Como tradicionalmente faço no
primeiro dia de cada novo ano, passada a ressaca da virada (ou mesmo durante
ela, como é o caso aqui), eis a lista personalíssima de filmes que
mais me marcaram no ano que passou. São produções pinçadas dentre aquelas que
estiveram em cartaz no circuito comercial do Rio Grande do Sul no ano recém
finado, listadas em ordem alfabética e sem qualquer pretensão de formar um
panorama definitivo dos melhores filmes do ano passado, mesmo porque em 2013 eu
vergonhosamente consegui assistir menos de 200 títulos, volume irrisório
considerando a minha meta (até hoje inatingida) de 365 filmes em 365 dias.
Abaixo, seguem enfileirados os 20
títulos que, para mim, são essenciais para compreender 2013 nos cinemas em toda
a sua excelência. Na sequência, ainda listo mais 21 produções muitíssimo
recomendáveis (por mim, obviamente) que merecem no mínimo uma visita.
OS MELHORES (crème de la crème):
1. A Caça (Jagten, 2012): arrasador (e revoltante) conto moral sobre a histeria social e o perigo dos pré-julgamentos tão comuns no mundo moderno. Mads Mikkelsen (Cassino Royale), agraciado com o prêmio de melhor atuação no Festival de Cannes 2012, está não menos do que fantástico.
2. Além das Montanhas (Dupa Dealuri, 2012): utiliza como base um inacreditável caso real para expôr não só a fragilidade do funcionalismo público romeno, mas a presença sombria da Igreja Ortodoxa na sociedade, com seus métodos e dogmática medieval, um resquício de tempos anteriores aos da abertura política. Um dos mais contundentes relatos sobre o fundamentalismo religioso dos últimos anos, que aplica-se a todos os cultos com cara de programa de auditório presentes em qualquer esquina no mundo inteiro. Com suas duas horas e meia que passam muito lentamente, provocando um sentimento de torpor parecido com aquele que envolve as personagens confinadas no convento que serve de microcosmo no filme, Além das Montanhas é uma obra que precisa ser apreciada com paciência e atenção. Por trás de um aparente descaso com fotografia e direção de arte (e ausência de trilha sonora), o registro naturalista do diretor engana os incautos: é justamente através da fotografia, cenários e figurinos que insere elementos-chave para compreender a sua visão. Muita coisa é revelada justamente ao não ser mostrada: a real natureza da relação entre as protagonistas, a reação de uma delas após uma sessão de confissão que não é vista pelo espectador... E, assim como em 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias, guarda para o último plano do filme uma imagem que pode passar despercebida pela maioria do público, mas que revela-se uma verdadeira carta de intenções do cineasta como um alerta pela preocupante fragilidade do Estado laico no mundo moderno.
3.
Amor (Amour, 2012): um registro seco, impiedoso e extremamente
doloroso do declínio físico na velhice, mas também um emocionado libelo à
eternidade do amor. Como se não bastasse a corretíssima sobriedade da
arquitetura cênica, Michael Haneke ainda conta com dois veteranos em estado de
graça: Jean-Louis Trintignant (A Fraternidade É Vermelha) e Emmanuelle Riva (Hiroshima
Meu Amor) dão um show que confere à produção a sensação de se estar
comparecendo à uma festa de gala. Especialmente Riva, que dá à sua trágica
personagem uma demonstração de entrega e despudor surpreendentes para uma atriz
octogenária. Espetacular. De aplaudir em pé.
4.
Antes da Meia-Noite (Before Midnight, 2013): um dos melhores
projetos de cinema já feitos, a série "Antes de", de Richard
Linklater (Escola do Rock), consiste em acompanhar o casal Jesse e Celine
(Ethan Hawke e Julie Delpy) a cada nove anos, registrando o seu relacionamento
através do tempo enquanto conversam e discutem sobre os mais variados assuntos,
sempre em meio a um cenário turístico de cair o queixo. Em Antes do Amanhecer,
acompanhamos o encontro dos dois jovens e a noite em claro que passam
perambulando por Viena. O grande diferencial da série é a sua abordagem
sensível e sincera dos relacionamentos e para isso em muito contribui a opção
do roteiro ser escrito a seis mãos pelo diretor e seu casal de protagonistas.
