Ao acompanhar dois dias na vida de seu protagonista (um ótimo Michael B. Jordan, de Poder Sem Limites e do vindouro reboot de Quarteto Fantástico), o filme faz um truque de mágica dos bons: direciona a atenção para um lado, fazendo-nos esquecer da curta cena inserida já no começo do filme, e guardando na manga o grand finale até que este surge inesperadamente. Excelente na construção dos personagens e muito relevante em sua mensagem social, é um petardo daqueles que colam na retina. Nota 8

* 61 - Noé (Noah, 2014): inesperadamente, convocar um cineasta cerebral como Darren Aronofski (Cisne Negro, Pi, Réquiem Para Um Sonho) para comandar um épico religioso não se revelou a péssima idéia que parecia quando foi anunciada. Aronofski, ciente do potencial polêmico da adaptação, adotou a postura que se esperaria de um diretor com sua bagagem: sem arriscar-se a tentar extrair realismo da história de Noé (um caminho fadado ao fracasso), abraçou sem medo os aspectos fantásticos (e absurdos) da narrativa original, apostando numa aventurona de fantasia (com direito a gigantes de pedra que parecem saídos de O Senhor dos Anéis) e uma abordagem que não restringe a produção ao público religioso. Pelo contrário: Noé é tudo, menos um filme que abrace uma só religião. O diretor insere aqui e ali temas universais (ecologia, fé, sexismo) não como salvo-conduto ao que está na Bíblia, mas como instrumentos de discussão, mesmo que o público-alvo não compreenda nem metade do debate que propõe. E ainda se dá ao luxo de incluir alfinetadas no que acreditam os religiosos mais fanáticos (a alusão ao darwinismo, que provavelmente passará batido pelos carolas, é sensacional). Aronofski também se arrisca ao tornar o seu protagonista (um ótimo Russell Crowe) uma figura por vezes desprezível sob a ótica do humanismo, o que evidencia o caráter crítico de sua visão sobre a história que conta. Porém, nem tudo são flores. Os efeitos (ou seriam defeitos) especiais, não só dos animais digitalizados, mas principalmente no começo do longa, parecem saídos do programa de computador mais furreca de um estagiário de T.I. (a impressão é que inclusive tratam-se de efeitos inacabados). Além disso, para quem não é religioso, a moral da história (um Deus que dizima uma população inteira, inclusive mulheres e crianças porque pertenceriam a uma linhagem amaldiçoada), mesmo com todas as licenças tomadas pelo diretor (e há uma bem-vinda discussão acerca da ética e da fé desenvolvida dentro da Arca), permanece muito discutível. No final das contas, é o pior filme de Aronofski, o que felizmente não quer dizer que não se trata de um bom blockbuster. Nota 7

62 - [REC]³ Gênesis ([REC]³ Génesis, 2012): ao abandonar tudo o que a franquia tinha estabelecido em seus primeiros filmes (a estética da câmera na mão, a claustrofobia e o medo), a terceira parte da franquia Rec abraça todos os elementos do "terrir", tornando-se nada mais do que uma muito bem produzida, mas apenas razoável produção com zumbis que só consegue, em seus melhores momentos, fazer rir. Não contribui em nada para o cânone estabelecido nos filmes anteriores e, ao apresentar-se como o típico filme de mortos-vivos, não consegue fazer nada que o seriado The Walking Dead não faça (bem melhor) todas as semanas. Nota 5

63 - Amor Bandido (Mud, 2012): aaahhh, como fazem falta os bons filmes sobre o rito de passagem da infância para a vida adulta. Esse Amor Bandido (título babaca para o simples e eficaz Mud, apelido do personagem de Matthew McConaughey, mais uma vez surpreendente em cena) comprova que esse subgênero tão explorado nos anos 80 deixou uma lacuna no cinema atual que merece urgentemente ser preenchida. Que bom que, a julgar por esse belo filme aqui, há talento de sobra escondido por aí. Lembrando muito o climão de Conta Comigo (Stand By Me), o filme usa como pano de fundo uma trama policialesca para abordar o amadurecimento forçado do protagonista defendido com muita garra por Tye Sheridan (A Árvore da Vida). A sua relação com o personagem de McConaughey, construída com cuidado e delicadeza, é daquelas parcerias cinematográficas para não esquecer tão cedo (idem para o relacionamento com o seu melhor amigo, o também ótimo Jacob Lofland, do seriado Justified). Tocante, divertido e dirigido com esmero por Jeff Nichols, que confirma aqui o enorme talento já demonstrado em O Abrigo, é daqueles filmes para guardar na memória. E ver McConaughey envolvido mais uma vez em uma produção desse quilate só comprova a fase de ouro em que se encontra a sua carreira. Nota 9 
 
64 - O Homem de Gelo (The Iceman, 2012): cinebiografia de um dos maiores matadores da história dos EUA (suspeita-se que tenha despachado dessa para uma melhor quase 200 pessoas), é uma produção que tem boa reconstituição de época e um elenco de respeito (Winona Ryder, Chris Evans, James Franco, David Schwimmer, Ray Liotta, Stephen Dorff), mas padece da falta de um pouco mais de emoção. Ironicamente, a frieza é a característica mais marcante de seu protagonista, um incrível Michael Shannon (O Homem de Aço, O Abrigo) que aqui entrega uma atuação impecável. É ele a razão de ser do filme e o que de mais memorável se extrai da produção. Nota 7

65 - Carrie, A Estranha (Carrie, 2013): adaptar novamente o romance de Stephen King para os cinemas depois que Brian De Palma transformou a sua versão de 1976 em clássico do terror era uma manobra arriscada. A diretora Kimberly Peirce (Meninos Não Choram) aceitou a empreitada e tentou dar um toque feminino e moderno à história da garota vitimizada na escola e em casa que descobre possuir poderes telecinéticos e resolve ir à forra contra os seus opressores. No livro original, toda a trama serve de parábola evidente sobre o despertar da sexualidade da protagonista, algo explicitado no texto e escancarado pelo embate entre Carrie e sua mãe, uma fanática religiosa. Na nova versão, a carga sexual da trama é sugerida muito levemente, o que é uma pena. A maior parte do roteiro serve de mera construção para o clímax no baile de formatura, o que denota a pretensão do estúdio mais em fazer um filme de vingança do que uma releitura do livro original. Pior é que, quando finalmente ocorre, o banho de sangue não é lá tão climático assim. No lugar do caos das imagens propostas por De Palma, com sua tela repartida e litros de sangue cenográfico, o que vemos aqui é uma sucessão de efeitos digitais discutíveis e uma extrapolação completa dos poderes da personagem (ela até voa, pelamordedeus!). Longe da aterrorizante imagem da aberração incorporada por Sissy Spacek lá nos idos dos 70`s, essa nova versão está muito mais próxima de uma mutante dos X-Men. Como quase todo remake de filme que já era suficientemente bom quando lançado originalmente, essa atualização, além de desnecessária, revela-se aborrecida. Nota 4  

* 66 - Capitão América 2: O Soldado Invernal (Captain America: The Winter Soldier, 2014): não leio gibis há mais ou menos duas décadas, mas tenho gostado muito de acompanhar o que a Marvel Studios tem feito nos últimos anos nas telonas. Ao mesmo tempo em que está provando ser possível estabelecer com sucesso nos cinemas um universo inteiro povoado por personagens egressos de seus quadrinhos, ainda produz sistematicamente filmes de qualidade que, se não chegam a ser obras-primas, nunca revelam-se menos do que ótima diversão. Com Capitão América 2, o furo é um pouco mais embaixo. Talvez o melhor filme do estúdio desde o primeiro Homem de Ferro, quando a idéia de transpor a miríade de super-heróis para a Sétima Arte ainda era um objetivo muito distante, Capitão 2 alcança um nível de qualidade espantoso. Incorporando uma abordagem mais adulta à aritmética básica do estúdio de conjugar ação e humor, a produção se dá ao luxo de emular por vezes os thrillers de espionagem da década de 70, com toda a paranóia e subtexto político que aqueles filmes tanto encampavam (e a presença de Robert Redford, protagonista de Todos Os Homens do Presidente e Três Dias do Condor, dois filmaços, diga-se de passagem, não é definitivamente mera coincidência). Muito superior ao primeiro filme, consegue enquadrar um personagem americanóide por excelência (e, por isso mesmo, de difícil paladar para o resto do mundo) em um contexto politicamente relevante. Como se não bastasse, ainda consegue desenvolver a contento a personagem da Viúva Negra (no que os filmes anteriores falharam) e introduzir com toda a pompa e circunstância outro muito promissor (o Falcão). Barulhento, movimentado, cheio de referências (inclusive a Pulp Fiction!!!!), com ação de primeira (as coreografias das lutas são irretocáveis), Capitão 2 é o cinema comercial em estado de graça. Desde já um dos grandes blockbusters do ano. O que vier a seguir será lucro. Nota 9 

** 67 - Capitão América: O Primeiro Vingador (Captain America: The First Avenger, 2011): em comparação com a seqüência recém lançada, empalidece um pouco. Apesar de notavelmente inferior, ainda preserva um bem vindo ar de filme antigo, usando e abusando desse climão retrô para prender a atenção, apesar da carência de cenas de ação memoráveis. Boa matiné. Nota 7,5

68 -  O Grande Herói (Lone Survivor, 2013): tomando por base uma mancada homérica das Forças Armadas ianques que custou a vida de mais de uma dezena de soldados, é um filme que sabe valer-se da tensão criada em torno do destino de seus personagens (apesar da cena inicial e do próprio título sabotarem inexplicavelmente o desfecho do longa) para criar um espetáculo de ação tecnicamente impecável (foi merecidamente indicado ao Oscar 2014 nas categorias de Melhor Mixagem de Som e Melhor Edição de Som). Como toda produção envolvendo militares americanos, aqui e ali ainda escoa do roteiro um chorume nacionalista, mas isso é evitado na medida do possível, até em função da mancada estratégica do exército que serve de mote para a produção. Como filme de ação, funciona muito bem. Nota 7

69 - Um Dia Na Vida (2010): o gênio Eduardo Coutinho definia essa experimentação aqui não como um filme, mas como um "troço". Utilizando apenas a colagem de imagens gravadas de emissoras de tevê aberta brasileiras durante um dia escolhido quase aleatoriamente (primeiro de outubro de 2009, a véspera da escolha da sede das Olimpíadas de 2016), Coutinho mais uma vez comprova que era o mestre dos mestres do documentário ao conseguir imprimir coesão e sentido próprios ao caos das imagens, usando para isso apenas a mesa de edição como ferramenta narrativa. O resultado é um dos registros mais contundentes e relevantes sobre o conteúdo nocivo despejado diariamente pelas redes da televisão aberta. Ao descolar as cenas de seu contexto e amplificá-las através da exibição isolada, inserindo pontualmente apenas a informação sobre a hora em que foram transmitidas na tevê, Coutinho escancara a forma torpe com que o espectador é tratado pelas emissoras. Mais grave ainda é constatar que as redes claramente enquadram os espectadores em padrões simplistas preconcebidos (mulheres, por exemplo, seriam uniformemente estúpidas, fúteis e buscariam como única meta de vida a busca pelo corpo perfeito). Também é assustadora a constatação de que, cada vez mais, a tevê brasileira acaba atuando como mecanismo para incutir a paranóia no público, explorando ao máximo a idéia da violência urbana como presença no cotidiano de todo e qualquer cidadão desde as primeiras horas da manhã (a sequência que registra o programa policial de Wagner Montes, em que em apenas cinco minutos o apresentador incita o público a reagir a assaltos e defende que a atitude correta para acalmar as mulheres seria "agarrar firme pelos braços", se não fosse trágica, seria digna da mais efetiva paródia). Isso sem falar do número impressionante de pregadores que, de maneira velada (mas nem tanto) defendem conceitos horrorosos como a intolerância religiosa durante todo o dia em praticamente todos os canais. Praticamente uma jornada pelo que há de mais sombrio na natureza humana, Um Dia Na Vida provoca risos nervosos durante seus enxutos 90 minutos. Uma metragem que paradoxalmente se torna difícil de acompanhar até o final a partir do momento que somos privados do domínio de um controle remoto que pudesse abreviar o show de horrores que testemunhamos. Um espetáculo que se repete tristemente dia após dia. Esse "troço" concebido por Coutinho (e que nunca terá viabilidade de ser lançado nos cinemas em virtude dos direitos autorais envolvidos) é uma pequena obra-prima dentro do currículo de um cineasta responsável por outras muitas. Nota 9

70 - Pânico Na Torre (Ta-weo, 2012): espécie de refilmagem não declarada do clássico Inferno Na Torre (1974), essa superprodução coreana usa e abusa de efeitos digitais (alguns eficientes, outros nem tanto) para emular os filmes-catástrofe produzidos por Hollywood. Se a pretensão funciona em certo nível (há a mesma galeria de personagens e situações-clichê presentes naquelas produções, ao passo que a ação é bem conduzida), a preocupação em inserir humor dentro da narrativa, além de nunca funcionar (as piadas são dignas de comédias pastelão), acaba por reduzir a tensão que obrigatoriamente teria de acompanhar a catástrofe vista na tela. No fim das contas, revela-se uma cópia estridente, mas pálida, de filmes melhores. Nota 5

71 - O Grande Mestre (Yi dai zong shi, 2013): indicado aos Oscar 2014 de Melhor Fotografia e Melhor Figurino, a produção reafirma o diretor Wong Kar Wai (Um Beijo Roubado) como um dos maiores artistas plásticos da Sétima Arte (a paleta de cores e enquadramentos do cineasta criam imagens que dificilmente irão sair da memória recente). Totalmente estilizado, com cenas de lutas que rivalizam com o efeito conseguido nos longas do gênero de Zhang Yimou (Herói, O Clã das Adagas Voadoras), é um espetáculo visual e sensorial difícil de ser equiparado. Já no que tange ao roteiro, por vezes se perde ao abandonar o foco central (a trajetória de Yip Man, lenda das artes marciais que foi mestre inclusive de Bruce Lee), tentando abranger fatos e personagens que a metragem restrita de um longa não consegue abarcar de forma completa. Mesmo assim, em seus melhores momentos, revela-se uma ótima (e sincera) ode aos filmes de Kung Fu. Para uma abordagem mais abrangente sobre o personagem principal, uma opção mais didática é o longa homônimo de Wilson Yip, de 2008, que inclusive ganhou continuação em 2010. Nota 7,5

72 - À Procura do Amor (Enough Said, 2013): o quão fofo um casal pode parecer nas telas de cinema? James Gandolfini (Os Sopranos) e Julia Louis-Dreyfus (Seinfeld) parecem querer quebrar a barreira da doçura nessa comédia romântica esperta sobre personagens que fogem dos estereótipos ditados pelo gênero em busca de um relacionamento sincero e maduro. Inteligente na forma com que equaciona os movimentos padronizados do gênero, a diretora Nicole Holofcener (Amigas Com Dinheiro) consegue entregar um exemplar apaixonante de simbiose romântica entre personagens. Adorável e muito sincero, À Procura do Amor só tem como efeito colateral amargo a sensação de que Gandolfini, precocemente falecido, fará muita falta, principalmente em papéis diametralmente opostos da persona do Tony Soprano que ele imortalizou. Nota 8

73 - 2 Coelhos (2012): parece uma espécie de trabalho de conclusão de curso voltado à técnica cinematográfica (o que rendeu frutos, já que o diretor e roteirista Afonso Poyrat foi imediatamente cooptado por Hollywood para comandar o vindouro Solace, com Anthony Hopkins e Colin Farrell). 2 Coelhos abusa de toda e qualquer técnica narrativa ao alcance do computador para entregar uma aventura vibrante (muitas das pirotecnias utilizadas pelo diretor realmente saltam aos olhos e são muito efetivas), com bom elenco e um grau de produção que serve desde já de referência para a cinematografia brasileira (é com esse filme que fica comprovado que temos capacidade plena de gerar filmes de gênero no nível de produções estrangeiras). Porém, por baixo da roupagem inovadora, o longa ressente-se de uma trama que não sobrevive a uma análise mais apurada, revelando-se um primo pobre (e inverossímil) dos longas de Guy Ritchie. Não fosse pelo roteiro capenga, perigava se tornar um marco do cinema nacional. Como está, só é um representante bem divertido. Nota 6

74 - Machete Mata (Machete Kills, 2013): a idéia de um longa de ação estrelado pelo personagem mexicano de Danny Trejo funcionou às mil maravilhas como o trailer falso inserido no preâmbulo do projeto Grindhouse, de Robert Rodriguez e Quentin Tarantino. Esticado como um filme de verdade, gerou um filme apenas legal, com relances de genialidade, em Machete, de 2010. Ao insistir no personagem com vias a torná-lo protagonista de uma franquia calcada nos filmes C produzidos diretamente para video, Rodriguez acaba desgastando a idéia original ao deixar de lado a estética canhestra dos filmes que procura parodiar e insistir em dar ao projeto uma aura de filme de ação de verdade. Essa indecisão temática acaba resultando mais cansativa do que propriamente divertida. Se por um lado o elenco repleto de caras conhecidas (de Mel Gibson a Lady Gaga, de Charlie Sheen a Antonio Banderas) confere ao filme certo charme cult, o roteiro sofre de transtorno bipolar ao levar-se a sério demais, confundindo cinema de ação com comédia nonsense. O resultado é que escancara tratar-se de uma piada que já foi estendida à exaustão. E nada mais sem graça que uma piada velha. Rodriguez, que não faz nada digno do talento que parecia possuir no início de sua carreira (El Mariachi, A Balada do Pistoleiro, Um Drink No Inferno) desde Planeta Terror, do citado Grindhouse, precisa urgentemente reinventar-se sob pena de tornar-se, ele próprio, uma dessas piadinhas gastas. Nota 5

75 - Sr. Ninguém (Mr. Nobody, 2009): espécie de tese filosófica pop, essa história concebida pelo belga Jaco Van Dormael (da obra-prima O Oitavo Dia) é original e desencadeia várias leituras e interpretações, o que por si só já torna o longa uma indicação certeira para quem quer fugir dos enlatados produzidos pelo cinema em grande escala. O maior obstáculo para curtir o filme, entretanto, é o amor desmesurado do diretor e roteirista por sua idéia. Ao abraçar o conceito proposto pelo roteiro e achá-lo mais genial do que realmente é, Van Dormael pulula a narrativa com tantas versões alternativas de realidade que acaba tornando o filme mais confuso do que esperto. Se passasse mais tempo na sala de edição, eliminando certas cenas e tornando o roteiro mais enxuto, seria um daqueles filmes destinados a tornarem-se inesquecíveis. Como ficou, ainda é um filme relevante, com imagens sensacionais, de um diretor que, se não fosse bissexto em sua produção, teria todas as ferramentas para se tornar um dos grandes cineastas da atualidade. Formaria uma bela sessão dupla com A Viagem (Cloud Atlas), dos irmãos Wachowski. Nota 7,5

76 - Os Estagiários (The Internship, 2013): tenta a todo custo repetir a mesma fórmula de sucesso do longa anterior com a dupla central Vince Vaughn e Owen Wilson (Penetras Bons de Bico), mas resvala no lugar-comum das comédias de encomenda. Se a química da parceria dos atores ainda funciona (ambos, mais uma vez, parecem interpretar versões exageradas de si próprios) e há uma ponta muito engraçada de Will Ferrell que garante boas risadas, o resto do filme é um enorme comercial da Google, o que talvez tenha impedido os realizadores de pegarem mais pesado nas piadas. Consequentemente, o filme se estabelece como uma comédia engessada em suas tentativas de humor, limitando-se a esquematicamente reproduzir toda e qualquer produção do gênero saída da linha de produção de Hollywood (o final é especialmente constrangedor em sua capacidade de amontoar clichês horrorosos). Garante algumas risadas aqui e ali, mas o que fica é a maior peça publicitária já exibida comercialmente nos cinemas. Nota 5,5

77 - 13 Pecados (13 Sins, 2014): refilmagem do bom suspense tailandês 13 Desafios, de 2006, que a princípio limita-se a reencenar o roteiro original, evidenciando a bizarrice do comportamento americano, que prefere torrar milhões de dólares do que acostumar-se a ler legendas. Do meio para o final, quando a produção resolve inserir mudanças de rumo em relação ao filme original, a coisa descamba ainda mais, pois todas as adições servem basicamente para escancarar a completa inverossimilhança da premissa que serve de base ao roteiro. Nota 3

78 - RED 2: Aposentados e Ainda Mais Perigosos (RED 2, 2013): continuação do bobinho, mas  divertido, longa de 2010, que por sua vez era baseado muito livremente em uma HQ. Apesar do elenco de peso (Bruce Willis, John Malkovich, Helen Mirren e Mary Louise-Parker agora contam com o reforço de Catherine Zeta-Jones, Anthony Hopkins e Brian Cox), todos parecem sem muito entusiasmo em cena, talvez a mesma sensação do público ao deparar-se com uma historinha que limita-se a reprisar piadas requentadas do primeiro filme em meio a um corre-corre sem qualquer nexo ao redor do globo. As cenas de ação são razoáveis e é sempre divertido assistir Helen Mirren empunhando uma submetralhadora, mas de resto é tão apático quanto as expressões faciais de Willis. Nota 5

79 - O Herdeiro do Diabo (Devil´s Due, 2014): mais um daqueles longas de terror que parecem fazer parte de um pacto demoníaco entre cinéfilos que, ano após ano, não resistem em conferir a produção furreca da vez com a batida narrativa das filmagens encontradas. Esse aqui usa e abusa de absolutamente todos os recursos que filmes de supostos registros reais já utilizaram nos últimos anos. Surpreendentemente, lá pelas tantas, quando praticamente todas as formas de hardware foram tentadas, o filme descaradamente vira uma espécie de cover de Atividade Paranormal, desenvolvendo o enredo por meio de câmeras de segurança instaladas na casa do casal de protagonistas!!! A cara de pau é tanta que até sobra uma certa simpatia pelos realizadores, que tentam a todo custo recriar o climão de O Bebê de Rosemary, mas nunca acertam sequer de raspão no alvo (chegam a estragar o final logo na primeira cena). Nota 3        

80 - Como Eu Festejei O Fim do Mundo (Cum mi-am petrecut sfarsitul lumii, 2006): longa romeno que às vezes se aproxima muito do cinema de Tornatore, mas logo se distancia ao abordar a vida familiar pré-queda de Ceasuescu com um tom naturalista, mas com lampejos de realismo fantástico que fazem toda a diferença. Interessante do ponto de vista político, mas ótimo em sua capacidade de registrar o baque da troca do regime sobre adolescentes e crianças. Por vezes, parece quase um documentário, mas em seus melhores momentos, quando abraça o olhar infantil, torna-se irresistível. O elenco é sensacional e só aumenta o impacto da mensagem. Nota 8

81 - Absentia (Absentia, 2011): terror paupérrimo, que conseguiu arrecadar 70 mil dólares de orçamento em parte via Kickstarter, o que serve de referência para novos cineastas. É uma produção que nunca nega a falta de verba (inclusive a escancara em certos momentos), mas mesmo assim consegue extrair ótimos sustos do público. Como se não bastasse, ainda consegue estabelecer uma mitologia própria (e original), sem precisar entregar respostas fáceis. Um trabalho com cara de filme grande, mesmo que em roupagem pequena. Nota 7,5

82 - O Estranho Thomas (Odd Thomas, 2013): produção furreca que desperdiça um personagem bacana, sabotando o projeto com uma narração em off que, mais do que redundante, soa patética. Não favorece ao filme que o diretor Stephen Sommers (A Múmia) esteja em sua fase Van Helsing e G.I. Joe, confundindo defeitos especiais com condução narrativa. O protagonista Anton Yelchin (Star Trek) merecia algo melhor. Nota 4

83 - Circuito Fechado (Closed Circuit, 2013): suspense de espionagem que abusa da paranóia para tecer uma crítica aos desmandos de governos e agências de inteligência. O evento fictício que abre o filme bem poderia ser real, mas os desdobramentos que o sucedem são por demais inverossímeis. O lado bom é que o filme segue a cartilha do gênero tão bem que fica fácil desculpar os deslizes do roteiro. Consegue prender a atenção e quase decola em vários momentos, muito por causa do excelente elenco (Eric Bana é um ator a ser redescoberto pelos estúdios). Funciona bem. Nota 7

84 - Tudo Por Justiça (Out Of The Furnace, 2013): longa que não tem muito o que dizer em seu roteiro, mas o diz tão bem que amplifica a mensagem até certo ponto simplória e alça a produção a um patamar bem mais elevado do que se poderia esperar. O diretor Scott Scooper (Coração Louco) sabe muito bem aproveitar o material que tem em mãos e cozinha o seu prato em fogo baixo, aproveitando o ótimo elenco (Christian Bale e Woody Harrelson entregam performances sensacionais) e a tensão crescente até um clímax honesto e perfeitamente crível. É a típica produção independente que mereceria ser descoberta pelo grande público. Violento, triste e belamente conduzido. Nota 8

