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What We Do In The Shadows |
Dando início à retrospectiva dos melhores filmes que eu vi em 2015, aqui listo as produções que infelizmente não ganharam chance nos cinemas do Rio Grande do Sul. Algumas delas foram lançadas diretamente em DVD/Bluray, outras foram parar no catálogo da Netflix, ao passo que alguns dos filmes, por enquanto, só podem ser encontrados pela internet afora. A lista abaixo obedece ordem alfabética:
1 - A Viatura (Cop Car, 2015): sucesso no Festival de Sundance de 2015, essa pequena produção de suspense serviu de cartão de visitas para o diretor Jon Watts ganhar da Marvel o timão do próximo filme do Homem-Aranha. E, de certa forma, a honraria é justa. Com orçamento baixíssimo, é um thriller que une o clima de história de amadurecimento de Conta Comigo, tratando seus dois protagonistas de 10 anos como as crianças que realmente são, com a tensão de títulos como A Morte Pede Carona. Kevin Bacon, também produtor do longa, está muito bem como o xerife vilão que persegue os moleques. É o típico caso de produção "slow burn", que vai lentamente sendo construída até o inevitável (e, no caso, sangrento), clímax. Sem nunca ofender a inteligência do espectador, é daqueles filmes que prendem a atenção desde o primeiro instante e não largam mais até a excelente (e incomum) cena final.
2 - Best
Of Enemies (Best Of Enemies, 2015): em tempos em que o
debate político acabou reduzido a uma gritaria histérica entre dois polos que
equivocadamente se vêem como mocinhos de bangue bangue lutando contra índios
sanguinários (e imaginários), esse documentário é um tapa de luva de boxe nas
verdades incontestáveis vociferadas por cada lado em nossa sociedade. A série
de debates entre o liberal Gore Vidal e o reacionário William F. Buckley
durante as primárias da eleição americana de 1968 resgata uma época em que o
discurso político era encenado por indivíduos com bagagem intelectual acima da
média e que, independentemente do lado da trincheira em que se posicionavam,
tinham o cuidado em fundamentar seus argumentos com estofo histórico e retórico
capaz de elevar a discussão muito além do enfrentamento binário a que se
assiste diariamente por meio das modernas redes sociais. Vidal e Buckley eram
oradores fascinantes e seu ódio mútuo resulta em um filme irrepreensível, com
momentos de embate tão deliciosos quanto elucidativos em relação a seus argumentos.
Mais do que um documento de época, Best Of Enemies escancara como involuimos
enquanto sociedade. O mundo moderno precisaria de incontáveis Vidals e Buckleys
para que a fé na humanidade pudesse ser restabelecida. Excelente.
3 - Complicações
do Amor (The One I Love, 2014): irresistível comédia
romântica que atropela qualquer clichê do gênero e apresenta um conceito
intrigante de realidades paralelas que é muito bem defendido pela dupla central
(Mark Duplass, do ótimo Sem Segurança Nenhuma, e Elizabeth Moss, do seriado Mad
Men). O roteiro desenvolve a excelente ideia central com maestria, aguçando a
mente do espectador na medida certa e propondo várias interpretações à
história. Belo trabalho do diretor Charlie McDowell (filho dos atores Malcolm
McDowell e Mary Steenburgen), é um dos filmes com maior potencial para virar
cult movie que eu vi nos últimos tempos.
4 - Creep (Creep, 2014): um caso cada vez mais raro de filme que opta por
narrar sua trama sob a estética do found footage de forma inteligente e
orgânica. A atmosfera criada desde a primeira cena, que mescla humor e suspense
para ludibriar o espectador sobre o gênero de filme contido no roteiro, é muito
adequada, principalmente quando se tem um protagonista como Mark Duplass,
egresso de papéis cômicos (Sem Segurança Nenhuma, Complicações do Amor), o que
introduz uma bem vinda pulga atrás da orelha do público sobre as reais
intenções de seu personagem. Duplass é a alma da produção, construindo um
personagem memorável cujas camadas de sua personalidade vão sendo gradualmente
desnudadas diante da tela. Um ótimo suspense que guarda surpresas muito bem
vindas até a sua cena derradeira.
5 - Escapes
de Gas (Escapes de Gas, 2014): uma aula de história
que é tão política quanto sociológica, esse pequeno grande filme chileno foca
um prédio para promover uma discussão histórica, algo que já, em sua gênese,
atribui ao filme uma importância que nunca teria em mãos inadequadas. Ferino,
revolucionário e muito bem construído, Escapes de Gas regurgita liberdade em
tempos em que há quem defenda o militarismo.
6 - Ex
Machina: Instinto Artificial (Ex Machina, 2015):
não poderia ser melhor a estreia na direção de Alex Garland (roteirista de
Extermínio e Dredd), que consegue não só amplificar a temática sócio-futurista
de seus trabalhos anteriores, mas focar em assuntos ainda mais fascinantes (e
atuais). Tendo como base a relação entre homem e máquina, Garland filma (na
verdade, pinta, tamanha é a plasticidade das imagens concebidas pelo agora
cineasta) seu roteiro como um intrincado jogo de xadrez entre criador(es) e
criatura(s), em que nada é o que parece ser a primeira vista e cujo desenrolar
revela uma pertinente discussão sobre a ética e a moralidade que antecedem a
criação tanto científica quanto artística. A direção de arte beira a perfeição,
abusando de detalhes quase imperceptíveis a primeira vista em seu
(praticamente) único cenário (a mansão de Oscar Isaac, de Inside Llewyn Davis,
ótimo em cena). Todos os diálogos travados entre Domhnall Gleeson (Questão de
Tempo) e Alicia Vikander (O Amante da Rainha) são impecáveis e cheios de
significados. Uma ficção científica feita por adultos e com foco em gente
grande. Filmaço.