Traz não só uma radiografia precisa de todas as fases de uma relação, mas
também um irresistível tratado sobre a personalidade humana através dos tempos
(e situar as histórias em meio a locações com incrível bagagem histórica, além
de servir como pretexto para abordar os mais diversos temas, também funciona
como uma alegoria perfeita da temática do projeto). Hawke e Delpy estão mais à
vontade do que nunca como Jesse e Celine, esses velhos conhecidos que
encontramos de década em década, aqui maduros e cheios de imperfeições e
contradições, um espelho da nossa própria existência. A sensação de estar
envelhecendo junto com os personagens é um dos atrativos mais curiosos da série
e só nos aproxima ainda mais desses adoráveis (e complexos) personagens. Sentimental
sem nunca abandonar o racionalismo, bonito sem em momento algum pender para o
superficial, Antes da Meia-Noite é, por isso mesmo, o filme mais romântico em
muito, muito tempo. É imprescindível ver ou rever os dois primeiros antes de se
aventurar nesse terceiro ato nas vidas de Jesse e Celine. E inevitável passar
os próximos nove anos ansiosamente esperando pelo momento de reencontrá-los.
5.
Blue Jasmine (Blue Jasmine, 2013): Woody Allen é um dos
roteiristas que melhor sabe criar personagens femininas realistas e, por isso
mesmo, inesquecíveis. Em Blue Jasmine, o seu retorno ao drama depois de uma
série de comédias mais ou menos efetivas, Allen dá vida a uma de suas mais
complexas personagens, uma ricaça que perdeu tudo, menos a empáfia e a falsa
altivez que em certos momentos a tornam dolorosamente odiável. Longe dos
registros cômicos fantasiosos (Scoop: O Grande Furo, Meia-Noite Em Paris) ou
popularescos (Para Roma Com Amor), Blue Jasmine, apesar de bem-humorado (e os
personagens de Andrew Dice Clay e Bobby Cannavale são alívios ótimos), é um
relato trágico sobre a depressão, com todas as reminiscências da literatura
russa que tanto Allen adora, principalmente a relação de causa e efeito
presente em Crime e Castigo e seus pares, algo que aproxima muito o longa de
trabalhos anteriores do diretor, como Crimes e Pecados e Ponto Final - Match
Point. Toda a complexidade, dubiedade de caráter e riqueza da personagem
principal não seriam suficientes para tornar a produção bem-sucedida se não
fosse a excepcional (e irretocável) performance de Cate Blanchett, que se não
levar o Oscar no próximo ano é porque houve algum equívoco na contagem dos
votos. É dela a melhor atuação de uma atriz em 2013. E é de Woody Allen um dos
filmes mais cruéis e interessantes do ano também.
6. Branca de Neve (Blancanieves, 2012): sensacional adaptação da fábula para o mundo das touradas, em preto e branco e ainda por cima mudo. O que o diretor Pablo Berger (do divertido Da Cama Para A Fama) faz aqui ao despir o longa de cor e diálogos é uma ode à narrativa clássica, um retorno a um tempo em que o que mais importava era a boa história a ser contada. Engenhoso e com uma fotografia de cair o queixo, Blancanieves ainda conta com uma das direções de arte mais impressionantes do ano e que consegue o feito de reverenciar tanto o impressionismo alemão (nas cenas da casa da madrasta) quanto o neorrealismo italiano (nas cenas dos anões toureiros). Como se não bastasse, ainda consegue unir em cena duas beldades cujos rostos são cinematográficos sob qualquer cor ou fotografia: a novata Macarena García e a quarentona Maribel Verdú (E Sua Mãe Também, O Labirinto do Fauno).
7.