85 - Atividade Paranormal: Marcados Pelo Mal (Paranormal Activity: The Marked Ones, 2014): na cartilha seguida cegamente pelos executivos de Hollywood, uma franquia não encerra até que se extraia dela o último centavo. Portanto, não é de se espantar que o modesto (e bom, diga-se de passagem) primeiro filme tenha rendido até agora três continuações (e uma quarta agendada para este ano), além de duas produções derivadas, uma ambientada no Japão e outra dentro da população latina dos EUA (este aqui). Apesar do esforço em criar um cânone que o una com os outros filmes (esforço esse até simpático do ponto de vista dramático), trata-se de uma produção que berra em cada fotograma "caça-níquel". Além da abordagem da câmera na mão já ter sido abusada em demasia pelo cinemão, é um filme que não apresenta nenhuma novidade e, pior de tudo, lança mão de clichês desprezíveis do gênero, a começar pela completa falta de inteligência de seus personagens. Ainda por cima, não dá sustos nem com a luz desligada durante a madrugada insone. Nota 4

86 - Um Lugar Solitário Para Morrer (A Lonely Place To Die, 2011): thriller ambientado no mundo dos alpinistas (a la Risco Total) que começa muito bem, com uma direção de fotografia que enquadra de maneira exemplar as paisagens escocesas, além de apresentar uma trama engenhosa e fácil de cativar. O problema todo reside no terceiro ato, quando o roteiro abandona as montanhas e sucumbe a uma sucessão incrível de situações absurdas. A protagonista Melissa George (do seriado Alias, do remake de Horror em Amityville e do ótimo Triângulo do Medo) é uma gracinha e carrega o filme nas costas, mas o final é tão cheio de furos que não dá para perdoar. Assim como seus protagonistas, escala uma bela encosta, mas nunca atinge o cume da montanha. Nota 5,5

87 - Eu Vi O Diabo (Akmareul boatda, 2010): surpreende o incrível grau de violência explícita comandado por Kim Jee-woon (Medo, O Último Desafio) nesse longa perturbador sobre os reflexos medonhos do sentimento de vingança levado às últimas consequências. Se o roteiro às vezes descamba para uma falta de lógica que trunca a narrativa, ao passo que as explosões sucessivas de violência aproximam o filme dos torture porn de Eli Roth, é a direção empolgada de Jee-woon que salta mesmo aos olhos e torna essa jornada ao inferno um thriller daqueles de grudar na poltrona. Suas duas horas e vinte minutos parecem não mais do que uma hora e meia de absoluta tensão. Um baita trabalho de gênero que merece ser descoberto, mesmo que seja um produto para poucos paladares. Nota 8

88 - Passion (Passion, 2012): se não fosse a inclusão do filme no currículo de Brian De Palma no Imdb, não daria para acreditar que o mesmo cineasta que presenteou o mundo com Os Intocáveis e Vestida Para Matar seja o diretor desse trem descarrilhado aqui. Espécie de manual básico do filme ruim, tem um elenco que nunca esteve tão pavoroso (na maioria das vezes, as "interpretações" parecem saídas de um teatrinho de escola na proverbial homenagem anual do Dia das Mães), uma edição aparentemente feita por um aprendiz de açougueiro cego, trilha sonora de filme pornô de quinta categoria e uma história tão inacreditavelmente absurda que me deu uma puta vontade de conferir o longa francês que lhe serviu de base (Crime de Amor, de Alain Corneau), nem que seja só para rir. De Palma parece ter a intenção de entregar o habitual suspense hitchcockiano com toques sensuais que era mestre em fazer na década de 80, mas aqui tudo dá tão errado que a impressão é de uma comédia no estilo de Todo Mundo Em Pânico (aliás, se esse era o objetivo do diretor, palmas à De Palma, pois temos aqui a melhor paródia de gênero desde Apertem Os Cintos... O Piloto Sumiu). Um filme para chorar de rir. Ou de raiva, dependendo da expectativa. Nota 2 

89 - Uma Vida Melhor (A Better Life, 2011): belo trabalho que aborda de forma sensível uma parcela da sociedade americana (a dos imigrantes ilegais) que raramente é retratada de maneira adequada por Hollywood. Demian Bichir (do seriado The Bridge), indicado com justiça ao Oscar de Melhor Ator pelo papel, constrói um personagem tão humano que acaba sendo praticamente impossível não ficar tocado por sua jornada inglória. Emocionante na medida certíssima. Nota 8

90 - Antissocial (Antisocial, 2013): por trás da idéia até certo ponto muito relevante de tecer uma crítica à alienação do mundo moderno por meio das redes sociais esconde-se um terrorzinho tão vergonhoso que, em sua última cena, presta "homenagem" ao primeiro Resident Evil. E quando a referência cinematográfica de um diretor é um filme que já era ruim, a coisa anda de mal a pior. Elenco de ficar envergonhado pelos pais dos atores, uma história sem lógica alguma e absolutamente nenhum susto. É o que a banca oferece aqui. Nota 1

*  91 - Godzilla (Godzilla, 2014, IMAX 3D): essa nova encarnação do monstrengo que ganhou vida originalmente nos cinemas pelos estúdios nipônicos Toho consegue uma proeza e tanto ao tornar o fiasco comandado por Roland Emmerich (não lembra? é aquele filme em que Ferris Bueller combate uma sobra das filmagens de Jurassic Park) ainda pior do que já é na memória de toda a criança que cresceu vendo o lagartão destruindo Tóquio over and over again. Comandado com mão segura por Gareth Edwards (do ótimo Monstros, que também versava sobre, arrá!, monstros), é um blockbuster de exceção. Há uma nítida autoralidade no trabalho de Edwards, algo raro em se tratando de produções concebidas por estúdios americanos visando basicamente grana nos cofrinhos de seus executivos. É evidente a intenção em render tributo ao cinema comercial dos anos 80, principalmente a Spielberg, com um ritmo cadenciado que é o completo oposto do cinema clipado de Michael Bay e sua destruição que parece videogame. O resultado é um arrasa-quarteirão que apresenta cenas que surpreendem pela boa elaboração (com ótimo clima criado pela sensacional trilha de Alexandre Desplat), como toda a sequência ambientada em um trilho de trem construído sobre um despenhadeiro. A opção de adiar a apresentação do personagem principal (Gojira, baby, Gojira!!!) ao público até o limite do insuportável resulta numa manobra que remete não só à óbvia referência a Tubarão, mas também ao desenvolvimento narrativo de Contatos Imediatos do Terceiro Grau, com quem a estrutura adotada pelo diretor muito se assemelha. Importante também para o resultado final é a ótica adotada por Edwards: absolutamente todas as cenas (com exceção obviamente do quebra-pau final) são vistas sob a ótica de seus personagens, o que amplifica a ansiedade juvenil de ver todo o estrago que está acontecendo na tela. O conceito e o ritmo adotados pelo cineasta, vale dizer, são muito melhores do que o roteiro burocrático, que investe tempo precioso no desenvolvimento de personagens na maior parte desinteressantes. É sintomático que o grande Walter White, digo, Bryan Cranston, entregue a atuação mais esforçada do filme e seja disparado o personagem que causa mais empatia com o público, apesar de sua participação ser abortada já no primeiro terço da projeção. Todos os outros, incluindo o protagonista, são relegados (apesar de defendidos por um elenco extremamente respeitável) a figurações de luxo, sombras de pessoas reais que limitam-se na maior parte do tempo a vislumbrar os acontecimentos com ar de espanto entre uma e outra frase de efeito. Por trás dessas falhas (ou em frente delas), no entanto, está a disposição de Gareth Edwards em entregar um produto que honre a memória da franquia e nisso o filme é imbatível. Há toda a sorte de piscadelas de olho para os aficionados pelos filmes do lagartão gigante e o clímax é espetacular como pede a franquia. Em resumo, um filme feito por um fã para fãs. Nota 8

92 - Os Lobos Maus (Big Bad Wolves, 2013): excelente suspense israelense que usa e abusa do humor negro para atenuar o enredo pesadão, que busca enfatizar o lado sombrio escondido no mais pacato dos cidadãos. Grande elenco, ritmo crescentemente tenso e reviravoltas espertas e orgânicas. Outro golaço da dupla de diretores e roteiristas Aharon Keshales e Navot Papushado, responsáveis pelo igualmente ótimo Rabies (Kalevet), de 2010, que também misturava violência e humor de forma exemplar. Nota 8

* 93 - O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro (The Amazing Spider-Man 2, 2014, em 3D): melhor do que o equivocado reboot de 2012, ainda assim essa nova franquia comandada por Marc Webb (500 Dias Com Ela) ainda não disse a que veio, principalmente se comparada à trilogia de Sam Raimi. Ainda que levemente superior a Homem-Aranha 3, o elo fraco dos filmes dirigidos por Raimi, esse Espetacular 2 ainda carece de uma trama que dê liga ao visual bacana e aos excelentes efeitos visuais, principalmente aqueles que colocam o Cabeça-de-Teia balançando entre os arranha-céus da Big Apple (sequências que, vistas em 3D, são de cair o queixo). Se por um lado o Aranha de Andrew Garfield aparece aqui correto na transposição dos gibis para o cinema (e a relação com Gwen Stacy ganha cenas de fofurice hipster que são especialidade de Marc Webb), todo o enredo em que é inserido é de uma pobreza narrativa de assustar. Principalmente no que se refere aos vilões, todos subaproveitados, principalmente o Electro de Jamie Foxx, que ganha uma motivação risível para debandar para o lado dos malfeitores (e nunca é bom sinal quando uma produção desperdiça numa mesma levada os talentos de Foxx, Paul Giamatti e do ascendente Dane DeHaan, de Poder Sem Limites e O Lugar Onde Tudo Termina). Outra bola fora é investir novamente na traminha boba (e chata até não poder mais) dos pais de Peter Parker, o que rende inclusive uma cena que envolve um esconderijo secreto dentro de um vagão de metrô que parece saída de uma paródia tipo Austin Powers. Pelo menos as cenas de ação que abrem e fecham o filme, inclusive o clímax que recria com bastante eficiência uma passagem icônica dos quadrinhos, são empolgantes. O problema mesmo é o recheio do sanduíche, que parece mais uma vez requentado e preocupado demais com a geração atual, o que implica passar batido por elementos fundamentais do personagem. Bonzinho, mas nada além disso. Nota 6

94 - The Selfish Giant (The Selfish Giant, 2013): drama inglês que escancara o desamparo social das crianças que sobrevivem nas classes mais baixas dos subúrbios britânicos. Por vezes seco em seu registro das mazelas do proletariado, pontualmente engraçado, mas geralmente tristonho como o céu nublado que emoldura seus personagens, é um filme emocionante em sua capacidade de encontrar um belo conto de amizade no meio de um cenário tão depressivo. Mesmo que o destino pareça inevitavelmente trágico, o caminho até ele guarda algo humanamente esperançoso. Nota 8,5   

95 - Religulous - Que O Céu Nos Proteja (Religulous, 2008): sensacional documentário do excelente comediante/apresentador Bill Maher que enfoca basicamente o lado mais estapafúrdio da dogmática religiosa enquanto instituição, não poupando nenhuma das grandes "empresas" comerciantes da fé alheia (cristianismo e seus derivados, judaísmo, islamismo e por aí vai). Com um olhar crítico estabelecido desde a primeira cena, mas sem nunca afastar de suas entrevistas o benefício da dúvida (o que o protagonista faz questão de deixar claro diversas vezes), é um documentário incisivo, mas que ganha força mesmo através das absurdas teses e respostas proferidas pelos religiosos retratados, algo com que o cineasta Larry Charles já está habituado dado o seu currículo, que inclui os falsos documentários Borat e Brüno, mas também a comédia O Ditador e o seriado Seinfeld. Mesmo às vezes flertando com a visão preconcebida de documentaristas como Michael Moore, mesmo assim Maher e Charles se saem de modo exemplar, amplificando frases de efeito através de uma edição esperta (o filme lembra os melhores momentos de Tiros Em Columbine, aliás), mas sem desrespeitar os interlocutores, o que torna a mensagem (e, sim, é um documentário que possui uma agenda escancarada) muito mais efetiva. Um filme irretocável, talvez um dos documentários mais instigantes dos anos 2000 e que funciona também como comédia, tal é a quantidade de abobrinhas proferidas pelos religiosos entrevistados. Indicado não só para ateus e agnósticos, mas também para religiosos moderados, aqueles poucos que não desligam o cérebro diante de questionamentos complexos. Faz pensar e é vitorioso em sua missão de escancarar como a religião enquanto instituição é mais praga do que solução para a sociedade moderna. Um baita filme que precisa ser descoberto. Nota 9  

** 96 -  X-Men: Primeira Classe (X-Men: First Class, 2011): revendo esse último capítulo (desconsiderando o spin-off Wolverine Imortal, do ano passado) da saga do grupo de mutantes nas telonas, ficam evidentes certos errinhos de roteiro e algumas passagens (principalmente no primeiro ato) que poderiam ser facilmente limadas da versão final do roteiro. Ainda assim, é o filme de super-herói virtualmente perfeito, que traz personagens que em teoria só serviriam para o mundo das histórias em quadrinhos para uma nova mídia e os faz parecerem nascidos para ela. A trama é inovadora, apostando fichas em uma ambientação sessentista que é o contraponto à geração digitalizada dos blockbusters modernos, os personagens são complexos e o elenco é uma maravilha. Uma das grandes adaptações de gibis já feitas. Nota 9

* 97 -  Perseguição Virtual (Open Windows, 2014, no X Fantaspoa): dirigido pelo mesmo Nacho Vigalondo do ótimo Crimes Temporais (Los Cronocrímenes, de 2007), é um filme que confirma o talento do espanhol para a experimentação narrativa. Rodado como se o público acompanhasse toda a produção através de uma tela de computador, o longa consegue entregar uma versão high-tech de Janela Indiscreta para as novas gerações sem nunca soar pedante ou autorreferente. A opção original do diretor em apresentar o filme sob o ponto de vista de um internauta poderia resultar em um suspense capenga, sabotado pelas limitações do próprio mecanismo que lhe serviu de inspiração. No caso de Open Windows, pelo contrário, a dinâmica impressa por Vigalondo desde o início é certeira em seu objetivo de cativar, instigar e empolgar o público através do tour-de-force estilístico que é destilado na tela. É louvável a opção recente de Elijah Wood em escolher projetos de suspense que justamente optam por desafiar a estética e a linguagem do gênero thriller (o remake de Maníaco foi rodado em primeira pessoa, ao passo que Toque de Mestre contava sua história em tempo real), formando com essa produção uma trilogia de experimentações muito bem-vinda. Apesar do roteiro degringolar no terço final, com reviravoltas absurdas que tiram do filme justamente a devida (e conquistada) credibilidade, a sensação é de uma homenagem ao suspense hitchcockiano levada com mão muito boa. Se Vigalondo for agraciado com bons textos no futuro próximo, não é de se duvidar que entre para o primeiro time dos cineastas modernos. Ousadia é o que não lhe falta. Nota 7,5

* 98 - Chimères (Chimères, 2013, no X Fantaspoa): produção suíça que pouco acrescenta ao subgênero dos filmes de vampiro senão a óbvia opção em confrontar os personagens brilhantes e bonzinhos da "saga" Crepúsculo. Apesar de contar com um vampirão das antigas, o filme é leeeeeeento até dizer chega, com uma redundância narrativa que empilha reencenações de cenas que só depõem contra a edição. O protagonista é um mala sem alça, ao passo que sua parceira de cena (Yannick Rosset) se sai muito bem, obrigado. Só empolga mesmo lá no finalzinho, com uma cena de ação muito bacana, mas daí é tarde: o filme logo depois termina, deixando um gosto amargo na boca. Se a trama se desenvolvesse a partir daí, seria uma ótima opção. Do jeito que está, não é. Nota 5


* 99 - Willow Creek (Willow Creek, 2013, no X Fantaspoa): dirigido por Bobcat Goldthwait, o Zed de Loucademia de Polícia, é um terror no estilo found-footage que funciona porque respeita o clima estabelecido pelos primeiros (e melhores) exemplares do gênero. Não mostra quase nada e tem aquele final abrupto e anticlimático que é comum a todas as cópias de A Bruxa de Blair, mas pelo menos investe bem no desenvolvimento do casal de protagonistas (ambos ótimos) e utiliza os mais básicos mecanismos para extrair sustos genuínos do público. O resultado não é memorável, mas plenamente efetivo. Nota 7

100 - God Bless America (God Bless America, 2011): bem bom esse trabalho de Bobcat Goldthwait na direção. É um filme que me tornou cúmplice de seus matadores-protagonistas na gana em limar da face do planeta os habitantes mais imbecis (e populares) da sociedade atual. Espécie de versão de Bonnie & Clyde voltada para a geração 2000`s, é um tratado do diretor principalmente contra os setores mais conservadores da sociedade americana (Tea Party e seus asseclas), passando pela idiotização das gerações mais novas, crias do conteúdo imbecilizante da mídia moderna. Um belo trabalho que consegue ser político, violento e engraçado nas medidas certas. Nota 7,5

101 - The Penny Dreadful Picture Show (The Penny Dreadful Picture Show, 2013): se algum cineasta tentar fazer o pior filme de terror da história é capaz de esbarrar nesse esforço coletivo desses três (!!!) diretores aqui, que conseguiram entregar um produto tão pedestre que até um fã die-hard como eu chegou a pensar em abortar a missão lá pelo meio da metragem. É um festival de atuações constrangedoras, humor de chorar de tão mal encenado e referências a clássicos do terror jogadas a esmo, sem o menor critério. Uma das piores (senão a pior) bombas que eu vi no ano até agora. Nota 0

* 102 - X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido (X-Men: Days Of Future Past, 2014, em 3D): não me importa nada se o filme segue ou não à risca a HQ em que se baseia (o gibi homônimo que eu, coincidentemente, li quando piá). O fato é que Bryan Singer é tão bom contador de histórias que a sua visão para o conto em que se baseia é tão bem orquestrada que vale dar um foda-se geral para os defeitos de cronologia (algo recorrente tanto na trilogia original quanto nos derivados de Wolverine e na prequel) na saga dos personagens no cinema. Melhor ainda: Singer consegue dar um reboot na série que, se não resolve todos os problemas de continuidade, pelo menos lima da face da Terra o meia-boca X-Men: O Confronto Final, de Brett Ratner, do cânone da franquia. Ao unir a "velha" guarda com os atores de Primeira Classe, Singer orquestra um filme muito eficiente que não chega a atingir a excelência da reinvenção de Matthew Vaughn, mas consegue botar quase todas as incongruências nos eixos. Excelente do ponto de vista de montagem e condução das poucas (mas ótimas) sequências de ação, Dias de Um Futuro Esquecido ainda consegue a proeza de contar com o maior número de atores e atrizes de prestígio em um longa de super-heróis (e todos, por menor que sejam as suas participações, estão irretocáveis em cena). E ver esse elencaço interagindo em um filme de gênero é um prazer difícil de ser equiparado. Relegando Wolverine, a cara mais conhecida da série, a um papel central, mas sem muitas cenas de ação, o longa dá espaço para personagens novos (Mercúrio tem a melhor cena do filme, uma sequência que já nasceu clássica!) e antigos (o Magneto de Fassbender/McKellen e o Charles Xavier de McCavoy/Stewart são ótimos, enquanto a Mística de Jennifer Lawrence tem papel fundamental na trama), todos muito bem aproveitados, inclusive o Fera novinho de Nicholas Hoult (de Jack, O Caçador de Gigantes, Meu Namorado É Um Zumbi e Um Grande Garoto). A ambientação de época setentista, contrastada pelo futuro sombrio com ecos de O Exterminador do Futuro, também funciona que é uma barbaridade. Mesmo não atingindo a quase-perfeição de X-Men: Primeira Classe, Dias de Um Futuro Esquecido revela-se aquele filmão de super-heróis bem contado, conduzido com carinho e extremamente relevante para o futuro da franquia nos cinemas. Por mim, todo e qualquer filme de super-herói poderia ser dirigido pelo Bryan Singer daqui para frente. Nota 8,5   

103 - Escape From Tomorrow (Escape From Tomorrow, 2013): longa filmado dentro dos parques da Disney de forma sorrateira e sem autorização alguma, o que por si só já revela uma virtude que automaticamente faz da produção um filme que merece ser conferido. A excelente fotografia em preto e branco, inacreditavelmente captada por câmeras semiprofissionais, e a boa trilha de Abel Korzeniowski (Direito de Amar) criam uma atmosfera sinistra que serve muito bem ao propósito do filme de apresentar um conto sombrio ambientado no cenário forçadamente alegre da Disneylândia. Apesar do louvável esforço de guerrilha das filmagens, a trama descamba lá pela metade e, com a pretensão de entregar um produto perturbador e surreal a la David Lynch, apenas concebe uma história confusa e que não faz sentido algum no final das contas. Vale mesmo é pela coragem na execução e nem tanto pelo produto final. Nota 5 


104 - Walt Nos Bastidores de Mary Poppins (Saving Mr. Banks, 2013): apesar da "inspiração em fatos reais" ser mais imaginação mesmo do que propriamente um registro honesto dos eventos (a escritora P. L. Travers morreu dizendo que tinha odiado a adaptação de seu livro pelos estúdios do Mickey), é uma bela história de acerto de contas com traumas da infância. Apesar da personagem principal ser uma chata de galochas (Emma Thompson faz o possível para tornar a figura uma caricatura que soasse ao menos engraçadinha, tarefa árdua, diga-se de passagem), a presença de Tom Hanks como Walt Disney soa adequada e garante um grau irresistível de simpatia ao projeto. Mais do que isso, a trilha de Thomas Newman (Toy Story), indicada com justiça ao Oscar 2014, é um primor só, reutilizando partituras dos desenhos clássicos da Disney sem nunca parecer reverente em demasia. Se o roteiro descamba para o chororô lá pelas tantas (e descamba mesmo), há uma doçura e uma inocência que permeiam o projeto que parece até aquelas produções originais do estúdio que insistiam em ser reprisadas na Sessão da Tarde. Pensando bem, é uma produção original do estúdio, tamanha é a liberdade com que trata os fatos em que busca inspiração. E, nesse caso específico, isso funciona muito bem, obrigado. Nota 7

105 - Jobs (jOBS, 2013): cinebiografia que nunca se decide entre entregar os podres do personagem retratado ou limitar-se a fazer um comercial em celulóide dos produtos por ele concebidos. Alterna sem qualquer sutileza cenas do protagonista enquadrado como um messias palestrando para hordas de nerds de bocas homogeneamente abertas, mesmo que o texto que replique soe mais como uma das mais imbecis cartilhas de livros de auto-ajuda, com outras que registram ações das mais condenáveis, sem nunca explicá-las (era mesmo Jobs um canalha que não vacilava em roubar descaradamente o parceiro que criara o produto que vendia? Ou que tratava a namorada de modo tão cruel que, mesmo após um teste de DNA conclusivo, ainda assim não reconheceu a filha biológica?). Diante de tantas questões nunca respondidas, o filme parece mais um rascunho do que seria realmente uma biografia honesta de Steve Jobs. E contribui diretamente para esse viés banal o fato de terem escolhido justamente o fraco Ashton Kutcher para interpretar o protagonista. Se o modo com que Kutcher imita o jeito de andar de Jobs é realmente correto, só poderia ser caso de prisão de ventre crônica. Algo que o longa também nunca explica. Nota 5

* 106 - No Limite do Amanhã (Edge Of Tomorrow, 2014, em IMAX 3D): em um ano em que surpreendentemente os blockbusters revelam-se acima da média, No Limite do Amanhã é uma das melhores diversões que um par de horas pode reservar dentro de uma sala de cinema em 2014. Espécie de Feitiço do Tempo sem a marmota, mas com muita ação, efeitos especiais e sátira política, o novo produto estrelado por Tom Cruise talvez seja a síntese da filmografia de um dos últimos atores que se beneficiam do star system hollywoodiano (talvez o último?), herança em extinção desde o fim da Era de Ouro dos grandes estúdios. Cruise ainda tem no seu nome estampado nos cartazes dos filmes o elemento mais importante para levar multidões aos cinemas, algo absolutamente anacrônico em tempos de franquias norteadas por "marcas" e não atores. Independentemente da eficácia de tal manobra, Cruise é talvez hoje o astro mais confiável dentro sistema dos estúdios, apostando com maior ou menor eficácia em projetos originais (com exceção, obviamente, da franquia Missão Impossível, o maior chamariz de bilheteria do cara) que não têm embutidos em si uma legião de fãs dispostos a torrar o dinheiro em adaptações cinematográficas independentemente do resultado final. No Limite do Amanhã, além da coragem em representar uma superprodução sem uma franquia que o alimente por trás, é um filme que, a despeito das inúmeras referências lógicas (os exo-esqueletos e o mesmo Bill Paxton de Aliens - O Resgate, os alienígenas tentaculares de Matrix Revolutions, a sequência inicial de O Resgate do Soldado Ryan, o próprio Feitiço do Tempo), traz sopro de vida nova aos blockbusters ao utilizar os milhões gastos no orçamento em prol de uma história inteligente que nunca cede espaço para a ação gratuita, apesar de ser um dos longas mais movimentados dos últimos tempos. Sem soar autoindulgente em momento algum, é um filme que enxerta esperteza onde comumente se vê apenas a repetição de velhos e batidos clichês. Dirigido com gana por Doug Liman (A Identidade Bourne), usa e abusa da lógica mesmo dentro do terreno nebuloso das tramas ambientadas dentro do subgênero das viagens no tempo. E isso sem deixar de usar um humor autorreferencial que lança piscadelas à platéia a todo momento, elemento que faz toda a diferença à produção. É daquelas superproduções que valem cada centavo do ingresso, preferencialmente comprado numa das mais potentes salas de exibição. Nota 8,5