7 - Going
Clear: Scientology And The Prison Of Belief (Going Clear: Scientology And The
Prison Of Belief, 2015): dirigido pelo oscarizado Alex
Gibney (Um Táxi Para A Escuridão), é um documentário que ousa escancarar os
bastidores da Cientologia e demonstrar que, por trás de uma fachada íntegra,
esconde-se uma religião que prega em seu âmago o mercantilismo selvagem, nem
que para isso sejam praticados atos de corrupção, lavagem cerebral e mesmo
violência física e mental contra seus seguidores (os depoimentos de ex-fiéis,
dentre eles o cineasta Paul Haggis, são aterrorizantes). Envolvente em sua
impecável estrutura investigativa e ousado ao apontar as idiossincrasias da
religião ao mesmo tempo em que se resguarda de declarações que pudessem
fundamentar ações judiciais, Going Clear, se não tivesse entre seus alvos
personalidades como Tom Cruise e John Travolta (ambos retratados como vítimas
de uma ideologia que lhes foi imposta e da qual viraram reféns), poderia ter
como tema central qualquer outra seita ou agremiação religiosa extremista, o
que confere ao filme caráter universal e importância além de seu tema central.
8 - Life
Itself - A Vida de Roger Ebert (Life Itself, 2014):
ótimo documentário que faz uma varredura precisa da vida de Roger Ebert, um dos
melhores críticos de cinema que o mundo já viu. Sem medo de abordar os seus
defeitos de caráter, o cineasta Steve James (Basquete Blues) oferece um insight
precioso sobre a personalidade idiossincrática de seu biografado, nunca lhe
poupando de seus momentos mais mundanos (as sessões de sucção após suas
cirurgias, por exemplo, são tão chocantes quanto emblemáticas). É um relato
profundo e muito esclarecedor sobre um homem que viveu a vida assistindo a
filmes. Um belo legado em celuloide que faz jus ao seu personagem e a qualquer
cinéfilo.
9 - Starry
Eyes (Starry Eyes, 2014): o que começa como um interessante
registro da tentativa hercúlea de uma aspirante a atriz em ascender no mercado
inglório de Hollywood reserva para o final uma reviravolta que faz a historia
da protagonista (a ótima Alex Essoe) virar um terror viajandão e muito
impactante. A narrativa explora de forma eficiente as agruras e os horrores por
trás da chamada "cidade dos anjos". Bem interessante.
10 - Tangerinas
(Mandariinid, 2013): indicado ao Oscar 2015 de Melhor Filme
Estrangeiro representando a Estônia, é um dos mais lindos libelos contra a
guerra dos últimos anos. Filmado com muita classe pelo georgiano Zaza Urushadze
(guarde esse nome!), é dessas pequenas odisseias que utiliza um microcosmo
conciso para entregar uma mensagem universal. Fotografado lindamente e com uma
trilha sonora irrepreensível, Tangerinas ainda tem no seu enxuto elenco um de
seus maiores acertos (o protagonista interpretado pelo estoniano Lembit Ulfsak
poderia muito bem ter sido indicado ao Oscar, o mesmo valendo para a excelente
trinca de coadjuvantes). Antibelicista sem soar discursivo e alternando
momentos de ternura, bom humor e violência, é um filme que deixa um gosto ao
mesmo tempo cítrico e doce ao final da projeção. Exatamente como o das
tangerinas que desencadeiam sua trama. Imperdível.
11 - Virunga
(Virunga, 2014): importante, belíssimo e eficaz
documentário que registra a situação dramática de um parque nacional do Congo,
cujo solo é disputado por ambientalistas, grandes conglomerados empresariais e
a milícia que a todo momento ameaça o governo do país. Excelente em sua
abordagem milimétrica da frágil situação que envolve o parque de Virunga, o
filme tem um ritmo eletrizante, que combina documentário, filme de espionagem e
de guerra durante sua metragem, algo que lhe distancia das abordagens didáticas
da maioria dos registros documentais feitos atualmente. Funciona tanto como
alerta ambiental sobre a preservação de sua fauna natal (os gorilas da montanha
retratados são adoráveis e carregam um mensagem ecológica em si próprios)
quanto como thriller político utilizando imagens reais e impactantes da
situação atual do Congo.
12 - What
We Do In The Shadows (What We Do In The Shadows, 2014):
lembra muito os primeiros filmes de Mel Brooks, onde a paródia a um gênero
específico do cinema soava mais como homenagem do que propriamente tiração de
sarro, mas há ecos aqui também do humor do Monty Python, principalmente na
opção de entregar piadas ue comungam com a violência intrínseca ao gênero que
parodia/homenageia. Comandado e atuado pelos criadores/intérpretes da cultuada
série Flight Of The Concords, é um filme em que tudo dá certo. A opção pelo
falso documentário, ao invés de se tornar esquemática, revela-se uma decisão
acertadíssima e que consegue desenvolver os seus quatro personagens de forma
impecável. O resultado é hilário, um dos grandes filmes sobre vampiros já
realizados nos últimos anos. E Petyr já é desde sempre um dos melhores
anti-heróis concebidos em celuloide. Para ver, rever e gargalhar sempre.
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