Círculo de Fogo (Pacific Rim, 2013): o cinema comercial americano
vive uma inegável crise de criatividade já há alguns anos e a tonelada de
lançamentos que prefere o caminho fácil das seqüências, refilmagens, reboots ou
adaptações de quadrinhos, livros e qualquer outra fonte pop só escancara o
fato. Guillermo Del Toro (O Labirinto do Fauno, Hellboy), diretor mexicano que
cresceu com o cinema de entretenimento de qualidade dos anos 70/80, resolveu
dar o troco e deixar Michael Bay, seus Transformers e suas réplicas, se é que
viram Pacific Rim, com uma baita vergonha de seu currículo. O que Del Toro faz
aqui pelos antigos filmes japoneses "kaiju eiga" (os filmes de
monstros que destruíram Tóquio um sem número de vezes durante a infância de
muitos) deveria ser obrigatório para qualquer um que se aventure a homenagear
um gênero ou produto, qualquer que seja. Preocupado em dar à premissa absurda
do mundo povoado por monstros gigantescos que prefere investir em robôs
colossais para combatê-los, o diretor construiu um verdadeiro microcosmo de
referências ao gênero, dos cenários à música e deles às coreografias das lutas.
Ah, as lutas... Elas botam no chinelo não só a franquia Transformers, como
também os últimos 40 minutos de Homem de Aço e Os Vingadores e trocentas outras
produções que tornaram a orgia dos efeitos em computação gráfica praticamente
um videogame projetado nas telas de cinema. Combinando efeitos práticos,
enormes cenários e muita maquiagem (características, aliás, de toda a
filmografia de Guillermo), os efeitos digitais parecem se fundir ao que é de
fato real em cena. Por isso, Pacific Rim também é uma lição de casa a ser
aprendida por quem utiliza os computadores para tapear a própria inaptidão para
o cinema (sim, Michael Bay, estou falando com você e seus imitadores). Del Toro
sabe criar o clima, dar o real sentido de dimensão entre os elementos que
constroem as cenas, construir lentamente a história e, por isso mesmo, quando
os momentos de extravasamento chegam (claro, quem não ficaria esperando por
batalhas épicas entre monstros e robôs gigantes?), eles realmente empolgam (e
note-se como não precisam se tornar intermináveis para surtir o efeito
pretendido). A sensação de peso a cada prédio destruído em cena é quase
palatável (e um prazer extra é ver a reação do público quando isso acontece). A
diferença entre Pacific Rim e qualquer outro enlatado americano reside na
preocupação em entregar um roteiro com situações e personagens com que o
público facilmente se identifica (e, por isso, torce loucamente, mesmo sabendo
de antemão como o filme provavelmente terminará). Matinê como aquelas que
povoaram a minha infância, desperta o piá de 13 anos que vive escondido dentro
de qualquer um, independentemente de idade ou sexo. Se eu fosse o Michael Bay,
estaria chorando em posição fetal num canto de sua mansão em Beverly Hills.
8.
Dentro da Casa (Dans La Maison, 2012): excelente trabalho
do prolífico François Ozon (Swimming Pool - À Beira da Piscina, 8 Mulheres,
Potiche - Esposa Troféu), que parece querer imitar o ritmo anual de produção de
Woody Allen. É uma ode à literatura que transforma o próprio filme em uma
versão de As Mil E Uma Noites, com o público na posição do sultão, ansioso por
mais um capítulo lido por Sherazade. Consegue misturar em uma mesma receita
drama, comédia e suspense sem nunca perder o foco do que tem de melhor: os
personagens fascinantes defendidos com garra por Fabrice Luchini (As Mulheres
do Sexto Andar), Kristin Scott-Thomas (Quatro Casamentos E Um Funeral),
Emmanuelle Seigner (Lua de Fel) e o estreante Ernst Umhauer.
9.