107 - Frankenstein: Entre Anjos e Demônios (I, Frankenstein, 2014): típico produto que é concebido por executivos de estúdio que não guardam qualquer respeito com o material original que serve de base para a reimaginação proposta (o romance Frankenstein, de Mary Shelley, e mesmo a graphic novel que lhe serve de referência direta), é uma produção que tenta a todo custo repetir os cacoetes cinematográficos presentes na execrável franquia Underworld, da fotografia em tons azuis à suposta abordagem de uma luta fictícia ente castas fantásticas (no caso aqui, temos gárgulas e demônios, ambos retratados de maneira magistralmente mambembe), mas não consegue extrair do material mais do que uma bizarra apresentação colegial, dessas que só os pais dos envolvidos vão aplaudir (e gravar orgulhosos na câmera comprada no e-Bay). Furreca no roteiro e na condução, é um dos piores filmes lançados em 2014 e talvez um caso raro em que uma produção tão pobre em idéias e execução não foi limada diretamente para o lançamento em dvd/bluray. Vergonhoso em todos os sentidos. Nota 1


108 - O Grande Hotel Budapeste (The Grand Budapest Hotel, 2014): com essa obra-prima da comédia farsesca, parece que Wes Anderson (Três É Demais, Os Excêntricos Tenenbaums, Viagem A Darjeeling, O Fantástico Sr. Raposo) realmente crava o pé como um dos mais interessantes cineastas da atualidade. Ainda melhor do que Moonrise Kingdom, que por sua vez já era um trabalho virtualmente perfeito, Anderson consegue aqui aquela sincronia raríssima entre um roteiro milimetricamente esculpido, uma execução precisa e um elenco homogeneamente impecável (Ralph Fiennes, F. Murray Abraham, Mathieu Amalric, Adrien Brody, Willem Dafoe, Jeff Goldblum, Tilda Swinton, Bill Murray, Edward Norton, Jude Law, Saoirse Ronan, Harvey Keitel, Jason Schwartzman, Léa Seidoux, Tom Wilkinson, Owen Wilson e o excelente estreante Tony Revolori estão absolutamente irresistíveis, por menor que sejam as aparições de alguns). Além de esteticamente irrepreensível, Anderson aqui ainda arrisca-se a entregar uma história que traz em sua gênese um viés histórico crítico que, até então, era ausente em sua cinematografia. Desde já um dos melhores filmes do ano, é também obrigatório por representar o amadurecimento de um cineasta que já era genial há anos. Nota 9

109 - 300: A Ascensão do Império (300: Rise Of An Empire, 2014): visualmente quase tão deslumbrante quanto o 300 que lhe serve de prólogo (e epílogo, pois a melhor sacada dessa continuação é justamente ambientar o roteiro antes, durante e depois dos acontecimentos do primeiro filme), é uma produção que derrapa no roteiro e nas atuações. Se o texto não consegue emular as melhores características da produção original (a empolgação com os discursos pré-batalhas, a reconstituição histórica do conflito), o elenco empalidece ainda mais na comparação (o fraquíssimo protagonista Sullivan Stapleton não tem um milésimo do carisma de Gerard Butler e sua dicção é algo a ser estudado por anos a fio). Pelo menos há Eva Green, lindíssima (e gostosíssima) como a vilã, um ponto a favor de uma produção que relega Rodrigo Santoro a apenas três cenas que não condizem com o potencial do ator brasileiro. As sequências de ação funcionam e quase tornam o filme bom, mas todas são sabotadas pelo texto, tão rastaquera quanto só Hollywood consegue produzir atualmente. Nota 5,5

* 110 - Vizinhos (Neighbors, 2014): boa comédia que reafirma o talento de Seth Rogen para fazer humor escatológico/amoral sem soar grosseiro como seu parceiro Adam Sandler. Muito contribui a boa mão de Nicholas Stoller (Ressaca de Amor, O Pior Trabalho do Mundo) para o gênero, o que garante as melhores cenas do longa, já que quase todas elas são amparadas pela liberdade que o diretor concede ao improviso de seu ótimo elenco (se Rogen está divertidíssimo como sempre, são mesmo Zach Efron e Rose Byrne que surpreendem, cada um tirando muito sarro dos papéis que seus biotipos lhes relegaram através dos anos). Se não chega a arrancar tantas gargalhadas quanto o primeiro Se Beber, Não Case, de quem é primo distante pelo menos no que se refere ao tom das piadas, pelo menos é uma comédia que faz valer o gênero em que se insere, provocando o riso com facilidade diante das situações mundanas que o roteiro reencena com ironia. E a profusão de referências à cultura pop, principalmente aos seriados da moda, só acrescenta atualidade ao contexto. Uma comédia bacana que remete a clássicos modernos como Clube dos Cafajestes e A Última Festa de Solteiro, mas também sabe dialogar com naturalidade com a nova geração. E ainda conta com o bebê mais adorável visto na última década na telona. Diversão garantida. Nota 7,5


111 - Assassinato em 4 Atos (La Marque des Anges: Miserere, 2013): dirigido pelo mesmo Sylvain White de Os Perdedores, é um policial francês que tem em seu DNA o compasso dos filmes de suspense policial americanos, linha que segue muito bem, diga-se de passagem (as cenas de ação são especialmente bem executadas). O problema reside mesmo no roteiro, adaptado de forma canhestra de um romance do autor Jean-Christophe Grangé, cuja história é basicamente um remake do plot do muito superior Rios Vermelhos. Estão em cena todas as principais marcas daquele filme, desde a dupla de policiais à primeira vista antagônica até a insistência com teorias conspiratórias envolvendo os nazistas. O texto é tão mequetrefe que, lá pelas tantas, o personagem de Gérard Depardieu (sempre com ótima presença em cena, mesmo que parecendo um hipopótamo) ouve por detrás de uma parede todo o plano dos bandidões, com direito a vídeo explicativo e tudo, no melhor estilo Scooby-Doo. Não há movimento de câmera e edição que consigam consertar esse tipo de idéia furada. Nota 5,5

112 - Sem Escalas (Non-Stop, 2014): eis aí a primeira bomba do ano que resulta em um programaço para um domingão ocioso. Com um roteiro vergonhoso, que não se furta a reservar para o final uma reviravolta dessas de fazer corar o mais empedernido defensor do gênero, é um filme que exala pelos poros a natureza B de sua trama. Assumir-se como tal, porém, faz toda a diferença para o resultado final. Ancorado pelo sempre eficaz Liam Neeson, que dota de carisma um personagem raso e padronizado, a produção funciona porque encontra nos próprios clichês uma maneira de reverenciar o cinema comercial em que se insere. Bem conduzido como um bom truque de mágica, faz render os segundos que levam o espectador, ao final do filme, a perceber que assistiu a apenas mais do mesmo. Dessa vez, entretanto, com uma boa mão por trás da cortina. Nota 6,5  

113 - Inbred (Inbred, 2011): fazia tempo que eu não me deparava com um banho de sangue tão exagerado. Há aqui desmembramentos para qualquer fã do gênero terror abrir uma cerveja e comemorar no sofá de casa. Por outro lado, essa produção inglesa, no final das contas, é apenas uma cópia com roteiro chinfrim de todo e qualquer exemplar do gênero já visto em muito melhor forma nas próprias produções por ela homenageadas. Muito sangue para poucas vísceras. Nota 5

114 - Família do Bagulho (We´re The Millers, 2013): um filme com um título tão infame quanto o brasileiro e tão desinteressante quanto o original, aliado ao elenco capitaneado pela eterna Rachel de Friends, Jennifer Aniston, grita para que o público com um mínimo de discernimento corra para as montanhas antes de encarar outra bomba do naipe das comediazinhas enlatadas por Hollywood de mês em mês. Surpreendentemente, apesar de contar com a mesma estrutura engessada produzida em massa pela indústria cinematográfica americana, percebe-se aqui uma vontade evidente em sabotar o humor "familiar", com gags que, além de genuinamente engraçadas, debocham na cara dura do american way of life. É essa alma de outsider que se vendeu ao sistema, mas tenta burlá-lo, que faz do filme uma das melhores comédias do ano passado (sem contar o corpaço de Aniston, aqui aproveitado no máximo de sua plasticidade). Até Jason Sudeikis (do Saturday Night Live e totalmente apático nos filmes Passe Livre e Quero Matar Meu Chefe) e Emma Roberts (a fraquinha sobrinha de Julia, vista em Pânico 4 e no seriado American Horror Story) entregam atuações que casam como uma luva com o projeto. No resumo da ópera, uma comédia das boas. Nota 7,5 

115 - Esquadrão Sem Limites (The Sweeney, 2012): adaptação de seriado inglês da década de 70 que mais parece um prato requentado da temática igualmente já vista na série americana The Shield ao abordar uma divisão policial que utiliza meios muitas vezes ilícitos para controlar a criminalidade. Ray Winstone (Beowulf, Noé), que sempre causa impacto com sua forte presença cênica, tenta adequar o seu jeitão casca-grossa a um personagem que infelizmente é muito mau-caráter e marrento demais para conseguir a empatia do público, o que de certa forma sabota o filme. Menos mal que o longa, apesar de genérico em sua trama, traz pelo menos duas sequências de ação muito bem executadas, uma delas uma espécie de refilmagem do tiroteio principal de Fogo Contra Fogo. Passa por média. Nota 6

116 - Uma Vida Simples (Tou Ze, 2011): os letreiros iniciais alertam que trata-se de uma história baseada em fatos reais, o que parece prenunciar uma daquelas jornadas humanistas que culminam em um evento estrondoso, bombástico, relevante e/ou inspirador para a raça humana. Na contramão de seu prólogo escrito, porém, o delicado longa da chinesa Ann Hui entrega uma sucessão de imagens mundanas, minimalistas em sua simplicidade, mas que conseguem extrair significados tão ou mais arrebatadores do que as narrativas superlativas conseguem em seus melhores momentos. Predicado do cinema vindo do Oriente, a trivialidade enquanto registro da Humanidade lato sensu não é novidade e aqui ganha um exemplar daqueles de guardar com carinho em uma gaveta da memória. O lado sombrio do envelhecimento é tratado com realismo às vezes perturbador, às vezes agridoce, mas o que fica é a relação maior do que a vida travada por dois protagonistas irrepreensíveis: Andy Lau, mais conhecido por seus papéis em filmes de ação (O Clã das Adagas Voadoras, Conflitos Internos), e Deannie Yip, com muita justiça ganhadora da Copa Volpi de Melhor Atriz no Festival de Veneza 2011. Tão bonito que deveria ser enquadrado e posto em uma parede da sala. Nota 8,5   


117 - Not Safe For Work (Not Safe For Work, 2014): quem diria que o diretor Joe Johnston (Querida Encolhi As Crianças, Jumanji, Jurassic Park 3), justamente logo depois de ter conduzido sob encomenda da Marvel Studios o blockbuster Capitão América - O Primeiro Vingador, iria acabar relegado a assinar um longa que mais parece uma daquelas produções B destinadas às videolocadoras (o filme sequer passou nos cinemas americanos)? Triste sina essa de Johnston, que leva meio nas coxas um roteirinho banal que envolve a premissa batida de caça entre gato (um assassino profissional) e rato (um advogado) presos em um andar de um prédio comercial. Tudo no filme grita Supercine a cada fotograma. Se pelo menos mantivesse a pretensão baixa até o final, seria aquele enlatado meio desmaiado, mas digerível. O final, porém, é deixado em aberto, como que esperneando por uma continuação que, se tudo der certo, nunca virá. A pretensão descarada do desfecho se encarrega de dar a descarga final na produção. Nota 5 

118 - Hércules (The Legend Of Hercules, 2014): reinvenção porca do mito grego que sequer se aproveita da lenda propriamente dita, colocando para escanteio justamente as passagens fantasiosas que são obviamente os elementos mais interessantes da trajetória do personagem. Conta com um elenco vergonhoso encabeçado por um coadjuvante da "saga" Crepúsculo que, a cada vez que abre a boca para proferir algum dos absurdos contidos no roteiro, certamente causa a morte de uma fada em algum lugar do universo fantástico. Conta ainda com uma produção que, em seus melhores momentos, lembra uma daquelas adaptações evangélicas pavorosas da Rede Record. Nos piores, lembra uma reencenação mambembe dos circos de outrora. Uma das piores produções lançadas em larga escala na última década e uma prova irrefutável de que o diretor Renny Harlin deve ter contratado um dublê para rodar Duro de Matar 2 e Risco Total. Nota 1


119 - Vai Que Dá Certo (2013): típica bobagem despretensiosa pensada para tirar sarro de um gênero cinematográfico (no caso, os filmes de assalto), é um legítimo filme de turma, o que automaticamente já lhe serve de predicado ante o árido panorama das comédias nacionais dos últimos anos. Se por um lado Danton Mello está surpreendentemente bem em cena, por outro Fábio Porchat e Gregório Duvivier (dois dos nomes por trás do coletivo Porta dos Fundos) apresentam-se irregulares e por vezes completamente descontrolados em cena (culpa da falta de mão firme do diretor Maurício Farias). Há risos esparsos aqui e ali, muito por causa do talento do elenco, mas as referências à cultura pop, por exemplo, resultam esquemáticas e gratuitas. Com um roteiro mais bem trabalhado, seria um exemplar com fôlego para destacar-se entre as horrorosas comédias da Globo Filmes. Como está, é um trabalho apenas mediano, mas não desprovido de certo charme. Nota 5,5

120 - Reino Escondido (Epic, 2013): a Blue Sky, produtora de animações por trás da franquia A Era do Gelo, demonstra que possui bons profissionais atrás das câmeras ao entregar uma produção visualmente impecável e com ritmo fluido. Se o roteiro não chega a ir além do esquematismo do gênero (e não chega mesmo), pelo menos é um espetáculo que prende a atenção e encanta pelo preciosismo do trabalho de seus animadores. Um bom programa de final de semana. Nota 6,5

121 - Entre Segredos e Mentiras (All Good Things, 2010):  dirigido pelo mesmo Andrew Jarecki do ótimo documentário Na Captura dos Friedmans, ressente-se do medo do documentarista em ficcionalizar os fatos reais que norteiam o seu roteiro. Apesar do primeiro ótimo ato, em que se sai muito bem preparando a narrativa e introduzindo os personagens (atuações maiúsculas de Ryan Gosling, Kirsten Dunst e Frank Langella), derrapa da metade para o final, entregando um desfecho ambíguo e inconclusivo que soa muito mais decepcionante do que propriamente intrigante, como desejaria o diretor. Nota 5,5

122 - As Palavras (The Words, 2012): típico filme que se acha muitíssimo mais inteligente do que é na verdade, As Palavras é uma boa produção na teoria, mas um projeto que, quanto mais tenta se explicar, mais torna evidente a trama rasinha em que se sustenta. O bom elenco segura as pontas relativamente bem (principalmente Jeremy Irons), mas a trama simplista (e com uma "virada" daquelas óbvias desde a primeira cena) impede o longa de se tornar algo mais do que uma diversão inofensiva. Nota 6 

123 - Polissia (Polisse, 2011): desde o título, escrevendo a palavra "polícia" como se rabiscada por uma criança ainda não alfabetizada, esse belíssimo longa francês diz a que veio de forma exemplar. Sem uma estrutura narrativa linear, apenas limita-se a acompanhar seus vários personagens através de pequenas crônicas do cotidiano da Brigada de Combate à Violência Infantil em Paris, todas elas baseadas em casos reais. A abordagem no estilo "câmera na mão" auxilia o espectador a se transportar diretamente para dentro da encenação, dando a sensação de se estar não assistindo, mas presenciando os acontecimentos narrados. Chama a atenção o sensacional trabalho do elenco e a audaciosa opção da diretora/roteirista/atriz Maïwenn em inserir aqui e ali toques de humor em meio a um assunto tão pesado sem tirar do longa a sua contundência, algo explicitado pela impactante cena final. Um filme sobre gente pequena para gente grande. Nota 8,5

124 - Um Monstro Em Paris (Un Monstre à Paris, 2011): animação francesa que presta reverência aos clássicos do cinema de horror e também aos musicais da década de 50 sem nunca abandonar o foco no público infanto-juvenil. O roteiro segue a linha inocente dos desenhos clássicos e não conta com protagonistas muito memoráveis, mas a reconstituição de Paris é de fazer brilhar os olhos de qualquer cinéfilo. Nota 7

125 - Até O Fim (All Is Lost, 2013): aposta corajosa do diretor J.C. Chandor (do excelente Margin Call - O Dia Antes do Fim), é tanto uma aventura quanto um drama de sobrevivência, mas com um diferencial que o destaca automaticamente de todo e qualquer título lançado recentemente, pois conta com apenas um ator em cena (um memorável Robert Redford, que entrega uma das melhores atuações de uma carreira com tantos e tantos ápices) e quase nenhum diálogo. Longe (mas bota longe nisso) de resultar um programa enfadonho, revela-se uma produção eletrizante, que utiliza as suas próprias limitações narrativas para extrair significados de cenas mundanas, como o simples ato de barbear-se antes de uma tempestade (e o fato de não dar qualquer pista sobre o passado do único personagem em cena faz com que os mínimos atos do protagonista ganhem conotações grandiosas). Talvez um dos grandes tratados cinematográficos sobre o instinto humano de sobrevivência, Até O Fim é daqueles filmes para serem vistos e revistos através da existência. E possui uma trilha sonora que ainda por cima por vezes lembra alguns dos trabalhos mais inspirados de Morricone. Um triunfo irrepreensível. Nota 9

126 - Só Deus Perdoa (Only God Forgives, 2013): o diretor Nicolas Winding Refn, vindo do sucesso do filmaço Drive, repete aqui a parceria com o ator Ryan Gosling. A proposta estilizada do longa anterior é mantida e mesmo  aperfeiçoada, criando cenas de uma plasticidade de cair o queixo, ao mesmo tempo que carregam em si uma carga de nuances e significados que evidenciam o talento do diretor dinamarquês. Entretanto, a história edipiana, mesmo que carregue em si uma pretensão exagerada em chocar pela violência e supostamente enfileirar camadas de interpretação (a figura do policial como sendo uma representação de Deus, por exemplo), nunca chega a efetivamente sair do lugar-comum. Para piorar, o ritmo é claudicante (como em outro longa do diretor, O Guerreiro Silencioso), algo que complica ainda mais quando Gosling passa o filme inteiro com a mesma cara apática, parecendo estar em um estado de coma que o impede de interagir com a trama que o circunda. Menos mal que Kristin Scott Thomas rouba absolutamente todas as cenas em que aparece. Quase vale o filme. Nota 5,5

** 127 - Operação Invasão (Serbuan Maut, 2011): esse filmaço de ação resiste bravamente a uma revisão. Lotado de cenas já clássicas, é um dos "filmes de menino" mais surtados e violentos já feitos. Haja coreografia rebuscada e sangue artificial para superar isso na sequência. Nota 8,5

128 - Afflicted (Afflicted, 2013): faz uso exemplar do batido artifício da câmera na mão para entregar um filme de terror consistente, cheio de efeitos especiais muito eficientes (lembra inclusive o ótimo Poder Sem Limites em vários momentos) e com uma trama que, apesar de não trazer nada de novo, pelo menos respeita a inteligência do público. Um belo tesouro escondido. Nota 7,5

* 129 - Jersey Boys: Em Busca da Música (Jersey Boys, 2014): a segunda mancada consecutiva de Clint Eastwood como diretor (a primeira sendo o insosso J. Edgar), é uma adaptação do musical da Broadway que não sabe utilizar o que a sua inspiração tem realmente de espetacular: os números musicais. Não que as músicas de Frankie Valli sejam ruins, muito pelo contrário. São as músicas dele e do grupo The Four Seasons que garantem os melhores momentos do filme. O equívoco é tratar a produção como uma biografia padrão, sem números musicais enquanto interlúdios narrativos. O elenco nunca segura a barra: apesar de quase todos os atores terem participado da versão teatral, o único que se destaca (e que não entrega uma atuação digna da maior vergonha alheia) é justamente aquele que foi buscado fora da Broadway, Vincent Piazza (o Lucky Luciano do seriado Boardwalk Empire), que dá vida a um personagem caricatural, mas eficiente. A dramaturgia é de novela mexicana, com cenas e mais cenas que pretendem ser dramáticas, mas resultam tragicômicas. Salvam-se as músicas e a cena que encerra o filme, que remete ao musical da Broadway e dá uma pista de como o filme poderia ser bem mais divertido do que resultou. Nota 5,5

130 - Última Viagem A Vegas (Last Vegas, 2013): espécie de Se Beber, Não Case para o público que adorou Antes de Partir, consegue não funcionar nem para uns nem para outros. Apesar do começo de certa forma promissor, com boas piadas pinçadas aqui e ali, revela-se um exercício de paciência quando os clichês sentimentalóides começam a brotar do roteiro e as situações cômicas a naufragarem uma após a outra. O que fica é um elenco de respeito (De Niro, Freeman, Kevin Kline e Michael Douglas) forçado a encenar situações vexatórias que nunca condizem com a carreira dos atores. Aliás, só por essa capacidade de envergonhar astros desse calibre, o filme deveria ser limado do currículo deles. Nota 4

131 - Obediência (Compliance, 2012): lá pela metade do filme, fiquei com vontade de abortar a missão, tamanha a imbecilidade dos personagens em cena. Que bom que resisti até o final e descobri que os fatos aqui narrados aconteceram exatamente dessa forma, o que confere ao filme uma profundidade única e dá margem a uma série de questionamentos sobre a sociedade não só americana, mas como um todo. Poucas vezes a relação de poder foi discutida com tanta propriedade no cinema moderno. Com atuações sensacionais e um ritmo de thriller muito bem aplicado, é um filmaço americano que merece ser visto por todos e refletido pela maioria. Nota 8,5

132 - Ajuste de Contas (Grudge Match, 2013): a idéia de colocar novamente no ringue os atores que encarnaram no cinema Rocky Balboa e Jake La Motta respectivamente em Rocky - Um Lutador (1976) e Touro Indomável (1980), agora um contra o outro e na terceira idade, por si só já era meio esdrúxula. Principalmente porque, ao contrário de Rocky Balboa (Sylvester Stallone), que virou com o passar dos anos (e das sequências cada vez mais exageradas) um personagem do imaginário pop, o Jake La Motta de Robert De Niro nunca ultrapassou a barreira do protagonismo no belíssimo filme (um dos melhores, inclusive) de Martin Scorsese. Daí já se vê que o projeto nasceu de uma percepção completamente equivocada do mercado cinematográfico. Fosse um Rambo contra o Exterminador do Futuro, aí sim a idéia se justificaria (e isso já ocorreu no bom Rota de Fuga no ano passado), mas colocar Sly x De Niro para lutarem boxe na segunda década do século XXI é dose pra mamute, algo que obviamente resultou desastroso nas bilheterias. Para piorar, enquanto Stallone, que nunca mudou totalmente o foco de sua carreira para o gênero de filmes de ação, apresenta um corpo malhado que nem de longe entrega a sua condição de quase setentão, De Niro não possui mais o vigor físico para tentar interpretar esse tipo de papel (e a situação muito menos é digna de sua carreira). O filme, como não poderia deixar de ser, é um fracasso retumbante, tentando a todo custo inventar galhofas com a idade dos veteranos, mas sem conseguir arrancar um único sorriso sequer (com exceção da ótima piada inserida durante os créditos finais e que surpreendentemente não envolve nenhum dos protagonistas!). Além de não ser suficientemente engraçado, o dramalhão corre solto na subtrama envolvendo o filho bastardo de De Niro, um chororô desnecessário e chato pra mais de metro. Como se não bastasse o desastre anunciado, a luta final, que seria o clímax que justificaria a própria existência da produção, é filmada de forma burocrática e sem qualquer empolgação pelo fraco Peter Segal (diretor do remake de Golpe Baixo, com Adam Sandler). Uma vergonha que nenhum dos envolvidos merecia passar a essa altura do campeonato. Nota 3

133 - Uma Aventura LEGO (The Lego Movie, 2014): uma das melhores animações dos últimos anos, é talvez a produção mais inesperada desse ano em termos de qualidade. Longe de sentar em um banquinho e apenas entregar a história bonitinha e cheia de clichês com os bonecos do título, é um filme que ousa em sua estrutura, a começar pela trama que discute a noção de um Estado ditatorial e opressor como aquele de 1984 de George Orwell. Lá pelas tantas os roteiristas se arriscam até a quebrar a quarta parede dentro da animação, em um trabalho de metalinguagem excepcional e que funciona às mil maravilhas para o desfecho da aventura. E tudo isso sem abrir mão da diversão, que apresenta-se irresistível, com múltiplas piadas e gags ocorrendo em ritmo alucinante pelos quadros, a maioria delas envolvendo personagens do imaginário pop licenciados pela empresa fabricante dos brinquedos (dos personagens da DC Comics a O Senhor dos Anéis, de Star Wars às Tartarugas Ninja, todos acabam ganhando o seu espaço em cena). Uma animação para fazer adultos voltarem à infância e adolescência. Nota 8,5

