O Homer Vitruviano

O Homer Vitruviano
Leonardo quase acertou.

Wel Come Maguila, Mas Manda Flores No Dia Seguinte

Bem-vindos, párias, desgarrados, nerds, loucos de toda espécie ou, caso esse negócio não der certo, boas vindas às minhas demais personalidades. Façam-se ouvir, façam-se sentir, façam-se opinar. E, caso falte energia ou acabe a bateria, faça-se a luz!


terça-feira, 24 de abril de 2012

Pornochanchada com moral e cívica




Seja no musical da Broadway ou no filme homônimo, lá nos idos da década de 70, quase comecinho dos anos 80, o elenco de Hair cantava, todos os atores e atrizes devidamente peladões, que estávamos entrando na Era de Aquário, uma época em que “o amor iria além das estrelas” e experimentaríamos “a verdadeira libertação da mente”. Bom, não sei muito bem quando é que começa a tal Era do Aquário (se é que já não começou e sequer me avisaram via e-mail ou Facebook), mas a julgar por American Pie – O Reencontro, os cabeludos libertários estavam completamente errados na previsão. 

Nos mesmos anos 70, o cinema nacional vivia de filmes em que todas (T-O-D-A-S) as atrizes (e alguns atores, também, alô, alô, Nuno Leal Maia, O Homem de Itu) desfilavam nus pela tela grande do cinema em tramas que envolviam insatisfações conjugais, problemas sexuais e taras das mais variadas espécies. Um tal de pau balançando prá cá, bunda trepidando prá lá. Era o apogeu da pornochanchada, gênero que até o começo da década de 90 perseguiu como uma chaga o cinema brasileiro (e não há nada que me dê mais raiva do que quando um imbecil resolve justificar a própria ignorância com um “o cinema brasileiro só faz filme de putaria”). Amaldiçoai a vagina da Aldine Müller.

No fundo, eram geralmente comédias voltadas para o despertar da libido no público cinemeiro. O ápice? Normalmente o momento em que a mocinha sedia aos encantos do mocinho e o casal deixava-se levar pelos prazeres carnais, com os seios da moçoila evidentemente enquadrados em close e widescreen. Surpreendentemente, eram filmes com apelo não só junto ao público adolescente, mas que também falavam aos adultos, que iam em grupos formados por casais ao cinema para experimentar uma ligeira e inofensiva rebelião contra os bons costumes regidos pela sociedade da época.

Os EUA também produziram a sua leva de escapismo em celulóide, mas mirando num público especificamente ávido por seios e genitálias desnudas: os adolescentes. E assim nasceram clássicos da pornochanchada gringa, como Clube dos Cafajestes, Picardias Estudantis, Porky’s, A Última Transa de Jonathan, O Último Americano Virgem, A Última Festa de Solteiro e por aí vai. E  quem da minha matilha não tocou Mentex contra a telona quando o protagonista de O Último Americano Virgem termina o filme dirigindo a caranga e chorando copiosamente porque a gostosa que ele acabara de comer deu-lhe um pé na bunda que atire a primeira Azedinha.

Ironicamente, o que para a minha geração soava engraçado, libertário e absolutamente catártico (ver na telona personagens que simplesmente trituravam as regras de conduta da sociedade por uma hora e meia, desafiando toda e qualquer norma estabelecida pela moral vigente), para os adolescentes do século 21 (um século à frente, portanto), não é mais o adequado. 

Mas será que a minha geração era tãããão mais revolucionária que a atual? Acho que sim.
Porque não há nada mais pudico do que a série American Pie, iniciada há 13 anos, no longínquo 1999. Desde o primeiro até este quarto exemplar, que ganhou o subtítulo O Reencontro para sinalizar o envelhecimento dos personagens após (óóóóóóóó) 13 anos, a franquia ensaiou repetir os passos de seus primos da década de 80, mas sempre encerrou a piada com uma lição de moral e cívica vinda lá dos confins de 1950. 

Quem se dá melhor é Sean William Scott, um ator desprezível, mas que com seu personagem Stiffler consegue resgatar o senso de humor anárquico dos velhos tempos em que uma vagina mostrada em glorioso technicolor não era motivo para polêmica, mas sim para uma simples masturbação adolescente (e por isso eu pagaria o ingresso para conferir um filme solo de Stiffler). A alma da pornochanchada, pelo menos para a minha geração, residia em seu caráter transgressor, um exemplo a nunca ser seguido na vida real (a não ser que quiséssemos matar uma mula de overdose acidental ou transar sem querer com um travesti, como em A Última Festa de Solteiro). Não que desgostássemos da idéia de transar com a Kim Catrall em Porky’s. Pelo contrário: nos masturbávamos com gosto pensando nela. Aliás, gostávamos da idéia de UM DIA conseguir comer a Kim Catrall. Ou matar uma mula de overdose.

American Pie – O Reencontro não é um mau filme. É até moderadamente divertido. Ri de canto de boca algumas vezes. Porém, há um abismo geracional imenso entre o humor “doa a quem doer” das crias de Picardias Estudantis e as piadinhas politicamente corretas de Jason Biggs e companhia. 

Aliás, os únicos cineastas que conseguem reproduzir razoavelmente hoje em dia o tipo de humor das pornochanchadas dos 80’s são os trintões Judd Appatow (Superbad, O Virgem de 40 Anos, Missão Madrinha de Casamento) e Todd Phillips (Dias Incríveis, Se Beber Não Case, Projeto X), que sabem conjugar comédia chula, sexismo e humor inteligente em doses suportáveis. E, não por acaso, prestam declarada homenagem a sabe qual década? Pois é... 

Para a nova geração, basta uma cena em que apareça um pênis mal escondido sob uma panela de vidro ou um personagem defecando dentro de uma caixa de isopor para que a diversão esteja completa e todos gargalhem retumbantemente na sala de exibição. Para quem foi educado com Porky’s, sempre fica faltando o arremate da piada, não raro a tirada realmente engraçada. No nosso tempo, não ríamos só porque a senhora Ballbricker agarrou a genitália de um dos personagens de Porky’s. Nós gargalhávamos mesmo é na cena seguinte, quando ela tentava fazer um retrato falado do pênis para um atônito diretor do colégio, gerando talvez uma das cenas mais engraçadas da década de 80. 

Em American Pie, essa piada além da piada, o momento em que o grotesco e a nudez cediam a vez à velha e boa técnica da comédia, simplesmente não existe. Em seu lugar, há uma incômoda cena carregada de culpa e defesa de valores como matrimônio, paternidade, fidelidade, etc. 

Na pornochanchada da Nova Era, não existe espaço para a transgressão sem punição. Enquanto a turma de American Pie distrai-se em uma lanchonete discutindo os próprios relacionamentos (e não raro louvando a instituição do casamento), os personagens de Clube dos Cafajestes terminavam a festa bêbados e nus dentro de uma piscina. 

Mas isto não quer dizer necessariamente que os valores perseguidos por esta nova geração não sejam os corretos. Na minha época, o público também era bombardeado por esses mesmos conceitos. Só que era nos filmes da Disney. Ou nos do Spielberg. E não precisávamos ver um pau envidraçado no meio da lição. E isto, senhoras e senhores, se chama mudança dos tempos.

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