Django Livre (Django Unchained, 2012): é cinema de cinéfilo para
cinéfilos. O velho Taranta faz mais uma bela homenagem ao cinema de gênero, no
caso aos faroestes. Claro que é uma ode ao western que não se furta a misturar
no mesmo caldeirão referências a outras tantas ramificações do cinema popular,
principalmente às produções de blackspoitation dos anos 70. E mesmo o
libelo tarantinesco ao faroeste é dividido entre reverenciar o bangue-bangue
americano clássico (as planícies infinitas, as tomadas grandiosas filmadas à
contraluz) e os spaghetti westerns italianos (a violência exagerada e
cartunesca, os zooms abruptos de câmera e mesmo a participação afetuosa do
ídolo Franco Nero, que imortalizou outro personagem chamado Django em
diversas produções). Aos fãs de Tarantino, a boa notícia é que ele
continua o mesmo de sempre. Aos detratores, a má notícia também é esta. Estão
ali os personagens estilosos, as participações especiais e inusitadas (Don
Johnson, Jonah Hill, Zoe Bell, Tom Savini), o texto extenso e o uso da
violência não como choque, mas como alívio cômico e redentor. E por mais que
Jamie Foxx esteja cool como o personagem-título, são mais uma vez os
coadjuvantes que roubam o filme para si. No caso, uma trinca irrepreensível:
Christoph Waltz, que reprisa uma espécie de Hans Lada de Bastardos Inglórios,
desta vez do lado dos mocinhos; Leonardo DiCaprio, como um vilão afetado e
repugnante; e um incrível Samuel L. Jackson, pela primeira vez interpretando um
personagem que não seja uma mera imitação dele mesmo desde muito, mas muito
tempo. E os diálogos travados entre Waltz e DiCaprio poderiam durar dias
inteiros sem nunca cansar o espectador. Coisa lapidada a ouro. A maior diversão
de 2013 até aqui. "D-J-A-N-G-O, o D é mudo", diz o protagonista lá
pelas tantas. Tarantino, para nossa sorte, não é.
10.
Elena (2013): na saída do cinema, uma senhora comentava com seu
acompanhante que Elena "deve ser muito bom para os intelectuais",
mas que ela havia achado chato o longa de estréia de Petra Costa. Esse
pequeno fragmento do cotidiano diz muito sobre a perspectiva do público frente
a obras que fogem do lugar-comum e das zonas de conforto do cinema comercial,
mas é ainda mais emblemático da natureza subjetiva do belo trabalho de Petra e
de como isso implica em possibilidades diferentes com que a platéia se
relaciona com o longa. E toda e qualquer pessoa que assisti-lo viverá uma
experiência própria. É impossível sair de Elena incólume a ela. Ultrapassando a
todo momento as limitações impostas pelo documentário enquanto gênero, Elena é
muito mais do que o mero registro da jornada da cineasta, que volta a Nova York
para refazer os passos da irmã mais velha, que tirou precocemente a própria
vida em 1990. É um ajuste de contas que a diretora (e sua mãe) corajosamente
fazem com o passado e com as memórias dolorosas de uma vida que chegou ao fim
no começo do caminho. É também um ensaio potente (e profundamente tocante)
sobre o luto e a necessidade de renascimento simbólico como forma não de
superá-lo, mas de suportá-lo. E não deixa de ser poesia, elaborada por Petra
através de uma colcha de retalhos formada por arquivos em VHS deixados pela
irmã e por reencenações teatrais que carregam na simbologia pretendida pela
diretora. Na verdade, o que menos importa é a qual gênero pertence Elena, o
filme. O importante é que ele exista. Goste ou não, é um dos filmes nacionais
mais emocionalmente ricos (e potentes) dos últimos anos.
11.
Faroeste Caboclo (2013): a adaptação do hino oitentista da Legião
Urbana ganha uma versão cinematográfica muito, mas muito honesta. Mas fica o
aviso: o filme em nenhum momento limita-se a posar de mero videoclipe,
adaptando ipsis literis a letra da música entoada por Renato Russo. Pelo
contrário, o roteiro do filme toma muitos desvios, alguns necessários para que
a história seja transformada em película, outros problemáticos (como a
indecisão lá pela metade do filme em focar no romance impossível de João de
Santo Cristo e Maria Lúcia ou na jornada trágica do herói). Também me incomodou
um pouco que o duelo final não seja aquele da música, transmitido em cadeia
nacional, mesmo que destoasse do próprio viés narrativo adotado desde o início.