134 - Operação Invasão 2 (The Raid 2: Berandal, 2014): depois do já clássico primeiro filme, o diretor Gareth Evans amplifica a trama apenas tangenciada pela sufocante produção de 2011. Mesmo que perca totalmente o foco apresentado no antecessor, essa sequência, apesar da visível pretensão, não deixa a peteca cair. Apostando em uma estrutura que remete à trilogia O Poderoso Chefão, mas com o ritmo das clássicas produções chinesas de John Woo (Fervura Máxima, Alvo Duplo) e sem nunca esquecer que se trata, lá no fundo, de um filme de artes marciais, Operação Invasão 2 é mais ou menos como se o primeiro filme tivesse tomado ácido: as lutas são ainda mais espetaculares, as cenas de ação ainda mais complexas e a violência ainda mais exagerada. Tudo funciona tão bem que mesmo as infladas duas horas e meia de duração parecem adequadas ao produto final. Que venha aí o terceiro filme (e que nesse meio tempo os produtores da franquia Os Mercenários conheçam o trabalho de Evans e percebam que ele é o nome da vez para equacionar ação desenfreada e qualidade nas telonas). Nota 8,5

135 - O Homem Duplicado (Enemy, 2013): talvez o filme mais difícil para o público médio a ser lançado nos cinemas em 2014, essa adaptação de um conto de José Saramago vai deixar todo mundo com um ar de "WTF" ao final da produção. E a maioria vai taxar O Homem Duplicado como pretensioso, sem pé nem cabeça, absurdo e por aí vai, esquecendo que talvez a própria preguiça intelectual impeça a correta compreensão de um dos trabalhos mais originais e cheio de camadas dos últimos tempos. O cineasta canadense Denis Villeneuve (do sensacional Incêndios e do bom Os Suspeitos) sabe muito bem aonde quer chegar com seu filme que nada mais é que uma viagem às profundezas do inconsciente humano, com ecos da filmografia de David Lynch, mas ao mesmo tempo adotando o rigor formal da cinematografia de Kubrick. Repleto de simbolismos, detalhes escondidos nas cenas e reviravoltas que parecem, à primeira vista, não ter nexo, é uma obra que merece ser vista e revista até que todos os seus segredos sejam devidamente descobertos. Não só o que diabos representam as aranhas inseridas aqui e ali durante a projeção, mas também sobre o que raios se trata r-e-a-l-m-e-n-t-e a história. Esse exercício mental é necessário para absorver (e aproveitar) todas as pequenas surpresas reservadas por uma produção memorável, dessas que rende debates acalorados por incontáveis noites em mesas de bar. Psicologicamente complexo, maravilhosamente protagonizado por Jake Gyllenhaal (talvez na melhor de suas atuações), com direção de arte e fotografia que traçam um paralelo fundamental com o roteiro, é desses filmaços para corajosos aventureiros da Sétima Arte. Nota 9

136 - O Exército das Trevas (Frankenstein´s Army, 2013): exibido no Fantaspoa 2013, é uma produção cuja premissa (um descendente de Viktor Frankenstein realiza experimentos durante a II Guerra Mundial a mando dos nazistas visando criar um exército de mortos-vivos como última defesa contra o avanço dos Aliados) resultaria em uma decente comédia de horror. Infelizmente, os realizadores tomaram a injustificável decisão de rodar o longa como um filme sério e ainda dentro do gênero found-footage (ou filmagens encontradas). O absurdo da idéia é ainda sabotado pelo visual empregado às imagens, que em momento algum parecem nem de perto registros daquela época. O visual dos monstrengos é desengonçado e não mete medo em ninguém, o que a limitação do recurso da câmera na mão consegue ainda piorar. Nota 2

137 - My Amityville Horror (My Amityville Horror, 2012): a idéia de fazer um documentário inteiramente centrado em um membro da família original que vivenciou os fatos até hoje obscuros ocorridos em Amityville é bacana. A premissa é sabotada, porém, em razão do protagonista (o filho mais velho do casal Lutz) soar na maior parte do tempo um completo babaca. Apesar de visivelmente perturbado psicologicamente (o que pode ou não ter raízes nos acontecimentos sobrenaturais que jura terem realmente acontecido), o seu relato não atrai a simpatia do espectador como deveria em virtude de seus frequentes rompantes de raiva e intolerância, que acabam sobrepondo-se aos questionamentos que realmente interessariam ao público. É um documentário relativamente interessante, mas que acaba ficando refém de sua figura central e não entregando conclusão alguma sobre o que aconteceu de verdade na casa do título. Nota 5 

138 - A Ponta de Um Crime (Brick, 2005): uma idéia muito legal (transpor uma trama calcada no gênero do film noir, com todos os seus elementos narrativos e personagens característicos para o microcosmo de um colégio secundarista) levada de forma inteligente e original. Joseph Gordon-Levitt revela-se um ótimo protagonista e a homenagem que Rian Johnson (diretor de alguns dos melhores episódios do seriado Breaking Bad, além dos ótimos Vigaristas e Looper: Assassinos do Futuro, também com Levitt) presta aos clássicos romances de detetive é vigorosa. Nota 8

139 - As Fitas de Poughkeepsie (The Poughkeepsie Tapes, 2007): se, por um lado, a premissa de rodar um mockumentary (falso documentário) sobre um serial killer revela-se até certo ponto adequada (há cenas genuinamente sombrias e o modus operandi do psicopata é assustador), por outro não há como amparar qualquer sensação de realismo com um elenco homogeneamente sofrível como o que foi reunido aqui, o que tira da produção qualquer chance de tornar seu conceito eficaz. Nota 5

140 - Quando Eu Era Vivo (2014): raríssima incursão do cinema brasileiro no gênero terror, é uma produção que comprova o talento do diretor Marco Dutra (Trabalhar Cansa) para a criação de um clima permanentemente tenso e soturno, o que casa perfeitamente com o roteiro, que flerta a todo momento com o drama psicológico. Há composições de cena de arrepiar e o elenco (Antonio Fagundes, Marat Deschartes e até mesmo Sandy) está irrepreensível, com destaque para Fagundão. Um trabalho rico em camadas de interpretação que faz jus ao talento reunido. Nota 8

141 - Las Brujas de Zugarramurdi (Las Brujas de Zugarramurdi, 2013): trabalho recente do espanhol Álex de La Iglesia (O Dia da Besta, Crime Ferpeito) que brinca mais uma vez com o gênero do terror, mas levando o filme no ritmo de uma comédia escrachada. Surpreende o alto quilate da produção, que não faz feio diante de qualquer similar americano (o monstrengo digital visto no clímax impressiona). O roteiro é bobinho demais, mas o cineasta sabe encenar as gags e piadas e, mesmo resultando em um dos filmes mais fracos de seu currículo, ainda é um longa a que se assiste com um permanente sorriso.  Diversão despretensiosa. Nota 6,5

142 - Viajar É Preciso (Wanderlust, 2012): comediazinha padrão que depende mais do elenco reunido (Jennifer Aniston repetindo pela enésima vez os trejeitos que a tornaram famosa em Friends, o sempre divertido Paul Rudd e mais uma pá de figurinhas carimbadas do gênero, inclusive um mal-aproveitado Alan Alda) do que propriamente das piadinhas do roteiro, este bem fraquinho. O clima de produção feita entre amigos, no entanto, acaba funcionando na tela. Não é lá grande coisa, mas garante algumas boas risadas esparsas. Nota 6

143 - O Amante da Rainha (En kongelig affære, 2012): surpreende essa produção dinamarquesa, tanto na grandiosidade de sua produção (direção de arte, fotografia e figurinos são de cair o queixo) quanto na inteligência do roteiro, que utiliza-se com esperteza do romance entre os protagonistas para traçar um relato histórico muito pertinente sobre a gênese do Iluminismo na Europa monarquista. O elenco é perfeito e a execução nunca deixa os atores desamparados. Um libelo contra a teocracia e a concentração de riqueza que é conduzido com mão firme e uma sensação permanente de suntuosidade. Em suma: um filmaço. Nota 8,5

144 - Corrida Silenciosa (Silent Running, 1972): envelheceu muito mal a estréia na direção do mestre dos efeitos especiais Douglas Trumbull (Jornada Nas Estrelas, 2001, Blade Runner). Bruce Dern (Nebraska) está muito bem e praticamente protagoniza o filme inteiro sozinho em cena (mais ou menos como Tom Hanks em Náufrago), mas o ritmo dessa ficção científica operística é truncado e a forma como o conceito ecológico (que inspirou filmes como Wall-E, A Fonte da Vida e mesmo Avatar) é tratado pela narrativa soa muito datado, principalmente nas vergonhosas sequências musicais, em que o chororô de Joan Baez sepulta qualquer pretensão filosófica que o roteiro poderia guardar. Nota 5   

* 145 - O Melhor Lance (The Best Offer, 2013): bom thriller conduzido por Giuseppe Tornatore (Cinema Paradiso), que utiliza com eficiência o elenco robusto (destaque para o sempre eficiente Geoffrey Rush), a atmosfera das locações europeias e a mais uma vez ótima trilha sonora de seu parceiro de décadas Ennio Morricone. Não chega a ser lá uma produção surpreendente, mas prende a atenção e oferece um suspense daqueles bem honestos a que se assiste muito de boa. Nota 7

146 - De Repente Pai (Delivery Man, 2013): comédia de uma piada só (sujeito descobre ser o pai biológico de 533 pessoas depois de doar esperma), depende demasiadamente do carisma de Vince Vaughn para arrancar algum sorriso do público. O principal problema é que o roteiro, da metade para o final, resolve apostar todas as fichas em um chororô moralista que, além de não fazer o menor sentido no mundo real, ainda retira da comédia todo o seu já parco potencial. Nota 4,5

147 - O Sacramento (The Sacrament, 2013): livremente inspirado no massacre de fiéis de Jonestown, ocorrido em 1978 e promovido pelo líder religioso Jim Jones, o longa de Ti West (dos interessantes A Casa do Diabo e Hotel da Morte) investe na narrativa do falso documentário para criar dois primeiros atos irrepreensíveis, em que introduz os personagens de forma adequada (o vilão personificado pelo ator Gene Jones é espetacular) e orquestra o suspense crescente de maneira exemplar. Pena que justo no clímax o diretor resolva abandonar a coesão estética, o que dilui e muito o impacto do desfecho da narrativa e a lógica defendida até então pela própria produção. Mesmo assim, é um suspense bem decente. Nota 7

148 - O Guarda (The Guard, 2011): um marco da utilização do humor negro em comédias, essa produção inglesa triunfa no quesito de fazer rir sobre todo e qualquer tabu imaginável de nossa sociedade. O diretor estreante John Michael McDonagh é irmão do cineasta responsável por Na Mira do Chefe (2008) e Sete Psicopatas e Um Shih Tzu (2012), o que talvez explique a herança genética do talento para tornar situações horríveis em cenas naturalmente engraçadas. Porém, o filme não resultaria tão eficiente sem um protagonista à altura e Brendan Gleason (No Limite do Amanhã, Tróia) aproveita a oportunidade para dar vida a um personagem absolutamente amoral e mesmo assim adorável. As suas interações com o personagem do agente do FBI vivido por Don Cheadle (Homem de Ferro 2 e 3, Hotel Ruanda) funcionam tão bem como o trio de bandidos que discutem filosofia antes de cometer um assassinato. Uma comédia de humor negro com todo potencial para virar cult movie daqui a um tempo. Nota 8,5

149 - Expresso do Amanhã (Snowpiercer, 2013): o sul-coreano Bong Joon-ho (O Hospedeiro, Mother - A Busca Pela Verdade, Memórias de Um Assassino) é talvez um dos mais inventivos cineastas do atual cenário da Sétima Arte e essa sua primeira incursão em um longa falado em inglês e financiado por Hollywood comprova todo o seu virtuosismo narrativo e estético. Espécie de alegoria política sob o efeito de ácido, Expresso do Amanhã lembra muito o cinema de Terry Gilliam (o divertido personagem de Tilda Swinton parece saído de Brazil - O Filme ou de Os 12 Macacos). Há uma preocupação óbvia em engendrar um microcosmo de nossa sociedade em detrimento da lógica, o que em nenhum momento revela-se prejudicial para o filme, que preserva o DNA de produção para as massas (as cenas de ação são sensacionais) enquanto entrega ao público uma mensagem política poderosa. Chris Evans revela-se um ator muito esforçado como o protagonista, enquanto figurões como John Hurt e Ed Harris roubam todas as cenas em que a câmera os enquadra. Movimentado, original e com uma mensagem social poderosa, é a antítese dos blockbusters justamente porque seu cérebro é que comanda o show. Um trabalho de respeito de um cineasta a que se deve observar de perto. Nota 8,5

150 - Questão de Tempo (About Time, 2013): comédia dramática e romântica tão bonitinha que fica difícil de apontar defeitos porque o gosto que deixa na boca é dos mais doces. Os protagonistas são adoráveis, o roteiro não agride a inteligência com clichês desnecessários e o desenvolvimento guarda algumas boas surpresas para o público. A própria lógica complicada da temática da viagem no tempo é prontamente abandonada por uma simples frase do personagem de Bill Nighy (Piratas do Caribe: O Baú da Morte) logo no comecinho, o que afasta qualquer pretensão que o texto poderia sugerir. E isso navega a favor do longa, diga-se de passagem. O texto emociona de verdade, principalmente ao centrar o foco na família do protagonista e não nas batidas idas e vindas do relacionamento do casal principal. Pena que o diretor Richard Curtis (Um Lugar Chamado Notting Hill, Simplesmente Amor, O Diário de Bridget Jones, Quatro Casamentos e um Funeral) não invista um pouco mais em seu talento cômico ímpar em formular gags e piadas tirando sarro de seus personagens (as tiradas do tio do protagonista, por exemplo, nunca funcionam como deveriam). Um pouco mais de comédia só iria ajudar ainda mais um longa que, assim como ficou, já merece uma chance de ser descoberto. Nota 7 

151 - Sabotagem (Sabotage, 2014): despropositalmente violento sem que isso contribua nada para sua trama bobinha de vingança, é um desperdício de elenco que não contribui em nada para o pretendido renascimento da carreira de Schwarzenneger. Pelo contrário: cenas como aquela em que o envelhecido personagem do Governator passa a noite com a policial que o investiga só causam constrangimento para o currículo dos envolvidos. O problema todo é que o roteiro, surpreendentemente escrito pelo diretor David Ayer, que demonstrou talento ao escrever Dia de Treinamento e ao comandar Marcados Para Morrer, dá vida a personagens artificiais e absurdamente antipáticos, por quem torcer no final das contas resulta improvável. De concreto, não há nada aqui que remotamente afaste a produção de um daqueles títulos despejados nas locadoras mês sim, mês não pelos Steven Seagals da vida. Nota 5 

** 152 - Planeta dos Macacos: A Origem (Rise Of The Planet Of The Apes, 2011): alguns dos efeitos especiais, na revisão, não funcionam, escancarando que os macacos são todos digitais. Além disso, James Franco, apesar de simpático, não convence como cientista nem aqui nem na China. Mesmo assim, é uma trama de desenrolar muito bem cadenciado, com mensagem poderosa, personagens bem desenvolvidos e um clímax adequado. Uma reinvenção de franquia que, contra todos os prognósticos, resultou em uma produção exemplar na forma com que entrega entretenimento sem abdicar de inteligência. Nota 8

* 153 - Planeta dos Macacos: O Confronto (Dawn Of The Planet Of The Apes, 2014): consegue ser ainda melhor que o ótimo primeiro filme, entregando uma história eficaz que equilibra com perfeição as regras básicas do cinema comercial com um roteiro que aprofunda a mensagem pacifista esboçada no filme de 2011. A analogia óbvia da trama com o potencial destrutivo da humanidade, principalmente no tocante ao respeito com as diferenças (religiosas, raciais, ideológicas), surge no momento exato para que a parcela pensante do público consiga criar as suas próprias relações com o que ocorre atualmente no mundo. Só por isso o filme já estaria dois degraus acima da média das superproduções americanas despejadas sem dó nem piedade nos cinemas brasileiros. Mas O Confronto ainda funciona qual um relógio suíço no que tange à bela estrutura narrativa, que calmamente vai desvelando a real função de seus personagens dentro da história até um clímax tão empolgante quanto sombrio. Como se não bastasse, os dois anos que separam o filme de seu prólogo serviram maravilhosamente bem para aprimorar os efeitos especiais até um patamar de excelência tal que é muito difícil apontar resquícios de artificialidade em seus primatas, todos eles de um realismo espantoso (e Andy Serkis, que confere ao seu protagonista símio Ceasar nuances de interpretação através da respiração e de pequenos movimentos na musculatura da face, merece mais do que nunca um Oscar honorário de atuação por captura de movimento). O elenco humano também convence, com destaque para o feioso Jason Clarke (Os Infratores, A Hora Mais Escura), que cria um personagem que consegue cativar sem cair na caricatura piegas. Já Keri Russell (Felicity) está bem, mas não ganha chances maiores com um personagem apagado, enquanto um Gary Oldman surpreendentemente contido é subaproveitado pelo roteiro e ganha pouco espaço na edição final. Com uma trilha sonora sensacional de Michael Giacchino (Lost, Ratattouille) e uma cena inusitada (e belíssima) ao som do clássico The Weight, da imortal The Band, O Confronto torna a espera pelo próximo capítulo dessa eficiente franquia um grande martírio. Nota 8,5

154 - Need For Speed: O Filme (Need For Speed, 2014): e a maldição das adaptações de games para o cinema faz mais uma vítima, dessa vez a franquia de jogos de corrida homônima. Se o início do filme presta as homenagens certas (Bullit e Corrida Contra O Destino, dois classicaços do final dos 60`s e início dos 70`s), logo na primeira curva a coisa desanda para um misto de Velozes e Furiosos com qualquer outro enlatado produzido pelo Michael Bay. O roteiro é de uma estupidez que não deixa margem para que otimista algum consiga defender a sua estrutura, um emaranhado de situações absurdas que, amontoadas como ficaram, resulta indefensável. O protagonista defendido por Aaron Paul (Breaking Bad) até não faz feio, mas absolutamente todos os coadjuvantes são tão ruins que seria melhor que o personagem tivesse contracenado apenas com cenários digitais durante toda a inchada duração de duas intermináveis duas horas. As corridas de carros e os acidentes, feitos quase todos sem o uso de efeitos digitais, funcionam, mas é muito pouco para conseguir lugar no pódio final. Nota 4,5

155 - Amantes Eternos (Only Lovers Left Alive, 2013): qualquer filme novo de Jim Jarmusch (Ghost Dog, Flores Partidas, Uma Noite Sobre A Terra) já merece automática atenção, pois o cara é um dos últimos (e raros) "AUTORES" independentes ainda na ativa desde a década de 80. Jarmusch nunca sequer se rendeu aos encantos dos grandes estúdios, insistindo em financiar projetos personalíssimos e de baixo orçamento filmados, na maioria das vezes, na base da tática de guerrilha, com a ajuda dos amigos famosos. Amantes Eternos é sua última cria e um de seus trabalhos mais inspirados nos últimos anos. Pegando emprestado o mote do vampirismo, o cineasta traz aqui um esperto comentário sobre a ausência de cultura das novas gerações. Aliás, sobre o superficialismo que tomou de assalto as novas gerações pós advento da internet. E é sobre CULTURA em seu sentido mais amplo que versa a história centrada em um casal de personagens irresistível que, apesar do cenário desolador (tanto físico quanto etério) em que está inserido, resiste como pode ao emburrecimento geral de nossa civilização. As locações de Detroit nunca serviram tão bem a uma mensagem como nesse filme. Um olhar sobre o vampirismo que não é absolutamente sobre vampiros, mas sobre a nossa cada vez mais inevitável descida coletiva ao primitivismo. Nota 8,5

156 - El Cuerpo (El Cuerpo, 2012): suspense espanhol bacana que marca a estréia como cineasta de Oriol Paulo, roteirista de outro thriller bem legal, Os Olhos de Júlia. Ambientado em uma madrugada madrilenha, a tática de encapsular toda a ação em um tempo restrito funciona muito bem para o roteiro, cheio de pequenas reviravoltas que, se não soam tão verossímeis ao final, pelo menos são muito eficazes. Nota 7,5

* 157 - Guardiões da Galáxia (Guardians Of The Galaxy, 2014, em IMAX 3D): talvez o filme mais divertido da Marvel Studios, rivalizando com o primeiro Homem de Ferro, é desses casos em que uma produção que visa apenas o entretenimento consegue atingir o seu objetivo com louvor e folga. Centrado em personagens adoráveis que ninguém além dos mais ferrenhos amantes das HQs  conhecia, abraça a estrutura das grandes sagas de ficção científica e lhe dá um toque rock´n´roll (simbolizado pela irresistível fita cassete do protagonista) que alça o longa a um patamar único de diversão. Guardiões da Galáxia é um dos melhores exemplos de como um filme concebido por um grande estúdio hollywoodiano consegue a rara métrica capaz de conjugar ação, inovação, humor e emoção em um mesmo longa. Com um grupo de protagonistas tão carismático (e eu até agora não consegui discernir qual dos CINCO é o meu preferido), um visual colorido que parece nascido para a projeção em IMAX 3D, uma trilha absolutamente impecável, um roteiro com ecos de George Lucas e Steven Spielberg fase 80`s e um ritmo que lembra uma traquitana feita a mão por suíços, Guardiões é diversão para toda a família, mesmo para aquele tio chato que insiste na piadinha do "é pá vê ou pá comê". Nota 8,5

158 - Bob, Carol, Ted E Alice (Bob & Carol & Ted & Alice, 1969): gloriosamente datado, esse trabalho do saudoso Paul Mazurski, falecido em 2014, revela o tanto que o cineasta e roteirista tinha de transgressor e provocador. Se a história sobre uma troca de casais improvável não choca mais hoje como deve ter enrubescido o público na época, ao menos o texto permanece atual, com o fantástico elenco dando vida a personagens muito realistas através de longos diálogos que parecem saídos de uma peça teatral. Os quatro protagonistas (Natalie Wood, Robert Culp, Elliot Gould e Dyan Cannon) estão perfeitos em cena e marcam a diferença cultural existente entre os casais de forma acertada e sem nunca escorregar para a caricatura óbvia. Um registro dos primórdios do hippiesmo que dialoga muito bem com os relacionamentos de hoje em dia. Nota 8

159 - 7 Caixas (7 Cajas, 2012): maior sucesso de bilheteria da história do cinema paraguaio, 7 Caixas é um thriller bem decente que, embora chupe sem dó nem piedade a estética de Cidade de Deus (inclusive imitando algumas de suas sequências mais famosas), possui um roteiro que que flui que é uma beleza, uma jovem atriz que é um achado (Lali Gonzalez) e uma bem azeitada mistura de ação, tensão e humor negro que torna a jornada de seu personagem principal uma mini-odisseia a que se assiste com muito prazer. É cinema comercial eficiente e que sabe buscar suas referências nos lugares certos. Nota 7,5

* 160 - As Tartarugas Ninja (Teenage Mutant Ninja Turtles, 2014, em 3D): os personagens da HQ homônima (dark e violenta) sempre foram complicados de transpor para a tela grande do cinema. As adaptações em live action dos anos 90 optaram por pegar emprestado a levada da série derivada de desenhos animados da mesma década, buscando mais o público infantil do que os fãs das histórias em quadrinhos. Essa reinvenção produzida por Michael Bay (Transformers) e dirigida pelo fuinha Jonathan Liebesman (dos horrendos No Cair da Noite, Invasão do Mundo: Batalha de Los Angeles e Fúria de Titãs 2) mira o público adolescente, com todas as explosões a que se tem direito, mas preserva as piadinhas infantis dos longas noventistas, com direito às obrigatórias referências a flatulências, por exemplo. O resultado é meio que uma bagunça. Se por um lado os efeitos especiais, realizados por meio de captura de  movimentos, resultam na maior parte do tempo muito efetivos (as tartarugas em si estão legais como nunca estiveram em cena), por outro o roteiro deplorável desperdiça toda e qualquer idéia minimamente decente dos quadrinhos originais, preferindo investir em situações absurdas e coincidências improváveis envolvendo a protagonista "humana" do roteiro (uma April O´Neill que limita-se a ser linda e gostosa por uma linda e gostosa Megan Fox). Às vezes, as cenas de ação (todas obedecendo ao padrão Michael Bay de destruição em massa) se apresentam confusas demais para acompanhar, devido aos inúmeros cortes, mas há pelo menos uma sequência sensacional e que consegue unir diversão e adrenalina na medida certa (a descida de uma montanha gelada). Fora isso, é aquela produção genérica que tenta ser mais do que é a fórceps, por meio de explosões isoladas e piadinhas que nunca funcionam devidamente (dá dó de ver um cara naturalmente engraçado como Will Arnett, veterano do Saturday Night Live, penar com o texto medonho que lhe entregaram). E, num mundo perfeito, deveria existir uma cláusula pétrea que impedisse a escalação de atores e atrizes consagrados em papeis tão ridículos como aquele reservado a Whoopi Goldberg aqui, um mico que a oscarizada senhora não merecia pagar a esta altura do campeonato. Pelo menos, no geral, As Tartarugas Ninja ainda é uma diversão razoável, dessas que não incomoda tanto. Porém, mesmo com tanto som e fúria, fica aquém da apenas razoável tentativa de reinvenção dos personagens nas telas na animação As Tartarugas Ninja - O Retorno, de 2007. Nota 5,5 

161 - Amor Por Contrato (The Joneses, 2009): em algum lugar desse arremedo de comédia romântica há uma ótima crítica à sociedade de consumo dos dias de hoje. A premissa da equipe de vendedores que se infiltra em um típico bairro de ricaços americanos passando por uma família dessas de propaganda de margarina dá boa margem tanto para o humor quanto para a acidez do comentário social. Toda essa potencialidade, no entanto, é desperdiçada por um roteiro inseguro, que nunca aposta como deveria no absurdo da situação e no final das contas muda inexplicavelmente de gênero nos últimos 15 minutos de projeção, descambando para um drama que até ali nunca havia sido anunciado apropriadamente ao público. Uma pena, pois David Duchovny e Demi Moore, apesar de não estabelecerem química enquanto par romântico, estão, cada um a sua maneira, muito bem em cena. Nota 5,5

162 - Riddick 3 (Riddick, 2013): abandonando a megalomania desnecessária de A Batalha de Riddick (2004), esse terceiro filme parece querer a todo custo voltar às origens do longa original (a ótima produção B Eclipse Mortal, de 2000). Apesar do personagem interessante e de um início promissor, em que durante meia-hora Vin Diesel contracena com cenários e animais digitais, logo, logo, Riddick 3 vira uma mera repetição de todos os elementos já vistos nos filmes anteriores. Mesmo que a violência surja exagerada (e adequada) ao climão meio trash do espetáculo, as cenas de ação soam genéricas (e, o pior, entremeadas por seqüências "bonitinhas" envolvendo o protagonista e uma espécie de cachorrão alienígena, ai ai ai...). Isso, acompanhado dos pavorosos efeitos especiais, sabota as boas intenções da produção. No final das contas, é um final amargo para uma franquia que nunca decolou como seu astro e seu diretor pretendiam. Nota 5

163 - Upstream Color (Upstream Color, 2013): assim como em seu longa anterior (o complicado, mas ótimo, tratado de viagem no tempo Primer), o cineasta Shane Carruth realiza um projeto pessoal todo financiado de forma independente e acumulando as funções de direção, roteiro, produção e edição (além do papel que interpreta dentro do filme). É uma obra com conceito original e que apresenta ideias muito interessantes, mas que precisa de um manual do usuário para conseguir ser compreendida na totalidade. O desenvolvimento da produção padece um pouco do excesso de hermetismo (parece um roteiro de David Lynch rodado por Terrence Malick), tornando a fruição quase ininteligível, pelo menos em uma primeira audiência, o que automaticamente afasta uma plateia mais abrangente de um trabalho que poderia servir para formar novos cinéfilos. Mesmo assim, assim como o recente O Homem Duplicado, é um belo exemplo de autoralidade que, se analisada a fundo, rende ótimos debates pós-filme. No mínimo, uma das produções mais originais dos últimos anos (pena que restrita desnecessariamente a poucos). Nota 7,5

164 - Contos da Noite (Les Contes de La Nuit, 2011): o traço fantástico e as cores de cair o queixo usadas por Michel Ocelot (dos filmes do adorável africaninho Kirikou) é inconfundível para quem já conhece o trabalho do diretor. Essa antologia de contos fantásticos, cada um ambientado em um lugar específico do mundo, é tão inocente quanto visualmente deslumbrante. Um trabalho belíssimo de animação que consegue carregar nas costas um texto na maior parte das vezes apenas correto. Nota 7

165 - Potiche - Esposa Troféu (Potiche, 2010): adorável comédia francesa que só confirma o impressionante ecletismo do francês François Ozon, que transita sempre com qualidade entre qualquer gênero possível (dos suspenses Swimming Pool - À Beira da Piscina e Dentro da Casa aos dramas O Amor Em 5 Tempos e O Tempo Que Resta, passando pelo musical 8 Mulheres, a fantasia Ricky e o romance Angel). Sua trama farsesca ambientada no final dos anos 70, que abraça com galhardia o feminismo, se aproveita com muita propriedade de uma atuação sensacional da diva Catherine Deneuve, o segredo por trás da natural simpatia do roteiro. Aliás, todo o elenco é formado por atores do primeiro escalão da França (e quando uma figura como Gérard Depardieu é relegado a um coadjuvante de luxo é porque a trupe reunida não é nada fraca). Tão simpático e indolor que conquista já nos quinze primeiros minutos de sua enxuta duração. Nota 7,5

166 - Wolf Creek 2 (Wolf Creek 2, 2013): o sufocante Wolf Creek - Viagem Ao Inferno, de 2005, apresentou ao mundo o talento do diretor Greg Mclean (Morte Súbita), um novo talento que parecia despontar para o estrelato após o sucesso de seu filme de estreia. Aparentemente sem conseguir bons trabalhos em Hollywood ou em sua terra natal, o cineasta tenta transformar o seu longa mais conhecido em franquia, mesmo que a história contada lá em 2005 não admitisse qualquer sequência. O resultado é que essa continuação forçada soa como caça-níquel desde a primeira cena. Menos mal que Mclean sabe como ninguém filmar as paisagens áridas australianas e consegue, aqui e ali, surpreender com reviravoltas que, se não chegam a ser originais, pelo menos afastam a produção do lugar-comum do gênero. Em síntese, um "mais do mesmo" que ainda assim faz sentir que existe um bom cineasta escondido sob o amontoado de clichês reunidos. Nota 6

* 167 - Os Mercenários 3 (The Expendables 3, 2014): espécie de piada pronta, a franquia "Os Mercenários" nada mais é do que um veículo para astros de ação decadentes voltarem a ter seus nomes estampados nos cartazes de um longa que vai ser lançado nos cinemas e não diretamente em dvd, destino das produções de, por exemplo, Van Damme e Steven Seagal. Inflada até não poder mais, essa terceira aventura traz ainda mais nomes novos à equação, sem que isso represente necessariamente uma melhoria no trato do roteiro, que permanece abominável como qualquer daquelas produções B lançadas pela América Video em VHS nos anos 80 e 90. O principal problema aqui é a introdução equivocada de um time de atores jovens que, sem carisma algum, acaba representando um tempo morto que não cabe na inchada duração do filme. Tentar passar a bandana para os novatos representa uma opção que vai contra a própria razão de ser da franquia, toda ela calcada justamente no resgate de heróis que tiveram seu auge há três décadas atrás. Stallone é o centro da trama e o seu visual sarado e botocado segura bem as pontas, mas, além de não levar a lugar algum, os atores jovens empalidecem ao lado dos veteranos e nada acrescentam à trama bobinha. O resultado disso é que Schwarzenneger e Jet Li ganham pouco espaço em cena (Li sequer consegue disparar algum de seus golpes de caratê, o que é uma lástima). Por outro lado, as adições ao elenco saem-se muito bem. Na primeira metade do filme, Wesley Snipes demonstra que abraçou o projeto como um legítimo comeback após o tempo enclausurado por sonegação fiscal (fato ironizado pelo roteiro) e soa muito carismático em todas as suas cenas. Já da metade para o final, Antonio Banderas rouba absolutamente todas as cenas acrescentando ao longa um humor que funciona à perfeição e casa com sua presença esguia nas cenas de ação. Já Harrison Ford apenas cumpre tabela, mas não compromete. Mel Gibson, por fim, faz um vilão melhor do que o caricato antagonista de Os Mercenários 2 interpretado por Van Damme. O diretor Patrick Hughes (do bom faroeste moderno Busca Sangrenta) imprime uma certa coesão narrativa à produção, algo salutar considerando-se o emaranhado de lugares-comuns e diálogos pedestres presentes no roteiro. O maior viés, no entanto, é mesmo o pouco tempo de tela reservado a cada um dos veteranos, tamanha é a lista infindável de nomes do elenco pedindo seus minutinhos para metralhar os figurantes anônimos. No frigir dos ovos, Os Mercenários 3 honra a franquia: é ruim de doer, mas diverte horrores. Nota 7,5

168 - On The Ice (On The Ice, 2011): thriller até certo ponto comum, mas que ganha pontos por apresentar um elenco de atores amadores que se sai muito bem (com exceção do apático protagonista) e, principalmente, por revelar como é que vivem realmente os habitantes do Alasca (e é uma realidade tão distante da nossa que eleva o filme a um patamar muito superior ao seu catedrático roteiro). Vale pela ambientação inóspita e muito curiosa. Nota 7


169 - Uma Viagem Extraordinária (The Young And Prodigious T. S. Spivet, 2013): é incrível como o cineasta Jean-Pierre Jeunet consegue manter a autoralidade demonstrada em O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, Eterno Amor e Delicatessen mesmo abraçando a adaptação de um romance com raízes tão americanas como esse de Reif Larsen. E Jeunet surpreende ao transpor a alma do Meio-Oeste Americano para a telona em uma jornada de personagem que soa épica no visual, mas delicada no texto, que às vezes resvala para o quase-pieguismo, mas na maioria das vezes consegue fugir dos clichês com bastante desenvoltura. Apesar do protagonista titubeante (Kyle Catlett, do seriado The Following), o filme conta com um elenco bacana (Helena Bonham Carter e Judy Davis estão ótimas), uma fotografia sensacional e uma trilha sonora condizente com o roteiro. Um filme de Jeunet que nunca nega as marcas do diretor (os devaneios jogados na tela por meio de hipertextos e literalidades), mas que abraça o material original e lhe extrai o que tem de melhor. Nota 8

170 - Azul É A Cor Mais Quente (La Vie d´Adèle, 2013): taxar Azul... como um "filme lésbico" é diminuir esse belíssimo filme a um comentário preconceituoso em sua essência, referência simplória que a maioria dos críticos e do público não se furtou a cometer ao analisá-lo quando do lançamento do longa nos cinemas. Azul É A Cor Mais Quente é, muito mais do que o reducionismo poderia admitir, um dos romances mais impactantes e acurados sobre relacionamentos nesse comecinho de século XXI, onde rótulos e padrões parecem querer ainda limitar a evolução comportamental latente dos seres humanos. Bonito e triste na mesma medida, Azul... é daqueles filmes a que se ama ou odeia desde a primeira cena. O cineasta tunisiano Abdellatif Kechiche (O Segredo do Grão) acerta ao enfocar a história de amor entre as protagonistas pelo ponto de vista semidocumental, como se tratasse de uma história que acompanhamos no dia-a-dia com conhecidos nossos. Essa familiaridade resultante da estrutura formal optada, além da proximidade com os personagens, torna possível que cenas proverbiais, como o simples foco em uma boca, tomem para si significados superiores. Já a sensacional direção de arte, que toma para si a tarefa de colocar a cor azul nos lugares corretos (não só no cabelo de uma das protagonistas, mas em seu quarto, nas roupas dos personagens e nas inúmeras janelas presentes durante a projeção), transpõe para o celulóide o que o roteiro pretende de forma exemplar. Sem falar que as duas lindas protagonistas (Adèle Exarchopoulos e Léa Seydoux) entregam performances únicas, que vão muito além das ousadas cenas de sexo em que atuam (e que servem, muito além do voyeurismo esperado, para estabelecer a entrega entre as duas personagens). Um filme lindo e devastador em seu acurado registro dos relacionamentos na sociedade moderna. Nota 9

171 - O Melhor Pai do Mundo (World´s Greatest Dad, 2009): é muito triste assistir ao filme depois de saber do amargo fim de Robin Williams, principalmente porque o longa trata do suicídio em seu tema central. Ao mesmo tempo, é legal conferir como Williams se entregou a um projeto independente como esse, oferecendo uma de suas grandes performances, mesmo contido como poucas vezes antes. Dirigido por Bobcat Goldthwait (cineasta de Willow Creek e God Bless America, além de ator sempre lembrado como o eterno Zed que interpretou na série Loucademia de Polícia), é uma comédia de humor negro que, de tão sombria, flerta mais com o drama do que com a sátira proposta. O roteiro é honesto, mas é sua cena final catártica, ao som de Under Pressure, com Queen + David Bowie, que realmente faz a produção decolar (além de ganhar ressonância triplicada após a morte de Williams). Nota 7

172 - Louis C. K.: Live At The Beacon Theater (Louis C. K.: Live At The Beacon Theater, 2011): registro de um show de comédia stand-up de um dos mestres modernos do humor. O texto de Louis C. K. (do genial seriado Louie), na maioria do tempo, o pinta como uma figura desprezível, mas o foco de suas piadas politicamente incorretíssimas, que muitas vezes tangenciam o moralmente insuportável,  é sempre o opressor e nunca o oprimido, ao contrário do que o bullying comercial de Danilo Gentilli, por exemplo, tenta fazer aqui no Brasil. Só o trecho em que Louie relembra as suas experiências com álcool e maconha já vale mais que a imensa maioria das comédias americanas da última década. Nota 8

173 -  O Verão da Minha Vida (The Way, Way Back, 2013): eu tenho um fraco por filmes que tratam do amadurecimento de personagens, ainda mais quando o foco é naquela idade limiar entre a pós-infância e a adolescência. Essa produção independente aqui tem um pouco de tudo que me agrada: um texto esperto que, apesar de seguir "tatibitati" o manual do gênero, ainda se dá ao luxo de incluir, aqui e ali, atalhos que o fazem não tão previsível quanto se esperaria; um elenco homogeneamente fantástico, com destaque para um irresistível Sam Rockwell e um Steve Carell muito distante do estereótipo do pateta simpático que se acostumou a interpretar; uma direção segura dos estreantes (e também roteiristas e atores coadjuvantes) Nat Faxon e Jim Rash, que injetam uma carga de saudosismo muito bem vinda em uma história em que cabe como uma luva esse sentimento. Uma comédia nostálgica daquelas muito eficientes. Nota 7,5   

174 - Maratona do Amor (Run Fatboy Run, 2007): David Schwimmer, o eterno Ross do seriado Friends, fez a sua estreia como diretor de longas para o cinema com essa comédia aqui (depois, faria o pesado e bem bom Confiar, de 2010, com Clive Owen). Apesar do roteiro ter o toque do protagonista Simon Pegg (Todo Mundo Quase Morto, Star Trek), o que garante tiradas com o típico humor britânico do ruivo, a historinha segue muito à risca o "manual das comédias românticas americanas", recheando o longa com clichês irritantes como o do "novo namorado da ex do protagonista que revela-se um babaca". Esse medo em desviar um pouco do caminho fácil acaba sabotando um filme que, de resto, soa até simpático. Nota 5,5

175 - Sin Nombre (Sin Nombre, 2009): é impressionante esse trabalho de estreia do cineasta Cary Fukunaga, que logo depois entregaria a versão definitiva do clássico romance Jane Eyre (2011) e a obra-prima que é a primeira temporada do seriado True Detective (2013). O diretor, que é americano descendente de japoneses e suecos, rodou Sin Nombre inteiramente na América Central, entre Honduras e México, totalmente falado em espanhol e com uma desenvoltura espantosa ao retratar o submundo das gangues latinas e dos imigrantes ilegais cujo sonho é atravessar a fronteira dos EUA. Violento, muito realista, mas com um roteiro que guarda reviravoltas silenciosas que servem muito mais para o desenvolvimento da trama do que para o simples choque, e com uma fotografia arrebatadora, é um trabalho que merece muito ser conhecido. Fukunaga, com apenas três trabalhos, já é um dos grandes nomes a serem olhados com atenção dentro da nova geração de diretores. Nota 8

** 176 - Quase Famosos (Almost Famous, "director´s cut", 2000): rever a versão do diretor desse clássico moderno é redescobrir como um filmaço pode ficar ainda melhor. Com toda a liberdade para incluir cenas cruciais, mas que sabotariam a metragem do corte inicial, Cameron Crowe aqui aperfeiçoou o seu trabalho mais completo (se em Digam O Que Quiserem e Vida de Solteiro o cineasta lançou um olhar sobre o rock feito respectivamente nos anos 80 e 90, aqui ele entregou um tratado sobre a atemporalidade do gênero). Um dos filmes que melhor soube registrar em celuloide a alma do rock´n´roll. E a cena ao som de Tiny Dancer, do Elton John, segue sendo uma das mais belas da história do Cinema. Imperdível, irresistível e nunca enjoativo. Nota 10  

177 - Em Busca de Um Assassino (Red Riding: In The Year Of Our Lord 1974, 2009): primeiro filme de uma trilogia feita para a tevê inglesa baseada no romance de David Peace, que por sua vez registra um caso real, é um suspense desses de tirar o fôlego. O elenco reúne um timaço de atores de língua inglesa: Andrew Garfield (O Espetacular Homem-Aranha), David Morrissey (The Walking Dead), Rebecca Hall (Vicky Cristina Barcelona), Eddie Marsan (Simplesmente Feliz), Peter Mullan (Cavalo de Guerra) e Sean Bean (Game Of Thrones, O Senhor dos Anéis) dão as caras e estão todos ótimos. Já a ambientação de época extrai de forma precisa o climão vigente nos anos 70. Com personagens bem delineados, uma direção segura e um final que, se não representa um fim para a história, pelo menos apresenta um desfecho para a trama que conta, é desses casos raros de produção televisiva que consegue se equiparar em qualidade com longas feitos para o cinema (e Zodíaco é o parente mais próximo). Nota 8,5

178 - Hannah Arendt - Ideias Que Chocaram O Mundo (Hannah Arendt, 2012): registra a fase mais polêmica de uma das mais importantes filósofas contemporâneas, quando esta ousou cobrir, pela revista New Yorker, o julgamento do nazista Adolf Eichmann. Hannah, judia de nascimento e que chegou a ser despachada para um campo de concentração durante a Segunda Guerra, contrariando todas as expectativas, buscou tecer um tratado filosófico que eximia Eichmann da figura escrachada do "Mal", o que lhe custou popularidade e lhe rendeu críticas ferozes. A diretora Margarethe von Trotta (A Honra Perdida de Katharina Blum) trata desse tema espinhoso com uma sensibilidade única, lançando racionalidade onde se esperaria uma defesa cega de um ponto de vista. Em tempos em que um factoide lançado na manchete de um portal de internet é mais importante que a notícia em si, é um dos filmes mais provocativos dos últimos anos. Além de se debruçar sobre a estrutura de pensamento de uma intelectual do calibre de Arendt (uma irrepreensível Barbara Sukowa), é um filme que nunca tem medo de mostrar que, por trás de um intelecto privilegiado, às vezes residem dicotomias muito humanas (e o relacionamento dela com seu marido é um dos mais críveis e emocionantes registros do casamento no cinema recente). Nota 8,5

179 - Caçadores de Obras-Primas (The Monuments Men, 2014 ): primeira derrapada de fato de George Clooney na direção (o subestimado O Amor Não Tem Regras pelo menos era divertido e honrava as comédias que lhe inspiraram), desperdiça um elenco enorme (o próprio Clooney, Matt Damon, Cate Blanchett, Bill Murray, Jean Dujardin, John Goodman entre outros) em uma história que, apesar de muito relevante como memorial (um destacamento que, durante a Segunda Guerra, ficou responsável por encontrar as obras de arte saqueadas por Hitler), padece de um ritmo irregular, demasiadamente reverente e que não possui sequer clímax. Um filme aborrecido sobre um assunto interessantíssimo. Nota 5

180 - Honeymoon (Honeymoon, 2014): pequeno grande filme de terror que gasta preciosos minutos estabelecendo a química entre os personagens de forma muito eficaz para só depois lançá-los num pesadelo sem fim. A ausência de uma explicação didática sobre o que realmente acontece em cena contribui para o climão opressor do longa, que aposta muito mais no que não se vê na tela do que nos sustos fáceis dos filmes similares do gênero. A ambientação do longa é quase um personagem em si (e um elemento tão importante quanto a boa dupla de protagonistas). Uma produção independente que cumpre o que promete com certo louvor. Nota 7,5

181 - Beneath (Beneath, 2013): terrorzinho que junta um punhado de atores desconhecidos (com exceção de Jeff Fahey, de O Passageiro do Futuro e Lost) soterrados em uma mina de carvão. Apesar de não se preocupar em desenvolvimento de personagens, verossimilhança e outros desses "detalhes", funciona pela ambientação opressora, pela metragem enxuta e pela óbvia pretensão em ser conhecido como um sub -"Abismo do Medo". Com ênfase para o "sub". É simpático e não aborrece. Nota 6

* 182 - Isolados (2014): é no mínimo louvável a opção dos realizadores em investir em um filme de gênero dentro do cenário brasileiro, ainda mais considerando-se a raridade dos exemplares de suspense e terror lançados comercialmente por aqui. As ideias certas, inclusive, estão todas lá: o casal enclausurado em um local sufocante, a ameaça à espreita, os traumas passados que definem os personagens. O problema é que o roteiro de Mariana Vielmond (filha de Renée de Vielmond e José Wilker, este em uma ponta patética) investe nos clichês mais batidos do gênero: e tome-lhe animal ou boneca antiga que pula do nada para provocar sustos gratuitos, o carro que não pega, os serial killers que são desvendados num passe de mágica pela polícia, etc. Se por trás da trama de Isolados existe boa intenção (e existe, a julgar pela ótima reviravolta que reserva ao público ao final e que redime a maioria de seus pecados), é no texto boboca, que reserva tempo demais a policiais saídos do mais furreca telefilme americano, e na condução titubeante que residem seus maiores equívocos. Se por um lado Tomas Portella (Qualquer Gato Vira-Lata) é capaz de um plano-sequência eficaz e claustrofóbico como aquele que abre o filme, por outro o diretor investe tempo excessivo em contemplar o cenário silvestre, praticando um híbrido indigesto de Sexta-Feira 13 com A Árvore da Vida que só torna o desenrolar da trama aborrecido. O elenco se sai melhor do que a encomenda (Bruno Gagliasso e Regiane Alves soam esforçados), mas o texto derivativo que lhes cai na mão nunca deixa o longa decolar como deveria. E a fotografia, apesar da premissa correta (tornar a trama mais soturna a medida que evolui) revela-se equivocada, confundindo colocar na penumbra os personagens com cegar o próprio público, que muitas vezes sequer é capaz de distinguir o que está ocorrendo em cena. Apesar dos pesares, não é um filme horroroso, muito pelo contrário. A sua ótima reviravolta final o coloca até bem acima das tentativas anteriores de se fazer um thriller brasileiro. Mas falta um tantinho para que essa química dê a liga necessária para conquistar o público como deveria. Nota 5,5    

* 183 - Maze Runner: Correr Ou Morrer (The Maze Runner, 2014): raríssima exceção dentre as adaptações literárias voltadas para o famigerado público dos "jovens adultos", Maze Runner não perde tempo com romances açucarados que mascaram um machismo enraizado na sociedade contemporânea. Bem pelo contrário: a trama já inicia a mil por hora, com o protagonista acordando no cenário futurista e distópico e fornecendo didaticamente as respostas às perguntas pertinentes que o público automaticamente faz a partir da primeira cena. Introduzidos os personagens e a dinâmica entre eles, é hora de enfrentar o desafio (o labirinto do título original), obstáculo que o roteiro e a direção de arte competentes conseguem estabelecer como realmente ameaçador. Com um elenco bem esforçado (outra raridade dentro do subgênero em que se insere), belo ritmo, sequências de ação muito bem conduzidas e lampejos adultos que o afastam da mera fantasia juvenil, é um filme que cumpre com eficiência exemplar o entretenimento que propõe entregar às massas. Apesar do final em aberto, praga que assola esse tipo de produção e que praticamente nega à produção a sua existência individual, é um filme que merece ser reconhecido nas bilheterias. E que dá vontade de conhecer o resto da história urgentemente. Nota 7,5 