Mas entendo a opção pelo registro intimista: além de uma bela homenagem aos
faroestes de Sergio Leone (principalmente Três Homens Em Conflito), a cena fica
bem mais trágica (e bela) sem espectadores. Faroeste Caboclo é filme feito não
só para fãs xiitas de Legião Urbana, mas principalmente para adultos. O
importante ao final não é a fidelidade irrestrita ao texto original, mas como o
filme conseguiu extrair daquele conto a sua essência. Dirigido de forma
surpreendente pelo estreante (o que aumenta mais o espanto) René Simões, que
soube dar ao projeto o peso dramático necessário, fotografado lindamente por
Gustavo Hadba e ancorado em uma atuação irretocável de Fabrício Boliveira como
o protagonista, o longa ainda ganha mais créditos por contar com outros três
atores que defendem exemplarmente seus personagens: Isis Valverde (Maria
Lúcia), Felipe Abib (Jeremias) e Antonio Calloni (o policial corrupto Marco
Aurélio).
12. Ferrugem e Osso (De Rouille Et D´Os, 2012): tão certo quanto o Oscar e o Natal é o fato de que todo ano aparece no cinema aquela produção francesa que esfrega na cara de Hollywood que é possível fazer drama popular de qualidade, sem cair no manual telegrafado de roteiro imposto pelos grandes estúdios americanos. Ferrugem e Osso é até aqui o longa da vez vindo da terra de Sarkozy a ganhar uma chance no circuitão brasileiro. Dirigido pelo excelente Jacques Audiard (do ótimo O Profeta), entrega uma história tocante amparada no relacionamento entre dois personagens (aparentemente tão incompatíveis quanto a ferrugem e o osso, como esclarece o título) defendidos de forma surpreendente por Matthias Schoenaerts e Marion Cotillard, ambos sensacionais em cena. Sem nunca resvalar nos lugares-comuns do dramalhão, Ferrugem e Osso surpreende pela sinceridade com que fala de perdas e reconquistas, das agruras do cotidiano e principalmente das contradições que existem na personalidade de todo ser humano. É de certa forma um filme de superação às avessas, que não esconde sob o tapete toda a crueza da realidade, como os contos de fada que tanto agradam a nova geração. Conta com uma trilha sonora irrepreensível (assim como a de O Profeta, aliás) e uma fotografia linda, daquelas que estão ali para ajudar na construção narrativa, mas nunca sobrepor-se a esta.
13. Frances Ha (Frances Ha, 2012): fazia tempo que não pintava nas telas um filme com tanto potencial para virar cult entre uma parcela do público (eu, inclusive). Guiado totalmente por uma personagem única, maluca, desengonçada, contraditória e, por isso mesmo, adorável, Frances Ha é daqueles filmes que, quando conquistam alguém, vão direto para a cabeceira de qualquer cinéfilo. O diretor Noah Baumbach já demonstra talento desde o comecinho dos anos 90 (são dele Kicking And Screaming, Mr. Jealousy, A Lula E A Baleia e Margot E O Casamento) com suas comédias agridoces e, ao que tudo indica, o cara está ficando cada vez melhor com o passar do tempo. Nesse roteiro co-escrito com a protagonista Greta Gerwig, o cineasta faz um estudo de personagem que dificilmente encontra paralelo na cinematografia recente. Editado com inteligência, fazendo exemplar uso da sensacional fotografia em preto e branco, com diálogos afiados e personagens marcantes, Baumbach parece aqui, mais do que nunca, uma espécie de Woody Allen às avessas, com toda a verborragia, mas sem as neuroses (e a fotografia, como não poderia deixar de ser, lembra escancaradamente Manhattan e Memórias, de Woody). É muito difícil sair imune de Frances Ha quando, na última cena, revela-se o motivo do título, algo que, dentro de sua simplicidade, encontra sentido em tudo o que se viu até ali. Fora que Modern Love, de David Bowie, vai ficar ecoando por um bom tempo na cabeça de todos, o que por si só já é motivo de aplausos. E torcer por Frances Ha, mesmo com todas as adversidades impostas pelo roteiro (e pela vida de todos nós) não é só conseqüência da ótima condução do filme. Chama-se a isso de humanidade.