* 184 - Magia Ao Luar (Magic In The Moonlight, 2014): virou uma certa tradição nos últimos anos que o mestre Woody Allen intercale obras-primas (lembrem-se que ano passado foi o ano de Blue Jasmine e seu merecido Oscar para Cate Blanchett) com filmes ditos "menores", tanto em conceito como em condução. Dito isto, Magia Ao Luar representa como poucos o quão Woody está acima de 99% de seus pares. Mesmo realmente um autêntico "filme menor" dentro de sua filmografia, esta é daquelas produções que, mesmo revirando elementos já vistos à exaustão nos filmes anteriores do diretor (a obsessão pelos mágicos, as paisagens do interior praticamente como um oásis que liberta seus personagens cosmopolitas, o eterno embate entre racionalismo x romantismo), demonstra um vigor impressionante para um quase octogenário. Fotografado lindamente por Darius Khondji (Meia-Noite Em Paris, Um Beijo Roubado, Delicatessen), é um filme que não tem medo de ser (e é) limitado em suas pretensões, mas as cumpre com tamanha carpintaria que se torna ao final simplesmente irresistível. Pontuado aqui e ali por aquele humor judaico finíssimo que só Allen consegue conceber, mas inundado mesmo por uma profusão de romantismo surpreendente para os padrões do diretor, revela-se uma das melhores experiências que um casal pode ter dentro de um cinema em 2014. O elenco, como de costume, está irrepreensível. Colin Firth (perfeito!) consegue ser o habitual alterego do diretor sem necessariamente lhe tomar emprestado os trejeitos (e mesmo assim é possível enxergar Allen por detrás de seu protagonista). Já Emma Stone, longe da voluptuosidade de outras musas do diretor, como Scarlett Johansson, revela-se uma adorável herdeira do jeito gracinha de Diane Keaton. A cena em que o personagem de Firth é convencido por sua tia a mudar determinada ideia, mesmo que ela só limite-se a concordar com ele durante todo o diálogo travado, é um primor de texto, interpretações e, principalmente, direção. O texto insiste em citar Nietszche e todo o seu racionalismo filosófico, mas no final das contas quem deixa a maior marca ao final da sessão está longe do niilismo: é o romantismo de Cole Porter e sua eterna "You Do Something To Me" que ficarão na memória neste que é talvez o mais solar de todos os filmes menores de um gênio da Sétima Arte. Nota 8,5

185 -  Transformers: A Era da Extinção (Transformers: Age Of Extinction, 2014): é impressionante que um filme com a quantidade de cenas de ação como esse resulte tão chato. Aliás, as suas intermináveis quase três horas de duração são um martírio que nenhum cinéfilo merece passar (foi só  na quarta tentativa que consegui vencer o monstrengo). É uma amostra de como Michael Bay é um cineasta absolutamente execrável, que não consegue se livrar de seus pavorosos maneirismos (não há como deixar de vomitar depois da décima tomada sob o pôr-do-Sol, da trigésima cena em câmera lenta com a bandeira dos EUA ao fundo ou do centésimo enquadramento no logotipo de alguma marca de produto). O roteiro limita-se a recontar todo aquele trololó já visto nos outros exemplares da franquia, com a diferença que aqui, ao invés do chorão Shia LaBeouf, temos o marombado simpático Mark Wahlberg como protagonista. Aliás, a escolha de Wahlberg para personificar um cientista e inventor consegue ser mais equivocada do aquele bizarro casting que colocou o ator de rosto eternamente apalermado como um professor de biologia em Fim dos Tempos! Os coadjuvantes ajudam o projeto a afundar ainda mais, com destaque para Stanley Tucci, que paga todos os micos aceitáveis e imagináveis, na mesma linha do que já acontecera com outros atores de gabarito nos filmes anteriores (John Turturro e John Malkovich provavelmente querem esquecer que já participaram da série e com toda a razão). Os efeitos da ILM de George Lucas continuam eficazes (a não ser aqueles do início, que apresentam dinossauros que parecem saídos do mais furreca dos programas geológicos da BBC retransmitidos pelo Fantástico), mas não são passíveis de tornar o longa minimamente suportável. As cenas de ação estendem-se muito mais do que deveriam, a trama não faz o menor sentido, os personagens (tanto humanos como robôs) não passam de estereótipos horrorosos defendidos por um elenco visivelmente constrangido, as tentativas do diretor em imprimir humor são de deixar qualquer um com ânsia de vômito e o final, bem, o final, além do alívio que dá em ter sobrevivido a essa bomba atômica, ainda reserva as tomadas mais involuntariamente hilárias desde Armageddon ou Pearl Harbor, duas porcarias igualmente assinadas por Michael Bay. É tão ruim que dói. Nota 2

186 - Kiss Of The Damned (Kiss Of The Damned, 2012): a diretora Xan Cassavetes (filha do lendário cineasta John Cassavetes e da atriz Gena Rowlands, além de também irmã de Nick Cassavetes, diretor de Alpha Dog e Diário de Uma Paixão) tem o gene do cinema fluindo em suas veias. Pelo jeito, também tem um lógico apreço pelas produções dos anos 70, com quem esse terror com pitadas de erotismo dialoga com tranquilidade. Apesar da boa ascendência e das ótimas referências cinematográficas, o filme de Xan nunca decola como deveria. Ao lado de um Amantes Eternos, por exemplo, com quem guarda inúmeras similaridades (principalmente a ideia de uma sociedade vampirica formada por uma culta alta sociedade), a produção empalidece: muito porque o seu elenco é formado por maus atores, mas também porque o texto é simplório demais. Com um roteiro melhor em mãos, a diretora é capaz de entregar algo melhor do que esse "quase" bom filme aqui. Nota 5,5 

* 187 - Garota Exemplar (Gone Girl, 2014): David Fincher é um dos meus diretores contemporâneos favoritos e, por isso mesmo, todo novo trabalho do cineasta é, para mim, um daqueles eventos obrigatórios a serem conferidos na tela grande do cinema, de preferência na melhor sala disponível. A adaptação do best-seller Gone Girl, muito antes de um desses produtos feitos sob encomenda e a toque de caixa por um grande estúdio (no caso, a Fox), reitera o imenso talento de Fincher enquanto contador de histórias. A exemplo de A Rede Social, Zodíaco e Clube da Luta, Fincher pega um material original denso e volumoso e o faz passar diante de nossos olhos com a fluidez de um suspiro durante as duas horas e meia de duração que, justiça seja feita, parecem bem menos do que isso. É a fina carpintaria com que Fincher edita o seu trabalho que dá à obra essa deliciosa cadência rítmica que me fez, lá pelas tantas, ficar ansioso para que o filme se estendesse por mais um bom par de horas. Com um roteiro intrincado e cheio de reviravoltas que Fincher guarda na manga como o excelente ilusionista que é, Garota Exemplar é bem mais do que um retorno do diretor ao gênero que lhe deu fama (Seven, Vidas Em Jogo, O Quarto do Pânico e mesmo o seu remake de Millennium: Os Homens Que Não Amavam As Mulheres): é também um curioso estudo de personagem. Ou melhor: de personagens. Na verdade, a dupla de protagonistas, cada um brilhando à sua maneira (e o próprio fato de Fincher conseguir extrair a fórceps uma atuação consistente do geralmente canastrão Ben Affleck já é fato a ser comemorado). No entanto, é mesmo Rosamund Pike (vista ano passado em Jack Reacher: O Último Tiro) quem realmente surpreende. Emprestando à sua Amy Dunne inúmeras camadas de interpretação que vão sendo reveladas aos poucos em cena, Pike dá uma virada espetacular em sua carreira e finca o pé com gosto no panteão hollywoodiano. Daqui para frente, é impossível deixar de acompanhar com atenção os próximos passos da loirona. Garota Exemplar ainda vai incomodar uma parcela do público por optar em não entregar o desfecho padrão dos enlatados americanos. E isso é, por si só, outra prova de que David Fincher não se mete em qualquer roubada. Filmaço. Nota 9

* 188 - Annabelle (Annabelle, 2014): desde sua concepção, Annabelle se apresenta como um caça-níquel inegável. Afinal de contas, forçar um motivo para fazer uma prequel a partir de uma passagem curta inserida em um terror que surpreendeu nas bilheterias (o muito superior Invocação do Mal, do ano passado) é por definição aquela produção rasteira com o único objetivo de ganhar mais dólares em cima de uma franquia forçada pelo estúdio. Portanto, esperar que o filme resultasse em algo memorável é de uma ingenuidade bizarra. Felizmente, o diretor John R. Leonetti (diretor de fotografia de Sobrenatural 1 e 2 e Invocação) parece ter aprendido uma ou duas coisinhas com James Wan, responsável por aqueles filmes. Apesar do roteiro ter um começo digno (o prólogo, com sua analogia à Charles Manson, é muito bem conduzido), logo cede aos clichês mais óbvios do gênero (o padre que dá a explicação "cristã" sobre os acontecimentos, a vizinha convenientemente versada em ocultismo que decifrará o mistério por trás dos mesmos). O elenco também não ajuda muito (o ator que faz o marido da protagonista, por exemplo, é de uma falta de talento que salta aos olhos), mas todo o clima proposto pelo diretor funciona que é uma maravilha (há sustos muito efetivos e toda a sequência passada dentro de um elevador é realmente muito bem conduzida). Pena que, em seu clímax, a produção resulte tão ruim (a cena final é horrorosa, no pior sentido). Por outro lado, não dá para esquecer que o filme busca inspiração adequada nos clássicos do horror dos anos 60/70 (principalmente em O Bebê de Rosemary), resultando em um produto que cativa o público pela tensão premente em sua curta metragem e que soa muito eficiente dentro do gênero em que se insere (afinal de contas, o objetivo aqui é dar sustos e causar calafrios no público, no que o longa se sai bem). E a decisão de não tornar a boneca do título em uma espécie de "Chucky" de porcelana é muito acertada. Genérico, mas bem eficiente em meter medo na plateia. Nota 6,5 

189 - Chef (Chef, 2014): simpática comédia escrita e dirigida por Jon Favreau (Homem de Ferro 1 e 2, Cowboys e Aliens, Zathura) que faz o cineasta voltar às origens de sua carreira, quando escreveu o roteiro de Swingers: Curtindo A Noite, de 1996. É uma história básica voltada à culinária gourmet tão em voga nos dias de hoje, mas com um pano de fundo que, apesar de genérico em sua abordagem dos clichês (o amigo engraçadinho, a ex-mulher que é o amor de sua vida, o baque profissional antes da reinvenção), resulta efetivo como produção independente. As inúmeras participações especiais parecem meio gratuitas e incluídas mais pela amizade com o ator/diretor do que pela relevância para a trama (Scarlett Johansson e Dustin Hoffmann fazem figuração forçada no longa e só Robert Downey Jr., fazendo mais do mesmo, consegue arrancar alguns sorrisos com sua aparição relâmpago). Ao mesmo tempo em que não entrega nada de novo no gênero, a turnê de Favreau pelo food-porn parece introduzir um novo sub-gênero à linha de produção hollywoodiana. Bem bacana. Nota7

190 - Malévola (Maleficent, 2014): Angelina Jolie comprova que pode protagonizar um longa com o selo Disney como ninguém. A sua caracterização é impecável e sua atuação segue o padrão de qualidade exigível. Pena que o longa dependa tanto de um design de produção que abusa excessivamente dos efeitos digitais (lembra muito, infelizmente, Alice No País das Maravilhas e Oz: Mágico e Poderoso) e relega o desenvolvimento dos personagens periféricos a praticamente nada. A bizarra caracterização das fadas-madrinha, por exemplo, além de truncar o desenvolvimento da narrativa, ainda soa patético pelo equívocado resultado de suas versões miniaturizadas, algo que remete ao primeiro Shrek e nunca soa natural. Também o roteiro tem seus problemas: em momento algum consegue arrancar qualquer empatia pela personagem da Bela Adormecida, algo gravíssimo na produção. O que se salva ao final da orgia digital é mesmo Jolie, uma anti-heroína que merecia um filme melhor para chamar de seu. Nota 5

191 - O Colecionador de Corpos 2 (The Collection, 2012): Ao contrário do primeiro filme, este escancara o projeto como uma variação do tema já explorado à exaustão na franquia Jogos Mortais (não por coincidência, escrita pelos mesmos produtores). O elenco até segura bem o texto, mas os lugares-comuns do roteiro acabam por tornar o desenvolvimento previsível demais, apesar da boa condução. Em seu favor, porém, contam o correto uso da violência e um final que, sem destoar do padrão, pelo menos consegue dar alguma perspectiva inovadora em termos de gancho para uma hipotética sequência. Nota 6,5

192 - 5150 Rue des Ormes (5150 Rue des Ormes, 2009): thriller canadense que começa tímido, mas vai ficando tão absurdo que acaba prendendo a atenção do espectador. E é justamente ao abandonar todo o resquício de realismo em seu terceiro ato que o filme, apesar de inverossímel, resulta impactante na medida certa. O elenco contribui muito para isso e a revelação do que esconde a casa em que está confinado o protagonista resulta impactante. Bem eficiente no que se propõe. Nota 7

193 - Pompeia (Pompeii, 2014): o diretor Paul W. Anderson (da franquia Resident Evil e de Alien vs. Predador) notabilizou-se como um esteta de cenas de ação, apesar da inegável incapacidade de conduzir uma narrativa de forma coesa (a exceção à regra é o correto O Enigma do Horizonte, de 1997). Nessa superprodução aqui, Anderson tenta unir os clássicos subgêneros dos épicos de "sandália e espada" e dos filmes-catástrofe. O resultado soa irregular como era de se esperar de uma mistura estapafúdia de ingredientes desse quilate. Se, por um lado, o diretor comprova o seu talento para comandar sequências de ação grandiosas, com inúmeros extras em cena e toneladas de efeitos especiais, por outro escancara a falta de desenvoltura no comando da história humana por trás dos acontecimentos grandiosos que registra. O romance do casal central soa forçado, assim como o subtexto político deslocado que lá pelas tantas é sugerido pelo roteiro. Pelo menos, as cenas de ação funcionam. Como o vilão com um bizarríssimo sotaque afetado, é Kiefer Sutherland que parece ser o único em cena que entendeu o potencial trash por trás do projeto. Pena que o diretor não tenha sacado que levar-se a sério é o maior equívoco dentre os tantos que cometeu. O final a la Titanic deixa clara a mão pesada de Anderson, como a atestar que o diretor parece ter claramente superestimado o material que acabou nas telas. Nota 5 

194 - Cold In July (Cold In July, 2014): dirigido pelo mesmo Jim Mickle dos bons Stake Land - Anoitecer Violento e Somos O Que Somos, que passou no início do ano nos cinemas, comprova o talento do cineasta na criação de climas suficientemente densos para que as reviravoltas contidas em seus roteiros peguem o público de surpresa sem soarem gratuitas. Mesmo que a história (baseada em um livro de mesmo nome) contenha furos abissais, é a orquestração de Mickle que faz a diferença, ainda mais contando com uma ambientação de época que revive os anos 80 no que eles tinham de mais prosaico (o estilo de moda, os utensílios domésticos, a trilha grudenta). Contribuem para o longa ainda uma trinca de atores irrepreensível: Michael C. Hall (o Dexter da tv), Sam Shepard e um surpreendente Don Johnson, que entrega uma das interpretações de sua vida na pele de um coadjuvante tão legal que merecia um filme só para ele. Nota 7,5

195 - Filhos do Divórcio (A.C.O.D., 2013): boa comédia que trata de um assunto pouco explorado pelo cinema (as consequências do boom de divórcios na geração nascida nos anos 80) e consegue unir um elencaço de comediantes da nova safra, muitos com raízes no Saturday Night Live. O time de atores e atrizes garante que o texto apenas correto funcione como uma grande diversão em grupo. Boa diversão. Nota 7 

196 - Ruína Azul (Blue Ruin, 2013): ótimo thriller de vingança que surpreendentemente teve parte de seu orçamento arrecadado através de doações via Kickstarter. O filme é tão bem conduzido por Jeremy Saulnier (do divertido Murder Party) que parece ter o acabamento de qualquer produção lançada por um grande estúdio. Apostando as fichas em um clima de tensão permanente, além de cenas sem qualquer diálogo (o que salienta ainda mais a atuação espetacular do protagonista Macon Blair), o roteiro preciso do diretor cria uma ambientação de pesadelo que é cortada aqui e ali por um humor negro sutil que nunca chega a aliviar o peso da história que conta. Um filme que investiga a tragédia anunciada do sentimento de vingança como poucos nos últimos anos. Nota 8

197 - Confia Em Mim (2014): começa bem essa produção nacional, principalmente porque Fernanda Machado e Mateus Solano formam um casal verossímel e gracioso. Porém, quando lá pelas tantas o roteiro resolve dar uma reviravolta e se transmutar em um suspense hollywoodiano, a maionese desanda de tal maneira que tudo que foi construído até ali desaba na frente do público. Aderindo aos mais furrecas clichês do gênero, a trama policialesca reserva instantes do mais puro trash movie: a ação dos policiais, a transferência de arquivos de um computador para um pendrive, tudo soa como comédia, mas os atores e o diretor continuam fingindo que aquilo seria um thriller. De chorar de rir. Nota 4


* 198 - Relatos Selvagens (Relatos Salvajes, 2014): Ressentimento, vingança, ódio, burocracia, corrupção e decepção... São estes sentimentos e situações que formam a matéria-prima desta ótima produção, um fenômeno de bilheteria na Argentina (e pré-candidato do País ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro) que mexe com os nossos instintos mais primários, mas sabe como poucos ao mesmo tempo arrancar gargalhadas do público. Os seus seis mini-contos formam um caleidoscópio de nossos sentimentos mais primais (algo inclusive evidenciado pelos créditos iniciais), porém sem nunca esquecer de debochar descaradamente dos mesmos, a ponto de seus personagens de moral ambígua se tornarem protagonistas que contam, mesmo que por curto espaço de tempo, com a torcida da platéia. Botando a mão em um vespeiro moral, o diretor Damián Szifrón (do igualmente divertidíssimo Tempo de Valentes, de 2005) consegue a proeza de misturar comédia e suspense em um mesmo caldeirão, concebendo um dos melhores trabalhos de humor negro dos últimos anos. Ao escancarar os impulsos animalescos que podem aflorar em qualquer cidadão dito comum, o longa consegue extrair o que de mais bizarro (e engraçado) há em qualquer das situações-limite que retrata. Os episódios da disputa entre motoristas em uma autoestrada deserta, do engenheiro que se vê engolido pelo sistema e do casamento que vira um acerto de contas são os melhores, mas todos os outros (inclusive o hilário prólogo) mantêm um padrão de qualidade que destoa de filmes do gênero. É um filme que mantém a lenda de que o empresário de Ricardo Darín é um profissional que nunca erra. O público aplaudiu ao final da sessão em que eu assisti. E eu acompanhei com gosto. Nota 8,5

199 - Død snø 2 (Død snø 2, 2014): o cinema de Tommy Wirkola (do primeiro Zumbis Na Neve e de João e Maria: Caçadores de Bruxas, do ano passado) aposta no subgênero "quanto pior, melhor", privilegiando o gore (vísceras e desmembramentos a torto e a direito) e o humor para criar divertimento para os fãs, mesmo que seus roteiros nada mais sejam que um apanhado de referências e humor visual. Me agrada essa sinceridade com que o diretor abraça um gênero pop que tem um público-alvo bem definido (lembra muito, inclusive, os primeiros trabalhos de Peter Jackson e Sam Raimi). Com esse Død snø 2, Wirkola reafirma a sua predileção para o sangue exagerado, as situações que flertam com a comédia do absurdo e o apreço pelo inconsciente pop do público moderno. Tão divertido quanto seu antecessor, Død snø 2 só peca mesmo por abandonar de vez qualquer clima de filme de terror, algo que o primeiro filme ainda mantinha apesar da premissa absurda (zumbis nazistas atacam pequeno grupo nos confins da Noruega). Em seu lugar, surge uma propensão clara à sátira, algo materializado pelo grupo de nerds americanos inseridos na trama (o ponto mais fraco do filme, diga-se). Mas não há como não se divertir com um filme que coloca em um mesmo campo de batalhas mortos-vivos nazistas e russos para resolver as suas diferenças no muque. Divertimento certo para o público a que se destina. Nota 7

200 - Um Brinde À Amizade (Drinking Buddies, 2013): projeto independente americano que não faz força alguma para fugir da estética padronizada de seus pares, mas pelo menos apresenta um romance contemporâneo sincero e que consegue criar um desfecho inesperado e correto para seus personagens principais. O roteiro do também diretor Joe Swamberg (de um dos curtas de V/H/S) continha só a descrição das cenas, sem diálogo algum. Como consequência, todo o elenco improvisou suas falas durante a filmagem, o que, por si só, já é um artifício que tornaria o longa interessante. Porém, só a performance irresistível da gatíssima Olivia Wilde (Tron: O Legado, Cowboys e Aliens) já vale a conferida. A atriz concebe uma personagem adorável, inteligente e que bebe como gente grande. O arquétipo dos melhores amigos nos tempos modernos. Nota 7

* 201 - Tim Maia (2014): no meio da projeção do filme, eu me peguei perguntando como poderia o mesmo material original (a biografia Vale Tudo - A Vida E A Fúria de Tim Maia, de Nelson Motta) resultar em duas produções tão diferentes entre si? Pois Tim Maia - O Musical, excelente adaptação teatral do livro de Motta, é irrepreensível em condensar o livro, uma viagem prazerosa de descobertas sobre a vida de Tim (e embalada a torto e a direito pelas músicas inesquecíveis do "síndico"), algo que o excessivamente longo filme de Mauro Lima nunca consegue alcançar. Essa sensação tem muitas causas. A primeira é a decupagem de roteiro feita nas coxas, que estende desnecessariamente os anos 50/70, época do nascimento de Tião e surgimento de Tim, e simplesmente passa batido pelos anos 80/90, justamente quando o astro deu a volta por cima tanto para a crítica quanto para o público, o que é abordado de forma apenas casual pelo longa. O filme perde muito tempo com passagens redundantes e simplesmente ignora outras que o musical teatral soube aproveitar de forma exemplar. De fato, a juventude e adolescência de Tim parecem transcorrer a passos de tartaruga e, quando chega a transição, trocando o ator Robson Nunes por Babu Santana, o longa mesmo assim se demora em sequências repetitivas que parecem alongar ainda mais um filme que já nasceu com quase duas horas e meia de duração (lá pela terceira cena em que Tim aparece se drogando, dá tempo de ir ao banheiro, comprar pipoca e refri e voltar para a poltrona sem perder nada do enredo). Dá para ver que a opção da narração em off (no caso, do personagem de Cauã Reymond, correto em cena, diga-se de passagem) é uma muleta para conseguir condensar o texto de Motta, o que soa às vezes eficiente, mas na maior parte das vezes intrusiva demais. Nada contra as interpretações de Robson e Babu: a opção de utilizar dois atores para dar conta do personagem Tim Maia se revela acertada e ambos se saem muito bem, sem nunca parecer meros imitadores dos trejeitos do cantor (ao contrário das caracterizações equivocadíssimas de George Sauma como Roberto Carlos, que parece saída do Zorra Total, e de Luís Lobianco como Carlos Imperial, em que o comediante do Porta dos Fundos parece se sobressair ao ator). Problema, mas problema mesmo, é o playback escancarado quando os relativamente poucos momentos musicais invadem a tela. E daí sai a pergunta óbvia: não era melhor chamar os atores/cantores do musical de sucesso para interpretar (e cantar) Tim também no cinema? Aliás, não seria ainda mais acertada a solução de adaptar para a telona o musical Tim Maia, um sucesso já testado de crítica e público? A sensação que se tem é que o porra-louca Tim Maia foi suavizado e enquadrado por um roteiro e direção protocolares, que formalmente nunca se afastam muito de um especial da Rede Globo. Para um malucaço como Tim, a sua cinebiografia merecia ao menos um tratamento autoral que não se revelasse careta como um capítulo da novela das oito. O filme não é ruim, mas há muito Sossego para pouco Não Quero Dinheiro em sua concepção. Nota 5,5 

202 -  Busca Alucinante (Pawn Shop Chronicles, 2013): espécie de tentativa de fazer uma versão redneck de Pulp Fiction, o último trabalho de Wayne Kramer (dos ótimos The Cooler - Quebrando A Banca e No Rastro da Bala, mas também do fraquinho Território Restrito) revela-se uma imitação sem inspiração dos filmes de Tarantino. Desperdiça um bom elenco (Brendan Fraser, Elijah Wood, Paul Walker, Vincent D´Onofrio, Matt Dillon, Lukas Haas, Norman Reedus, Thomas Jane) com um texto que, na maior parte do tempo, revela-se simplório. São três historinhas envolvendon uma loja de penhores, mas só aquela estrelada por Dillon e Wood vale a pena. As demais são tolinhas demais para convencerem. Um desperdício de matéria-prima para um resultado que, em seus melhores momentos, só consegue soar engraçadinho. Nota 5

203 - O Espelho (Oculus, 2014): terror que ousa driblar alguns dos clichês padronizados do gênero, O Espelho é um trabalho que, apesar de seguir de certa forma a cartilha das produções dos grandes estúdios, consegue estabelecer um enredo levemente diferente, que conta com sustos econômicos (mas efetivos) e uma protagonista que foge ao modelo da "scream queen" tradicional. Aliás, é o "girl power" demonstrado pela excelente Karen Gillan (Guardiões da Galáxia) um dos grandes atrativos da produção, com um personagem badass que não faz feio perante qualquer machão de filmes de ação, além da montagem esperta e que prende a atenção até o último instante da projeção. Se o filme não investe tanto em sustos convencionais (e não investe mesmo), pelo menos o clima encenado funciona às mil maravilhas, com inserções inesperadas de eventos sobrenaturais em uma trama que é, no fundo, um mero acerto de contas dos personagens com seu passado. O que mais salta aos olhos, no entanto, é o primoroso trabalho de edição do também diretor Mike Flanagan (do bem bom Absentia, vide "81" acima), que cria um quebra-cabeças temporal que, longe de embaralhar a narrativa, somente a fortalece. Em um ano fraco em produções de terror, O Espelho é o exemplar que mais arriscou dentro das convenções que limitam o gênero. E isso é um predicado que de cara lhe favorece, já que, mesmo timidamente, ousa combater o convencionalismo dominante. Nota 8

204 - Anjos da Lei 2 (22 Jump Street, 2014): repete todos os acertos e erros do primeiro filme. Os erros, claro, começam pela total diferença de tom em relação ao material que adapta (aliás, Anjos da Lei no cinema são muito mais uma paródia do que uma adaptação do seriado dos anos 80). E as sequências de ação continuam preguiçosas e sem qualquer inspiração, algo que seria facilmente driblado se seus realizadores alugassem uma cópia em VHS de Um Tira da Pesada ou Fuga À Meia-Noite, dois clássicos dos anos 80 que souberam conjugar comédia e ação de forma exemplar. Mesmo assim (e ultrapassando o roteirinho derivativo), repete-se a mesma química azeitada entre os dois protagonistas (Jonah Hill e Channing Tatum parecem se divertir ainda mais do que o público) e algumas piadas funcionam que é uma maravilha. No final das contas, é um filme que garante algumas risadas sinceras, o que, apesar de seus defeitos, acaba por tornar o longa simpático. Nota 6,5 

205 - Hércules (Hercules, 2014): infinitamente melhor do que o execrável Hércules lançado no primeiro semestre no Brasil (The Legend Of Hercules, vide "118" acima), essa superprodução tem a seu favor um conceito legal, que é o de colocar o mito do filho de Zeus como uma simples jogada de marketing do mercenário protagonista (um The Rock mais bombado do que nunca). As cenas de ação funcionam que é uma beleza e até fazem a gente esquecer momentaneamente o roteirinho desprezível que usa e abusa dos clichês mais batidos do gênero. Um entretenimento que não incomoda em um domingo à tarde. Nota 6,5

206 -  Investigação de Risco (Red Riding: In the Year of Our Lord 1980, 2009): segundo capítulo da trilogia televisiva britânica que investigou uma série de crimes verídicos, não mantém o ritmo azeitado da produção anterior (Em Busca de Um Assassino, vide "177" acima), mas ousa com a troca abrupta de protagonistas e um final muito corajoso. Deixa todas as pontas devidamente soltas para o desfecho no terceiro filme da série. Nota 7

207 - The Taking (The Taking, 2014): falso documentário que começa prometendo mais do que entrega ao final. A premissa de seguir uma idosa com sintomas de Alzheimmer que se revela possuída pelo espírito de um serial killer é original e a protagonista Jill Larson (Ilha do Medo) entrega uma atuação excepcional, mas logo, logo, o longa se transmuta em uma sucessão interminável de situações absurdas e empilha clichês que nem os sustos bem empregados pelo diretor conseguem disfarçar. Nota 5   

* 208 - O Abutre (Nightcrawler, 2014, em Seleção de Filmes do Bourbon 2014): tudo dá certo nesse sensacional thriller que ao mesmo tempo apresenta-se como uma crítica muito pertinente sobre a atual cultura da glorificação da violência urbana pela mídia, mas também como um perturbador estudo de personagem. Jake Gyllenhaall tem aqui a interpretação de sua vida até o momento (e isso que ele já tinha excedido quaisquer expectativas no ótimo O Homem Duplo, vide "135" acima). Gyllenhaall emagreceu 10 quilos para tornar a aparência de seu personagem um "lobo faminto", como definiu em algumas entrevistas de divulgação (e é exatamente essa impressão que se tem de seu assustador protagonista, um sociopata que não mede esforços para ascender profissionalmente, mesmo que isso implique devorar todo e qualquer obstáculo que veja diante de si). O clima do longa remete a Vivendo No Limite (1999), sendo que as madrugadas de Los Angeles substituem aquelas de Nova York no filme de Scorsese. É um trabalho perturbador, que escancara a natureza vil não só de seu protagonista, mas de nossa sociedade como um todo (e Rene Russo está excelente como a jornalista inescrupulosa que alimenta a psicopatia do espectador). Sombrio e empolgante na mesma medida, é daqueles filmes que, mesmo relegando os clichês, consegue seduzir o espectador médio. Um baita trabalho. Nota 9

209 - Coherence (Coherence, 2013): ficção de baixíssimo orçamento, foi rodado em poucos dias com somente 8 atores e revela-se mesmo assim uma das mais bem engendradas produções do gênero nos últimos anos. Praticamente utilizando um único cenário, consegue discutir teorias da Física (o Gato de Schrödinger) sem soar pretensioso e surpreender o público com reviravoltas bem pensadas e que nunca parecem gratuitas. Não chega a ir tão fundo nos questionamentos intelectuais como os filmes de Shane Carruth (Primer, Upstream Color), mas o efeito é muito, muito satisfatório. Exige certa predisposição do público a pensar, mas não é um trabalho indecifrável para a plateia média. Nota 8

210 - Uma Noite de Crime: Anarquia (The Purge: Anarchy, 2014): assim como no longa que originou a franquia, não sabe muito bem o que fazer com um conceito excelente (no futuro, os EUA autorizam uma noite em que todos os crimes são liberados, justamente como forma de diminuir a criminalidade). Se no primeiro filme a aposta era no suspense, nessa continuação todo o clima é de um filme de ação, com a trama transcorrendo quase totalmente nas ruas (aliás, lembra muito o subestimado e muito superior Uma Jogada do Destino, de 1993). Com personagens que pouco conseguem alguma simpatia do público, Anarquia se revela uma continuação com pouquíssimos momentos inspirados. Vez por outra aparece alguma crítica social que faz justiça à premissa da franquia (o leilão de vítimas é uma delas), mas, no geral, é só um amontoado de clichês que mais glorifica a violência do que a condena. Nota 5 

211 - O Senhor Babadook (The Babadook, 2014): terror australiano que vem sendo incensado pela crítica como o melhor do gênero em muitos anos. Não é para tanto. Realmente a ambientação é eficiente, o conflito humano que serve de estopim para a trama sobrenatural é bem encenado e há poucos, mas bons sustos, durante a sua enxuta metragem. Por outro lado, o filme bebe demais na fonte de inspiração óbvia (O Iluminado, de Kubrick), o que de certa forma lhe trai enquanto obra original. Mas é um belo exemplar do gênero e que conta com um monstro que dificilmente será esquecido dentro da galeria de novos vilões apresentados nos últimos anos. Nota 7

212 - Crimes e Pecados (Red Riding: In The Year Of Our Lord 1983, 2009): encerra de forma muito satisfatória a trilogia baseada em crimes reais ocorridos na Inglaterra entre os anos de 1974 e 1983. Amarra bem as pontas soltas dos dois longas anteriores e, mesmo escancarando como o filme do meio é o menos relevante para a trama, oferece uma conclusão que unifica as três produções como uma grande (e ótima) saga investigativa. Nota 8

213 - Duna de Jodorowsky (Jodorowsky´s Dune, 2013): o octogenário Alejandro Jodorowsky demonstra vitalidade, paixão e muita energia intelectual ao relembrar um dos projetos mais fascinantes jamais filmados (a sua adaptação cinematográfica do romance Duna, que acabou nas mãos de David Lynch). É um testamento sobre a paixão pela Sétima Arte, um dos melhores documentários dos últimos anos e que conta com depoimentos sensacionais sobre o processo de realização prévio à produção fílmica. Um verdadeiro atestado de amor ao Cinema, Duna de Jodorowsky não é somente o relato sobre uma produção que nunca viu a luz do dia: é o registro de uma grande obra que vive e respira na mente de quem a concebeu. E dá uma puta vontade de devorar toda a filmografia de seu grande idealizador. Nota 9

214 - Amaldiçoado (Horns, 2013): mistura de suspense, terror e comédia, é uma produção que começa muito bem investindo no último gênero (há tiradas inspiradas que, nas mãos de uma roteirista como Diablo Cody, de Juno, poderiam render ainda mais). De fato, o filme se sustenta muito bem até a metade, principalmente porque o eterno Harry Potter Daniel Radcliffe parece empenhado em subverter a sua imagem de bom-moço diante do público. O problema é que, a partir do terceiro ato,  a produção descamba desastrosamente para um suspense furreca de "whodunit" que, além de previsível, é executado de forma desleixada. Um amontoado de clichês horrorosos que sabota tudo o que construiu lá no início. Uma perda de tempo. Nota 5

215 - Dois Dias, Uma Noite (Deux Jours, Une Nuit, 2014, em Seleção de Filmes do Bourbon 2014): atestado de que o cinema dos irmãos Dardenne é um dos mais relevantes na cinematografia contemporânea, é uma produção que usa um fato mundano (a luta de uma trabalhadora depressiva para conseguir o seu emprego em uma fábrica) para apresentar uma reflexão mundial sobre a luta de classes, a moralidade e o capitalismo. Marion Cotillard está excepcional em uma atuação que privilegia os silêncios a fragilidade física de sua personagem (a atriz emagreceu para o filme). A jornada de sua Sandra é daquelas mini-odisséias que só a grande Arte consegue conceber. Um dos grandes estudos de personagem do ano, amplificado pela técnica seca e documental dos Dardenne. Baita filme. Nota 8,5

216 - Algumas Portas Nunca Deviam Ser Abertas (Naboer, 2005): apesar de previsível desde os primeiros quinze minutos de projeção, é um thriller psicológico que ganha em sua direção de arte e atuações uma maior força, tornando a experiência impactante e muito satisfatória. É daqueles filmes que prende a atenção mesmo que suspeitemos para onde a trama irá inevitavelmente se encaminhar. Um belo trabalho com ecos dos filmes rodados em ambientes fechados por Polanski (Repulsa Ao Sexo, O Inquilino). Nota 7

217 - Olheiras (Dark Circles, 2013): terror que utiliza um elemento fascinante como gênese de seus sustos (um casal enfrentando o desafio de mudar o seu modo de vida ao lidar com um recém nascido filho). Os sustos funcionam, a atmosfera é adequada e até as atuações são corretas, mas tudo é jogado ladeira abaixo por uma conclusão mambembe que não faz o menor sentido se vista em retrospecto. Uma pena. Nota 5     

* 218 - Interestelar (Interestellar, 2014, em IMAX): eu não sei exatamente onde a Humanidade errou (talvez tenha tomado o caminho à direita ao invés da esquerda em uma estrada nos confins de Massachussets, sei lá), mas o fato é que de uns tempos para cá, toda a discussão virou grenalização (e o último processo eleitoral está aí, impávido, como testemunha ocular desse falso Bem x Mal gerado pelo pensamento binário dos comentaristas de internet). Dito isso, o novo rebento de Christopher Nolan não é nem a obra-prima que seus fãs bradam ("2001 - Uma Odisséia No Espaço", pff, sério? Nem em sonho), muito menos o fracasso propagado por seus "haters" ("desastroso" como assim, cara-pálida?). De fato, é uma ficção científica que opta por abraçar o viés cerebral dos exemplares do gênero da década de 60 ao invés de investir na aventura nonstop de adrenalina presente nos blockbusters dos últimos anos, o que já é louvável em sua própria concepção. Há vários acertos no caminho. O primeiro ato, apesar de expositivo, funciona bem. O segundo ato, quando os exploradores partem em busca de planetas inexplorados, funciona melhor ainda (a encenação de um "buraco de minhoca" e de um "buraco negro" são lindíssimas, senão revolucionárias no gênero). Enquanto a alquimia ciência x dramaturgia encontra uma representação adequada nas primeiras duas horas de projeção, lá vem o terceiro ato e os furos do roteiro são escancarados. Poxa, não conseguiram achar uma solução para a trama que QUALQUER espectador mais atento não resolva na primeira cena da projeção (aliás, no primeiro diálogo audível na sala)? Mesmo que cientificamente plausível (o físico Kip Thorne auxiliou ativamente no roteiro), o desfecho depende demais de coincidências implausíveis e da boa vontade do público para funcionar. Apesar de visualmente (e sonoramente) embasbacante, a sua trama falha em cunhar a necessária cumplicidade emocional capaz de relevar os erros gritantes de seu texto. Ironicamente, os buracos negros reais do roteiro são incontornáveis, narrativamente falando. Há muitas pontas soltas óbvias na trama urdida pelo irmão do diretor, Jonathan Nolan, que assina o roteiro. Quando se assume como ficção enquanto gênero, Interestelar encanta com um visual arrebatador (ainda mais em IMAX) e com soluções originais para conceitos da física quântica até então impossíveis de visualização. Já quando se para para pensar em sua estrutura enquanto narrativa, resulta em um truque de mágica que pouco espanta. Nolan já fez bem melhor, mas mesmo assim, Interestelar ainda é uma diversão muito satisfatória. Bem no meio-termo entre o que os seus fãs e os seus detratores gostariam de vê-lo. Nota 7 

219 - A Menina Que Roubava Livros (The Book Thief, 2013): essa adaptação do bestseller mundial não traz nada de muito memorável em seu produto final, mas sua trama é suficientemente bonitinha para não aborrecer o espectador. Conta com uma execução delicada, um elenco eficiente (destaque para Geoffrey Rush e Emily Watson, que entregam atuações sensíveis) e algumas boas sacadas, como a opção de narrar a história sob o ponto de vista da Morte, algo que acrescenta uma camada de fina ironia à receita. Um filme que funciona bem para finais de semana chuvosos. Nota 7 

220 - Quarentena (Isolation, 2005): coprodução entre Inglaterra e Irlanda que apresenta-se como um curioso híbrido entre o clima claustrofóbico de Alien - O Oitavo Passageiro e os exemplares mais trash do gênero do terror (afinal, aqui se está lidando com uma trama que envolve manipulação genética e bezerros mutantes!). O orçamento paupérrimo é escancarado nas tentativas de esconder ao máximo a criatura (que, nos raros momentos em que surge na tela, sempre é enquadrada de relance, o que infelizmente não consegue disfarçar o seu design absolutamente tosco). Por outro lado, o bom elenco e o ritmo sufocante são bem eficazes. Não faz feio dentro do gênero em que se insere. Nota 6,5

* 221 - Jogos Vorazes: A Esperança - Parte 1 (The Hunger Games: Mockingjay - Part 1, 2014): é uma pena que uma franquia como Jogos Vorazes, que representa um inegável sopro de vida inteligente dentro das adaptações de fenômenos literários voltados para o público adolescente (e que já rendera dois ótimos longas), caia na armadilha caça-níquel de dividir seu último livro em dois filmes somente para duplicar os lucros na bilheteria. Expediente já adotado por outras franquias recentes (Crepúsculo, Harry Potter), a divisão como meio para a multiplicação de dólares representa um inegável passo atrás para uma série que até agora mantinha a sua integridade intacta nas telas. Essa opção eminentemente mercadológica cobra um preço caro para a qualidade artística desse mais recente filme da franquia. A sensação é de assistir a um trailer extendido por duas longas horas do que seria o desfecho da história de Katniss e companhia: todo o roteiro parece uma grande preparação para eventos provavelmente impactantes que darão fechamento à saga. Por isso, apesar do elenco irrepreensível (Jennifer Lawrence, Phillip Seymour Hoffman, Julianne Moore, Donald Sutherland e Elizabeth Banks entregam performances memoráveis) e do subtexto político muito relevante (lembre-se que o mal é representado por um Estado ditatorial denominado não por acaso de "Capital"), a trama se arrasta sem nunca recompensar o espectador com um grande momento dramático ou ao menos uma sequência de ação memorável que faça valer a expectativa criada por seu roteiro. Aliás, em termos de ação, A Esperança - Parte 1 é praticamente uma nulidade: é provavelmente o blockbuster mais parado dos últimos anos, o que é surpreendente considerando os bons níveis de adrenalina contidos nos dois primeiros longas. O único legado que Peter Jackson reservou à Sétima Arte ao cometer a atrocidade de expandir um livro pequeno em três longas de três horas com O Hobbit foi justamente recompensar o público, ao final de cada produção, com um clímax surtado que deixava o público com um sorriso aberto ao final das sessões, o que não se repete aqui. Além disso, o triângulo romântico que deveria nortear a narrativa é prejudicada por Josh Hutcherson, um ator que na infãncia era carismático (Zathura, Ponte Para Terabítia, Minhas Mães e Meu Pai), mas que agora, quase entrando na fase adulta, parece incapaz de expressar qualquer sentimento de forma crível (a sua canastrice é disparado o ponto mais fraco da franquia). Resta esperar que, no ano que vem, consigam dar ao público um desfecho à altura do potencial apresentado nos primeiros capítulos desse bom exemplar de adaptação literária para as telonas. Nota 6,5

222 - I´ll Follow You Down (I´ll Follow You Down, 2013): produção canadense que apresenta ideias interessantes que envolvem física quântica e viagem no tempo (as teorias utilizadas são as mesmas de Interestelar, por exemplo), mas que as prende em uma trama que se resume a um dramalhão familiar que promete, promete e promete para, no final das contas, apresentar um desfecho preguiçoso e que nunca explora as possibilidades sugeridas pelo roteiro. O interessante é rever Haley Joel Osment (O Sexto Sentido, A.I. - Inteligência Artificial), agora adulto e com boa presença em cena. Nota 5

223 - Merantau (Merantau, 2009): primeiro filme que o galês Gareth Evans rodou na Indonesia, esse Merantau é o típico filme de artes marciais com historinha boba e previsível que lança mão de todo e qualquer clichê que o gênero assentou desde os tempos em que Bruce Lee era um mero faixa azul. O diferencial aqui é que Evans já esboçava a criatividade na criação de sequências de lutas surtadas, algo que posteriormente lapidaria nos excelentes The Raid: Redemption e The Raid: Berandal (vide títulos 127 e 134 acima). Os embates aqui são ferozes e criativos o suficiente para alçar o filme a um patamar muito superior ao que a sua produção modesta sugere. Sem falar que o visual colorido da empobrecida Indonesia é um cenário mais do que bem aproveitado pelo diretor. Vale a conferida. Nota 6,5


224 - Mesmo Se Nada Der Certo (Begin Again, 2013): ex-baixista e vocalista da banda The Frames, o agora cineasta John Carney adota em Begin Again a mesma fórmula utilizada em seu trabalho de maior sucesso, o sensacional Apenas Uma Vez, vencedor do Oscar 2008 de Melhor Canção, mas desta vez não mais em sua Irlanda natal, mas sim em Nova York. De fato, é a mesmíssima estrutura narrativa que utiliza uma história de amor entre dois personagens muito diferentes entre si que, ao mesmo tempo em que descobrem os seus inúmeros pontos em comum, cantam e tocam músicas de qualidade que automaticamente grudam na memória do público. Dá para dizer que Carney varia um pouco o repertório, mas se mantém fiel às raízes musicais. Mesmo Se Nada Der Certo conta com dois protagonistas simpaticíssimos (Keira Knightley e Mark Ruffalo estão adoráveis e ela solta o gogó de forma muito eficiente) que, muito mais que almas gêmeas, revelam-se amigos naturais (deles mesmos e do público). Tamanha é a empatia que a história consolida com a platéia que é difícil, ao final da projeção, dar adeus aos seus personagens (e às fantásticas paisagens novaiorquinas que lhes servem de palco improvisado). Nota 8

* 225 - Boyhood: Da Infância À Juventude (Boyhood, 2014): parece ontem, mas foi no meu aniversário de 13 anos que eu pedi para a minha mãe me levar ao cinema em Porto Alegre para ver Arizona Nunca Mais, filme que me introduziu ao mundo instigante dos irmãos Coen, que se revelaram ao longo dos anos dois de meus cineastas favoritos. Aquela experiência me marcou tanto que, mesmo vivida em plena pré-adolescência, consigo me lembrar de detalhes da data e da sessão ainda hoje. No ano de 2014, já velho, fui eu que convidei minha esposa e minha mãe para conferir, no dia em que apagava quatro fucking décadas de existência, ao novo trabalho de Richard Linklater, um de meus diretores prediletos há vários e vários anos. Se eu conseguir viver até os 80 anos, talvez ainda me lembre dessa sessão de Boyhood. Tanto pela experiência emotiva e simbólica em si, mas também porque é uma obra que versa sobre a passagem de tempo como poucas outras na história do Cinema. Filmando ao longo de 13 anos o mesmo ator (o excelente Ellar Coltrane, uma descoberta!) e acompanhando o seu amadurecimento desde criança até o início de sua fase adulta, Linklater (Waking Life, Escola do Rock, Jovens, Loucos e Rebeldes) cria em Boyhood uma ode aos pequenos momentos que compõem e caracterizam a nossa breve existência sobre a Terra. Da mesma forma que fizera em Antes do Amanhecer, Antes do Pôr-do-Sol e Antes da Meia-Noite, Linklater brinca com nossa percepção diante do passar dos anos, evidenciando as mudanças, mas também o que de imutável guardamos em nossas personalidades. Boyhood é desses trabalhos a serem revistos muitas vezes durante a vida, um alimento para a alma daqueles que permanecem sempre em busca de respostas para questões que sabem insolúveis. O seu roteiro é composto de pequenos fragmentos de vida mundana que soam épicos através da montagem estupenda, um trabalho que merece todos os prêmios que conseguir arrecadar (afinal, decupar 13 anos de filmagens em um longa de menos de três horas e mesmo assim soar preciso em sua narrativa é uma tarefa hercúlea e digna de todos os aplausos do mundo). Já a trilha sonora, como é proverbial no cinema de Linklater, é personagem ativo na trama, sublinhando a passagem do tempo de maneira singela e magistral. O elenco de apoio é igualmente incrível: a filha do diretor se revela um talento a ser explorado em projetos futuros, Ethan Hawke parece não envelhecer nunca e Patricia Arquette e seu efeito sanfona através dos anos entrega uma performance que dificilmente será esquecida pela Academia nas indicações para o próximo Oscar, podem apostar. Muito além de um filme enlatado de estúdio, Boyhood demonstra que há vida inteligente no cinema americano. Um dos melhores filmes do ano, sem sombra alguma de dúvida. Nota 9 

226 - The Town That Dreaded Sundown (The Town That Dreaded Sundown, 2014): ganha pontos por evitar tomar o caminho fácil da refilmagem direta do longa homônimo de 1976, optando por aventurar-se em uma trama híbrida entre o reboot e a metalinguagem. Porém, esse trabalho de estreia no cinema de um dos diretores do seriado American Horror Story (Alfonso Gomez-Rejon) parece mais preocupado com o visual (algumas tomadas são classudas, enquanto outras sequências têm impacto na medida certa para o gênero), mas se esquece de criar personagens que causem qualquer empatia. Fica difícil torcer para seres unidimensionais cuja personalidade é formada por um punhado de clichês dos mais rasteiros. E a revelação da identidade do assassino torna o desfecho mais cômico do que  qualquer coisa. É um slasher que nunca chega a empolgar a despeito de suas mirabolantes (e interessantes) ideias visuais. Nota 5,5 

227 - Assim Na Terra Como No Inferno (As Above, So Below, 2014): o diretor John Erick Dowdle (As Fitas de Poughkeepsie, Demônio) se aventura pelo gênero do found footage (filme de filmagens encontradas) com a proposta ousada de unir terror e aventura arqueológica nas catacumbas de Paris. Essa decisão inusitada rende alguns bons momentos e sustos decentes, mas tudo é encenado de maneira tão caricatural e previsível que nunca se cria a ilusão de realidade, algo fundamental dentro da proposta do longa. É o típico caso de produção que oscila entre o quase-bom e o quase-ruim ao longo de sua enxuta metragem. Nota 5,5


228 - Lucy (Lucy, 2014): depois de encher os bolsos de euros depois de longos anos roteirizando e produzindo filmes de ação rasteiros, é uma boa notícia perceber que Luc Besson não perdeu a mão como diretor. Lucy é daquelas bobagens apoiadas em pseudo-ciência (a teoria da utilização de apenas 10% do cérebro pelos humanos já foi afastada há muitos anos por inúmeros neurologistas) que funcionam que é uma maravilha. Scarlett Johansson está carismática como nunca na pele da protagonista que, ao ser injetada como uma droga nova no mercado, vai gradualmente ganhando o poder de utilizar a totalidade de suas funções cerebrais. Misto de ação e psicodelia visual conduzida com muita propriedade por Besson, Lucy é daquelas diversões escapistas de primeira. E sua protagonista entra na galeria das fortes heroínas concebidas por Besson ao longo dos anos em filmes-pipoca memoráveis como O Profissional, Nikita e O Quinto Elemento. Divertidíssimo. Nota 7,5