14. Gravidade (Gravity, 2013): o cinema, lado a lado com a literatura, é uma das formas de expressão artística que melhor consegue proporcionar a imersão completa em uma narrativa de forma a provocar o escapismo quase automático da realidade, nem que seja por um curto espaço de tempo. Gravidade é daquelas obras que faz essa mágica acontecer em seu estado mais puro. E o impacto que provoca no público ao ser saboreada nas condições ideais (nesse caso em particular, em 3D e na tela gigante do IMAX) não encontra paralelo em nenhuma produção recente. Dirigida por um dos grandes cineastas da atualidade (o mexicano Alfonso Cuarón, dos excelentes Filhos da Esperança e E Sua Mãe Também), a produção é um novo marco no emprego irretocável da tecnologia no cinema. É praticamente impossível não ser transportado para o vácuo do espaço junto a sua ótima protagonista (Sandra Bullock, no melhor papel de sua carreira, com o perdão do trocadilho, mas há anos-luz do papel que lhe rendeu o Oscar no enlatado Um Sonho Possível). Claustrofóbico, Gravidade é daquelas montanhas-russas emocionais que não dão um respiro à platéia ao longo de seus enxutos 90 minutos de projeção. É daqueles filmes que grudam o espectador na poltrona do cinema, buscando um eixo de apoio que falta aos seus personagens, todos soltos na gravidade zero do espaço. Lotado de cenas com potencial para virar referência aos cineastas no futuro, desde o irrepreensível plano-seqüência de 17 minutos (!!!) com que abre o filme, passando pela pirotecnia das cenas de ação e as homenagens explícitas a clássicos da ficção científica (o bebê interplanetário de 2001 - Uma Odisséia No Espaço e a roupa de Sigouney Weaver em Alien - O Oitavo Passageiro são as de mais fácil identificação), Gravidade é o blockbuster perfeito: deixa o queixo no chão, mas o cérebro permanece plenamente ativo. Nem a discutível simplicidade do roteiro tem o condão de diminuir a obra, tamanha é a efetividade do arco dramático desenhado com esmero para a sua protagonista. Sem falar que a fotografia, efeitos especiais e sonoros e principalmente a brilhante trilha sonora de Steven Price (de Ataque Ao Prédio) tornam o espetáculo inesquecível sob qualquer ponto de vista. Exemplo perfeito do casamento feliz entre entretenimento, fidelidade científica e autoralidade, Gravidade é o filme a ser visto por qualquer cinéfilo, seja ele fã de superproduções ou da programação dos cineclubes. E se existe um filme que merece ser visto com toda a pompa na tela do IMAX e em seu sensacional 3D, é esse aqui. A minha primeira reação ao sair do cinema e que talvez resumisse o texto acima foi: OH, MY FUCKING GOD!!!
15.
Indomável Sonhadora (Beasts Of The Southern Wild, 2012): um bom
diretor também é aquele que consegue extrair de seu elenco performances
surpreendentes. Partindo desse princípio, Benh Zeitlin, em sua estréia em
longas-metragens, já pode ser considerado um GRANDE diretor ao conseguir que um
elenco de atores não-profissionais entregue atuações tão sinceras e comoventes,
a começar por essa adorável atriz que é a pequena Quvenzhané Wallis, um
verdadeiro achado. Dos filmes indicados ao Oscar, é disparado o que mais fala
aos sentimentos. É literalmente quase impossível conter as muitas lágrimas que
essa jornada de esperança em meio ao caos repetidamente insiste em trazer aos
olhos. A direção de arte e a trilha sonora são um primor e foram completamente
esnobados pela Academia, que não lhes garantiu sequer uma indicação. Uma pena.
Indomável Sonhadora é daqueles filmes que dificilmente sairão da memória. Foram
os noventa e poucos minutos mais prazerosos que passei dentro de uma sala de
cinema em muito, muito tempo.
16.