229 - O Homem Mais Procurado (A Most Wanted Man, 2014): a primeira reação após assistir a esse que é um dos últimos filmes protagonizados por Phillip Seymour Hoffman antes de sua morte precoce é de luto absoluto pela perda de um dos maiores talentos da geração recente. Hoffman cria aqui um personagem fantástico que, com uma composição física assombrosa, parece carregar o mundo nas costas permanentemente arqueadas. Visto durante toda a metragem do longa com um cigarro em uma mão e um copo de whisky em outra, o ator dá vida a um espião alemão (o sotaque preciso nunca soa caricato, muito pelo contrário) desiludido com a profissão e que espelha magistralmente o cerne do roteiro, baseado em livro de John Le Carré. Assim como no recente O Espião Que Sabia Demais (2011), é um filme de espionagem que registra os seus personagens como pessoas de carne e osso: espiões que, ao invés de sequências de ação e assassinatos, exercem o ofício combatendo diariamente a burocracia estatal, negociando com informantes e apenas observando suspeitos, como se sofressem permanentemente com o fim da Guerra Fria e de tempos em que a linha entre aliados e inimigos era muito mais facilmente perceptível. Esse viés realista é um dos grandes trunfos do longa, que revela-se uma produção feita para espectadores adultos, mais preocupados com uma boa história do que com uma trama rápida e rasteira. Por isso mesmo, seu ritmo lento é tão anacrônico quanto a atividade profissional de seus protagonistas, algo aproveitado com muito capricho pela direção precisa de Anton Corbijn (Control, Um Homem Misterioso). Uma experiência e tanto. Nota 8,5

230 - Exam (Exam, 2009): curioso thriller que, com um punhado de atores e um só cenário, consegue construir uma narrativa que prende a atenção, apesar do elenco irregular e do final com mais cara de "punch" de anedota do que de desfecho lógico para os questionamentos filosóficos que propõe. É um remake do argentino O Que Você Faria?, que por sua vez é uma adaptação da peça El Método. Ao contrário da origem teatral, o roteiro nunca chega a fazer uma alegoria consistente do capitalismo. Pelo contrário, o filme opta pelo caminho da ficção ao justificar a gênese de sua trama, o que não é de todo equivocado. Uma produção que cumpre o seu papel e mantém o interesse do início ao fim. Nota 7 

231 - Locke (Locke, 2013): surpreendente exercício de narrativa empregado pelo talentoso roteirista e agora cineasta Steven Knight (são dele os textos de Coisas Belas e Sujas e Senhores do Crime), que concentra a trama praticamente inteira dentro de um carro, tendo um protagonista visível e todos os coadjuvantes aparecendo apenas com suas vozes pelo viva-voz de seu telefone em uma jornada em tempo quase real até Londres. Tom Hardy (o Bane de Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge) está fantástico como o protagonista e o texto é perfeito ao conseguir condensar em um microcosmo bem específico não só toda a profundidade de seus personagens, mas também a jornada extrema de seu protagonista. Assim como em Enterrado Vivo, é um tour-de-force cinematográfico que consegue extrair de suas limitações autoimpostas de encenação um trunfo inegável para explorar a profundidade de suas idéias e as idiossincrasias de seu protagonista. Com um ritmo de thriller que prende a atenção do público mesmo com apenas um ator em cena, o resultado é sensacional. Nota 9 

232 - Cinema Verite (Cinema Verite, 2011): telefilme que reconstitui a filmagem do primeiro reality show televisivo (An American Family, de 1971) que guarda a marca de qualidade das produções do canal HBO. A reconstituição de época é maravilhosa e os personagens são defendidos com excelência por um elenco dos deuses: Diane Lane, James Gandolfini e Tim Robbins estão todos em sua melhor forma. Corajoso ao abordar o divórcio nos anos 70, o show serve de inspiração para que o casal Shari Springer Berman e Robert Pulcini (Anti-Herói Americano) façam uma radiografia da família americana na década de 70 que é relevante mesmo nos dias de hoje, principalmente após a proliferação do subgênero Big Brother através dos canais televisivos mundo afora. Um filme que merece ser descoberto. Nota 8

233 - Predestination (Predestination, 2014): ficção científica sobre viagem no tempo que surpreende e cativa do início ao fim de sua enxuta metragem. Aliás, deixa aquele gostinho de produção surpreendente e inteligentíssima ao final da sessão. A lógica do roteiro, entretanto, não sobrevive a mais do que cinco minutos de raciocínio. Se der para abstrair os profundos abismos contidos no texto, há como se divertir que é uma beleza com um bom exemplar de narrativa ficcional que não apela para os chavões padronizados do gênero. No caminho da produção assinada pelos irmãos Spierig (do ótimo Canibais, de 2003, e do muito correto 2019 - O Ano da Extinção, de 2009), dá para se entreter com a coragem do roteiro em empilhar reviravoltas e pela ótima performance da desconhecida Sarah Snook. Um bom programa. Nota 7,5

234 - La Cueva (La Cueva, 2014): co-roteirizado pelo mesmo cara que escreveu o excelente O Homem Duplicado (vide 135 acima), é um exemplar do desgastado gênero do "found footage" que não trás nada de novo, mas pelo menos funciona no que se propõe, ou seja, transmitir sensações de claustrofobia e pânico no público. A trama dos viajantes que se aventuram em uma caverna e não conseguem mais sair é roteirizada de forma pueril, mas os sustos e a atmosfera de tensão funcionam muito bem. Uma pena que, justamente em sua cena final, o longa abandone o formato investido até então, o que não estraga a experiência como um todo, mas afasta o espectador que fora sugado por sua estética até aquele ponto. Nota 6,5

235 - Sin City: A Dama Fatal (Sin City: A Dame To Kill For, 2014): injusto fracrasso de público e crítica, essa retomada da adaptação dos quadrinhos de Frank Miller preserva o visual extraordinário concebido no primeiro filme, com rimas estéticas que beiram a perfeição e alguns quadros que parecem saídos de uma galeria de arte. A história principal, protagonizada por uma hipnotizante Eva Green, é um banquete de sexo e violência que faz valer todos os fotogramas inspirados na estética dos film noirs presentes no material original. Já os demais contos evidenciam a carpintaria visual, mas carecem de uma trama envolvente que os sustente. Faz falta o texto enxuto do primeiro filme, compensado aqui por cenas de ação corretas, mas nunca memoráveis. É uma produção que garante entretenimento de primeira, mesmo que irregular em sua escolha de tramas a serem adaptadas para a telona. Nota 7,5

* 236 - Uma Noite No Museu 3: O Segredo da Tumba (Night At The Museum: Secret Of The Tomb, 2014): o filme começa com uma sequência aventuresca que remete imediatamente a Indiana Jones, o que faz com que automaticamente uma expectativa de aproveitamento dos personagens dos longas anteriores em uma trama que resgate o ritmo de ação com comédia dos filmes de décadas passadas (alô, anos 80!) soe quase como uma promessa. Infelizmente, o desenvolvimento segue o mesmo rumo previsível dos outro filmes da série, com uma história mal aproveitada (o desfecho da trama com o tablet egípcio é especialmente preguiçoso) e empilhando personagens demais sem que os atores consigam pelo menos algum espaço para o improviso (é uma pena, por exemplo, que comediantes tarimbados como Ricky Gervais e Robin Williams, em seu último filme, estejam escalados em personagens tão fora de sua zona de conforto, impedindo os atores de fazer em cena o sabem melhor, que é a improvisação anárquica). Há momentos bem engraçados, quase todos graças à dupla Owen Wilson - Steve Coogan (as miniaturas de caubói e gladiador romano), ao macaquinho Dexter e ao neanderthal também interpretado pelo protagonista Ben Stiller, que demonstra aqui que, por trás da cara apalermada que utiliza em quase todas as produções, ainda há um comediante a ser bem utilizado no cinema. Já a ponta de certo astro vinculado com o mundo dos super-heróis cinematográficos é, além de inesperada, muito divertida, mais pela versatilidade do ator do que propriamente pelas piadocas que o roteiro lhe reserva. Por outro lado, Ben Kingsley e Rebel Wilson são subutilizados ao ponto de o primeiro virar um figurante e a segunda quase uma personagem das neochanchadas brasileiras. O problema mesmo é que a produção parece mais uma colcha formada por retalhos de cenas nem tão engraçadas entremeada por passagens inspiradas, o que resulta em um filme que nunca decola como deveria. Se não chega a ser ruim, é um adeus muito limitado a uma franquia que, nas mãos certas (ahhhh, e se houvesse ousadia e dessem o roteiro para Gervais brincar um pouco...), poderia render muito mais. Nota 5,5 

237 - Confession Of Murder (Nae-ga sal-in-beom-i-da, 2012): a premissa é a de um thriller, mas essa produção sul-coreana acaba gravando na memória mesmo as cenas de ação surtadas. A sua premissa é bacana (o assassino que, depois de mais de uma década de anonimato, revela-se à mídia através de um livro), mas a condução abusa dos alívios cômicos orientais que soam quase como chanchada para o público ocidental, além da conclusão cair na vala comum dos genéricos suspenses americanos. Mesmo assim, as cenas de ação protagonizadas por dublês quase alavancam o filme a um patamar maior do que ele merece (e são mesmo muito bem coreografadas). Nota 5,5

238 - Como Treinar O Seu Dragão 2 (How To Train Your Dragon 2, 2014): visualmente ainda mais surpreendente que o primeiro filme, é uma produção que não soa caça-níquel em sua tentativa de dar continuidade à trama original, o que já é, por si só, um predicado e tanto. A história não é tão apaixonante quanto a da primeira produção, mas há um lado sombrio na trama que afasta a sequência dos similares do gênero, mantendo a franquia muito mais aventuresca do que o normal em se tratando de animações. Há momentos realmente marcantes, principalmente aqueles reservados aos inúmeros vôos dos dragões. As vozes originais são ótimas e os personagens são muito bem desenvolvidos. Uma aventura que cumpre a tudo o que se propõe enquanto entretenimento (quase) inofensivo. Nota 7,5

239 - Turn Me On, Dammit! (Få meg på, for faen, 2011): adorável produção norueguesa que faz do tema da descoberta da sexualidade por uma adolescente algo tão picante quanto emotivo. Desenvolvendo a história como uma comédia, a diretora Jannicke Systad Jacobsen consegue imprimir um senso de cumplicidade com o público como poucos cineastas conseguem realizar. Fofo, muito diferente do padrão americano, moderno e com muito o que dizer sobre o tema, é um longa que merece ser descoberto com urgência. Nota 8

240 - V/H/S: Viral (V/H/S: Viral, 2014): terceira parte de uma franquia que nunca foi realmente boa para começo de conversa, esse Viral é disparado o pior exemplar dessa tentativa de criar antologias de contos com o gênero do found footage (os filmes baseados em filmagens encontradas). Se os primeiros exemplares pelo menos guardavam uma certa unidade entre si, essa terceira produção abdica até mesmo do conceito de filmagens nos antigos VHS, virando uma miscelânea que, no caso da primeira história, que envolve um mágico com poderes sobrenaturais, até mesmo corrompe a técnica da câmera na mão sem motivo algum. Salva-se o conto de Nacho Vigalondo (Crimes Temporais, Perseguição Virtual), o único que consegue apostar em um conceito ousado e de bom desenvolvimento. O resto é bobagem da pior estirpe. Nota 4,5

** 241 - O Hobbit: A Desolação de Smaug (The Hobbit: The Desolation Of Smaug, 2013): a revisão do segundo capítulo da extenuante adaptação de O Hobbit para as telas reafirma a equivocada decisão de espichar um livreto infantil para três longas-metragens de quase três horas de duração, mas também serve para confirmar que as sequências da perseguição pelo rio e toda a correria dentro da caverna de Smaug (o melhor dragão já visto no cinema), por si só, já alçam o filme a um patamar difícil de equiparar em termos de adrenalina e aventura em estado bruto. O melhor dos filmes da nova trilogia. Nota 8


242 - The Guest (The Guest, 2014): é muito divertida essa bela homenagem aos filmes de suspense e ação dos anos 80. Muito bem protagonizada pelo britânico Dan Stevens (o Lancelot de Uma Noite No Museu 3), que equilibra muito bem o ar misterioso (e perigoso) por trás de sua estampa de galã, é daqueles filmes que envolvem o público desde a primeira cena e vai desenvolvendo a trama sem pressa até que suas reais intenções aflorem na forma de ação desenfreada e inúmeras referências às produções B oitentistas (da trilha sonora recheada de sintetizadores até os personagens e clichês arquetípicos daquela época). O diretor Adam Wingard (do eficiente Você É O Próximo) demonstra que cresceu no tempo certo de colocar em sua bagagem cinéfila aquele tipo de filme que o SBT tanto gostava de reprisar incessantemente. Nota 7

243 - Sem Segurança Nenhuma (Safety Not Guaranteed, 2012): pequena joia do cinema independente americano, é um filme tão legal que, depois de sua ótima acolhida pela crítica e pelos festivais, a Universal Studios resolveu entregar de mão beijada nas mãos do diretor Colin Trevorrow uma de suas franquias de maior sucesso (o vindouro Jurassic World, agendado para 2015). Apesar de uma produção pequena em pretensão e orçamento,  Sem Segurança Nenhuma é daqueles filmes que seduzem de imediato tanto os amantes de ficção científica quanto aqueles que só querem assistir a uma comédia romântica que fuja da fórmula gasta imposta pelos grandes estúdios. Muito de sua graça vem do excelente elenco, composto por figuras carimbadas do cinema indie americano, todos eles impagáveis em cena: Aubrey Plaza (do seriado Parks And Recreation), Mark Duplass (Humpday, O Solteirão), Jake Johnson (Um Brinde À Amizade) e o estreante Karan Soni dão cor e vida própria à história principal e suas subtramas. Adorável. Um tesouro a ser descoberto pelo grande público com o tempo. Nota 8,5

244 - Livrai-nos do Mal (Deliver Us From Evil, 2014): o diretor Scott Derrickson demonstrara boa mão para o gênero do terror em O Exorcismo de Emily Rose e A Entidade, mas ao tentar mesclá-lo com o suspense policial a maionese desanda totalmente. Contando com um roteiro (de sua coautoria) preguiçoso e cheio de redundâncias pavorosas (em um momento, o protagonista encontra uma foto de uma inscrição demoníaca, aparece um flashback para que o público compreenda que já viu aquilo há 15 minutos atrás, na cena seguinte ele ainda compara a foto com o mural que vira anteriormente e, por fim, explica tudo textualmente para o seu parceiro policial), é um filme que se arrasta por quase duas horas sem nunca dizer realmente a que veio. Sem clima que o sustente (os sustos são, na maior parte da projeção, TODOS causados pela aparição de um animal em cena, de gatos e ratos até leões e tigres!!!) nem texto que colabore, é uma produção destinada ao esquecimento. Vade retro. Nota 3

* 245 - O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos (The Hobbit: The Battle Of The Five Armies, 2014, em IMAX 3D): toda a desnecessária dividisão da adaptação do enxuto O Hobbit para os cinemas em três longas fica mais evidente do que nunca nesse capítulo final, que parece um enorme epílogo para a trama principal (o dragão Smaug, disparado o melhor personagem dos novos filmes, tem seu destino definido nos primeiros 10 minutos de projeção, o que é uma falha gravíssima). Mesmo assim (e desconsiderando a fidelidade ou não da adaptação do livro), Peter Jackson é o cineasta contemporâneo que melhor sabe dar uma sensação de grandiosidade ao que filma. Há algo em seu cinema que remete aos trabalhos grandiloquentes de lunáticos da Era de Ouro de Hollywood como Joseph L. Mankievicz (Cleopatra) e, principalmente, Cecil B. DeMille (Os 10 Mandamentos). É esse senso de escala monstruoso, uma assinatura própria da cinematografia de Jackson, que eleva o filme a um nível superior em termos de entretenimento e resgate do gênero da aventura, algo que remete às produções que eram produzidas a rodo antigamente, mas hoje são raramente replicadas pelo cinema. Assim, mesmo com todos os seus defeitos de concepção, essa última visita à Terra-Média ainda é daqueles trabalhos que dão gosto de ver no cinema (e nasceu para ser projetado na tela do IMAX). Os retornos de personagens queridos de O Senhor dos Anéis (Legolas, Galadriel, Elrond, Saruman, Sauron e o velho Bilbo dão as caras, Aragorn é mencionado) são divertidas adições à trama (dane-se que não apareçam no livro original), assim como as baixas inesperadas de personagens novos dão gravidade a esse desfecho. Sem falar que a sequência inicial envolvendo o ataque de Smaug à vila dos humanos e todo o clímax rodado em uma montanha rochosa e tomada pela neve representam um primor de execução de cenas de ação, um trabalho impecável de coreografia, efeitos especiais e enquadramentos de câmera precisos que dificilmente vai ser superado em um futuro imediato. Nota 8

246 - As Horas Finais (These Final Hours, 2013): excelente produção australiana que lança um dos mais convincentes cenários pré-fim do mundo já vistos em celuloide (longe dos simbolismos de Melancolia, por exemplo, aqui o registro ganha tom sério e realista). Amparado por uma grande performance do protagonista Nathan Phillips (Wolf Creek - Viagem Ao Inferno), é um filme que, mesmo desesperançado, consegue encontrar humanidade e doçura no meio da tragédia iminente. Uma baita surpresa vinda da terra dos cangurus. Nota 8,5

247 - Policial em Apuros (Ride Along, 2014): é até possível encontrar um lampejo de talento em Kevin Hart, considerado um dos maiores comediantes de stand up dos Estados Unidos, mas certamente não nessa bomba atômica aqui, um dos maiores sucessos de bilheteria americanos do ano e certamente um dos piores filmes de 2014. Hart está irritante do começo ao fim do longa, ainda mais escudado por Ice Cube, um caso que eu nunca vou entender de falta total de apatia que parece fazer a cabeça do público médio. Pessimamente dirigido pelo horroroso Tim Story (da refilmagem desastrada de Taxi), tem um daqueles textos que consegue se equiparar em ruindade e falta de graça com os piores exemplares das neochanchadas globais do cinema nacional. Ver gente como Laurence Fishburne e John Leguizamo pagar mico num produto escroto como esse é de chorar no cantinho. Nota 1 e quero troco.  

248 - O Lobo Atrás da Porta (2013): que baita filme que passou injustamente despercebido pelo público médio dos cinemas, que preferiu encher mais uma vez as salas de exibição atrás das neochanchadas produzidas pela Globo Filmes. Raríssimo exemplar de filme de gênero produzido no Brasil, é um thriller instigante que, sem abrir mão das convenções do suspense tradicional, consegue entregar um produto que é ao mesmo tempo popular e intrincado na mesma medida. Homogeneamente defendido de forma espetacular pelo elenco (com destaque para a atuação de Leandra Leal, que parece compreender como ninguém cada uma das camadas do excepcional roteiro do também diretor Fernando Coimbra), O Lobo é daqueles filmes que grudam na memória, crescendo a cada lembrança. Partindo de uma premissa básica dos filmes de suspense (a criança que é sequestrada e a investigação desencadeada a partir daí), Coimbra concebe um dos grandes trabalhos da cinematografia brasileira nos últimos anos, com reviravoltas milimetricamente adicionadas à narrativa até que o desfecho perturbador surja na tela sem aviso algum aos incautos. A edição e a fotografia não são só impecáveis, mas fazem parte de um todo que grita "perfeição". Não só o melhor filme brasileiro que eu assisti em 2014, mas um dos filmes que mais me impactou no ano, independentemente de nadionalidade. Recomendação máxima. Nota 9

249 - O Protetor (The Equalizer, 2014): os primeiros 40 minutos dessa adaptação do seriado homônimo prometem um filme com desenvolvimento lento, mas original dentro do gênero ação. De fato, até que o protagonista Denzel Washington cumpra o protocolo de conhecimento e afeição para com a prostituta vivida por Chlöe Grace Moritz (Kick Ass) até a primeira sequência de ação, o filme apresenta um viés original e até surpreendente ao gastar preciosos minutos desenvolvendo o personagem principal e suas manias. A partir desse momento, entretanto, o longa parece se entregar aos mais batidos clichês do gênero e a produção muda totalmente de tom, com o ator principal botando a baixo toda a máfia russa infiltrada nos EUA. Denzel é um ótimo astro de ação (e sua persona badass funciona aqui à perfeição), mas a promessa de seus primeiros minutos de projeção fazem a sua reunião com o diretor do ótimo Dia de Treinamento soar apenas genérica, no final das contas. Entretém, mas nada além do básico que se espera em uma produção dessa natureza. Nota 6,5

250 - Housebound (Housebound, 2014): que maravilha é essa surpresa vinda da Nova Zelândia que tem conquistado a crítica mundial com sua bela mistura de comédia, terror e suspense. Lembra muito o cinema de Álex de La Iglesias, principalmente O Dia da Besta, A Comunidade e Crime Ferpeito, com seu mix preciso de terror que assusta e humor que faz rir com facilidade. Esse é talvez o grande trunfo do diretor estreante Gerard Johnstone, que consegue meter medo e arrancar gargalhadas na medida certa e com muita inteligência, principalmente na inversão de expectativas quanto aos seus personagens (a protagonista, por exemplo, é uma garota mimada que, de tão enervante, consegue garantir a empatia reversa do público). Auxiliado por um texto cujas reviravoltas vão mudando todo o tom do filme a cada meia-hora de projeção, é uma produção que consegue arrancar sustos nos momentos certos e revertê-los para o pastelão completo quando necessário. Uma prazerosa experiência cinematográfica. Nota 8,5

251 - Aux Yeux des Vivants (Aux Yeux des Vivants, 2014): é surpreendente que a mesma dupla responsável pelo excelente A Invasora (Alexandre Bustillo e Julien Maury) conceba esse longa confuso, que nunca se decide entre fazer uma homenagem ao cinema oitentista de Spielberg, onde as crianças ganham o espaço dos protagonistas, e um slasher movie dos mais genéricos. É essa bagunça conceitual que acaba enterrando o longa em suas próprias pretensões. Sem falar que o roteiro é desleixado e repleto de situações absurdas (há personagens que somem sem explicação e cenas tão absurdamente mal editadas que chamam a atenção). Começa como um filme violento, ganha ares de Conta Comigo e, ao final, se perde de vez em um arremedo de thriller na linha de Os Estranhos que nunca decola. Salvam-se algumas sequências de tensão e só. Nota 5

252 - Sobral - O Homem Que Não Tinha Preço (2013): surpreendente documentário que resgata uma das figuras mais ilustres do imaginário jurídico brasileiro, o advogado e jurista Sobral Pinto, que ousou combater a ditadura ao defender gratuitamente vítimas do regime militar, entre eles Luis Carlos Prestes. Conduzido com um misto de idolatria e curiosidade pela neta do biografado, Paula Fiúza, tem imagens de arquivo preciosas concedidas pela Rede Globo e que lançam uma bem vinda luz sobre a atuação de Sobral no período mais sombrio de nossa história. Um título imperdível para advogados e operadores do Direito, mas também um documento importante sobre a História do Brasil. Nota 8

* 253 - Êxodo: Deuses e Reis (Exodus: Gods And Kings, 2014): eu tenho um problema enorme com o Deus vingativo, violento e intolerante retratado no Velho Testamento, o que me faz invariavelmente torcer contra a divindade idolatrada pelos personagens de suas histórias. Mesmo assim, é inegável que o primeiro tomo da Bíblia contenha os enredos mais cinematográficos do texto seguido pelos cristãos. Aventuresca pela própria concepção, a passagem reservada ao conflito entre Moisés e Ramsés dá margem à realização de um épico daqueles tradicionais, algo que o veterano Ridley Scott aproveita muito bem. Visualmente brilhante, com efeitos digitais especialmente bem utilizados, Êxodo é uma aventura à moda antiga, com uma ótima dupla central (tanto Christian Bale quanto Joel Edgerton estão muito bem em cena) e soluções originais (até onde o texto permite) para os muitos acontecimentos sobrenaturais da narrativa. Felizmente, o roteiro escrito a oito mãos não se furta a discutir discretamente, aqui e ali, as ações do Deus bíblico, o que dá à produção o correto tom ecumênico apto a dialogar com o público em geral. A metragem é excessiva, com uma incômoda insistência em tentar encenar toda a história do trecho do livro (o epílogo, que encena a concepção dos 10 Mandamentos, é especialmente desnecessário, mesmo porque a travessia do Mar Vermelho seria o fechamento perfeito para a produção), mas há opções visuais bem interessantes para aspectos difíceis do texto original (a representação material de Deus, por exemplo, é muito acertada e carrega em si vários significados). Uma pena que o elenco coadjuvante seja tão mal aproveitado: John Turturro, Aaron Paul, Ben Kingsley e Sigourney Weaver têm pouco o que fazer além de franzir a testa ou concordar com as falas dos protagonistas. Já as cenas de ação são muito bem engendradas, no nível dos demais épicos comandados por Scott (Gladiador e Cruzada). No fim das contas, um bom entretenimento que, apesar da moralidade duvidosa (mesmo problema de Noé, de Aronofski), consegue divertir enquanto superprodução de aventura. Nota 7

254 - November Man: Um Espião Nunca Morre (The November Man, 2014): aventura de espionagem mequetrefe que serve mais para Pierce Brosnan reviver seus tempos de James Bond do que para qualquer outra coisa. Tem um roteiro horroroso que parece tratar o tema da espionagem moderna sob o holofote dos filmes do gênero feitos durante a Guerra Fria, e uma profusão de cenas em câmera lenta absolutamente deslocadas que causam espanto em se tratando de um longa com a assinatura de um diretor experiente no gênero de ação como Roger Donaldson (Efeito Dominó, Sem Saída). Nunca chega a incomodar (e em alguns momentos até diverte), mas é um filme a ser esquecido desde o seu atroz título nacional. Nota 5

                        
              THE END (nos vemos em 2015)





   

  




     


    
 


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