No (No, 2012): não vi ainda o longa anterior do diretor Pablo
Larraín, o premiado Tony Manero, de 2008. A julgar por esse sensacional
No, quero assistir o mais rápido possível. Relato enviezado sobre a ditadura de
Pinochet sob a ótica dos publicitários responsáveis pela campanha do "Não"
no plebiscito de 1988, é uma pequena jóia do cinema moderno. E uma viagem
surpreendente ao final da década de 80, cumprida à risca pela direção de arte
retrô e pelo incrível trabalho de fotografia, toda ela pensada e executada como
se o filme fosse rodado naquelas primeiras filmadoras VHS. A imagem desfocada e
de cores pálidas pode até incomodar os mais jovens, mas é o tipo de ousadia
estética que faz todo o sentido em um filme que consegue ser político sem cair
na armadilha do discurso panfletário. Essencial para quem trabalha com
publicidade, mas fundamental para quem tem um mínimo de consciência histórica e
política.
17. O Mestre (The
Master, 2012): o cinema de Paul Thomas Anderson (Boogie Nights,
Magnólia, Sangue Negro) respira em um ritmo próprio. Lento e contemplativo como
Sangue Negro (até demais), O Mestre não é para muitos, mas os poucos que
conseguem apreciar a cadência milimetricamente controlada de suas obras-primas
não sairão decepcionados da sala de cinema. Muito mais do que uma alegoria
sobre a gênese da Cientologia, como foi taxado durante a produção, é um estudo
profundo sobre a lavagem cerebral operada pelos cultos em geral sobre os seus
seguidores (e, para os brasileiros, dá uma incômoda sensação de familiaridade
com os programas evangélicos transmitidos indiscriminadamente pela televisão
aberta tupiniquim). Como todo filme de P. T. Anderson, cada fotograma
parece fruto de um estudo minucioso da mise-en-scène e cada cena, uma
pintura pronta para ser enquadrada. Já a trilha sonora de Jonny Greenwood, do
Radiohead, repetindo a parceria de Sangue Negro, é nunca menos do que
fantástica, com seus violinos dissonantes e batida descompassada que evidenciam
ainda mais a insanidade dos personagens principais. E, como sempre, as
interpretações são a alma do filme. Phillip Seymor Hoffmann e Amy Adams estão
assustadores, cada um a seu modo. Já Joachim Phoenix entrega aqui a melhor
atuação de sua carreira e uma das mais impressionantes caracterizações em
muitos e muitos anos. Se realmente perder o Oscar para Daniel Day-Lewis, é
porque esse último tem que estar ainda mais surpreendente. O que é tarefa das
mais difíceis.
18.
O Último Elvis (El Último Elvis, 2012): prolongando a boa fase do
cinema hermano, é mais um filme argentino com potencial para cair nas graças do
público gaúcho. Muito pela irretocável performance de seu protagonista (John
McInerny, ele próprio um cover de Elvis no grupo Viva Elvis) e pelo bom roteiro
do diretor Armando Bo (um dos roteiristas de Biutiful, do Iñarritu). A
performance de McInerny é amplificada pelos incríveis atributos vocais do ator,
que emula à perfeição o timbre do Rei do Rock. Já a direção de Armando Bo
encanta pelos planos-sequência magistralmente executados. Por vezes terno,
outras vezes tragicômico, o roteiro guarda para o terceiro ato um final
avassalador, uma porrada que vai ficar por muito tempo na retina.
19.
Pietá (Pieta, 2012): canibalismo, incesto e mutilação. Para quem
conseguir passar por essas três provas (nunca registradas de forma gráfica, mas
sugeridas de maneira impiedosa), Pietá revela-se um dos grandes filmes do ano.
Apesar da temática óbvia (escancarada já pelo título para aqueles que conseguem
compreender ao quê exatamente se refere), é uma das obras mais fortes e
poderosas a chegar nos cinemas em 2013. Por trás dessa sinfonia violenta, o
diretor Kim Ki-duk (Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera) quer mais
é discutir religiosidade e os efeitos nocivos do capitalismo selvagem nas camadas
mais baixas da sociedade sul-coreana. E ter um protagonista que é a própria
personificação do mal, mesmo quando encontra redenção, só ajuda.
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