O Homer Vitruviano

O Homer Vitruviano
Leonardo quase acertou.

Wel Come Maguila, Mas Manda Flores No Dia Seguinte

Bem-vindos, párias, desgarrados, nerds, loucos de toda espécie ou, caso esse negócio não der certo, boas vindas às minhas demais personalidades. Façam-se ouvir, façam-se sentir, façam-se opinar. E, caso falte energia ou acabe a bateria, faça-se a luz!


sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Os Melhores Filmes de 2014: Parte 2 - Os Filmes que passaram no circuito exibidor gaúcho

OS FILMES QUE FORMARAM O ROSTO DE 2014 (AOS MEUS OLHOS)
Como tradicionalmente faço nos primeiros dias de cada novo ano, passada a ressaca da virada (ou mesmo durante ela, como é o caso aqui), eis a lista personalíssima de filmes que mais me marcaram no ano que passou. São produções pinçadas dentre aquelas que estiveram em cartaz no circuito comercial do Rio Grande do Sul no ano recém finado, listadas em ordem alfabética e sem qualquer pretensão de formar um panorama definitivo dos melhores filmes do ano passado, mesmo porque só consegui assistir (ou rever) 254 longas, muito aquém da meta ideal de 365 filmes no ano. 

Abaixo, seguem enfileirados os 15 títulos que, para mim, são essenciais para compreender 2014 nos cinemas em toda a sua excelência, surpreendentemente com adições de blockbusters na compilação, visto que me rendi à qualidade de algumas no ano que passou. Na sequência, ainda listo mais algumas produções muitíssimo recomendáveis (por mim, obviamente) que merecem no mínimo uma visita. Todos listados em ordem alfabética.

  1 - 12 Anos de Escravidão (12 Years A Slave, 2013): segundo Steve McQueen a fazer história na Sétima Arte, o diretor por trás dos excelentes Hunger e Shame, egresso das artes plásticas, comprova aqui que é um dos grandes nomes do cinema moderno. Não há nem um pingo de sentimentalismo nesse registro cru dos absurdos cometidos pelo racismo durante o período em que a escravidão era considerada uma prática legal (e econômica) admissível pelo mundo ocidental. Produção muito importante no atual cenário político e social mundiais, em que o conservadorismo (e o preconceito de qualquer espécie) parece ter um revival incômodo, 12 Anos de Escravidão é aquela obra elaborada no tempo certeiro para escancarar a estupidez por trás do comportamento velado, mas recorrente, de certa parcela da população global. Difícil de deglutir (ao contrário de trabalhos de encomenda feitos para expiar a culpa anglo-saxã como o simplório Histórias Cruzadas), o filme não tem medo em apresentar a face mais cruel, violenta e revoltante da segregação racial e tem peito suficiente para encerrar a narrativa sem optar pelo caminho fácil e maniqueísta da redenção forçada de seu protagonista (um impressionante Chiwetel Ejiofor) ou da punição de seus algozes. Demonstrando mais uma vez uma mão única para transformar cenas aparentemente comuns em quadros pintados em celulóide (a fotografia é nunca menos do que sensacional), McQueen ainda se dá ao luxo de colocar astros consagrados em pontas mínimas (Paul Giamatti, Benedict Cumberbatch, Brad Pitt) que servem meramente como alavancas para o roteiro. Isso porque o show aqui é de Ejiofor e de Lupita Nyong´o (a simples cogitação de que ela perca o Oscar 2014 de Melhor Atriz Coadjuvante para a caricata atuação de Jennifer Lawrence em Trapaça representa um crime contra a Sétima Arte), ambos irrepreensíveis em toda e qualquer cena em que aparecem. Já Hanz Zimmer demonstra mais uma vez que é mestre na condução de trilhas e entrega uma partitura econômica, mas muitíssimo eficiente e que nunca resvala para o sentimentalismo, uma armadilha possível considerando-se a história contada no filme (e é bizarro não ter sido indicado ao Oscar da categoria). Filmaço em todo e qualquer sentido.

     2 - A Grande Beleza (La Grande Bellezza, 2013): eis aí o primeiro filme legitimamente apaixonável a aportar nos cinemas gaúchos em 2014. Pelo menos por uma parcela do público, aquela que não sairá do cinema no meio da exibição sem compreender o que diabos está passando na tela, como uns quantos na sessão em que eu assisti. A Grande Beleza é capaz de despertar amor e ódio dependendo do CPF de quem se aventure por suas duas horas e vinte minutos que passam como um sonho diante dos olhos. O longa de Paolo Sorrentino (As Conseqüências do Amor, Aqui É O Meu Lugar) é dessas produções que apaixonam ou repelem à primeira vista. O roteiro acompanha Jep (o excepcional Toni Servillo), autor de um romance que o tornou milionário, mas que nunca mais conseguiu escrever algum livro e que, aos 65 anos de idade, leva a vida entre inúmeras festas no high society romano e fazendo entrevistas para uma revista local. A proposta de Sorrentino, como fica evidente desde o belo primeiro plano do filme, quando um turista japonês morre de infarto perante a beleza de Roma vista do alto de um de seus morros, é ilustrar a miopia com que a sociedade moderna vislumbra a vida (e a morte). Sobram farpas para todos os arquétipos mais presentes na burguesia moderna: o jovem eternamente deprimido e que justifica seu estado de espírito por textos que jamais compreenderá, a dondoca que maquia a própria baixa autoestima ao colocar-se em um patamar de suposta superioridade intelectual e moral perante os amigos, o dramaturgo frustrado que tenta emplacar uma peça para impressionar a amada que lhe despreza, e por aí vai. A fauna é variada, assim como o vazio dos encontros sociais dessa alta sociedade é disposto de forma crua e ao mesmo tempo etérea. As imagens são um deslumbre só. Poucas vezes Roma foi retratada com tamanha paixão no cinema. Remetendo a todo momento a Fellini, desde os personagens surreais (a "santa" de 104 anos) e situações que forçam a todo o momento a linha entre o real e o sonho (as aparições da girafa e dos flamingos) até o próprio figurino utilizado pelo protagonista, que remete imediatamente a 8 e 1/2, A Grande Beleza também tem ecos de Terrence Malick nas tomadas permanentemente em movimento, com narrativa em off ao fundo, e até do olhar fantasioso de Jean-Pierre Jeunet sobre a realidade. Com uma trilha sonora que beira a perfeição absoluta, o filme ainda se dá ao luxo de permear a narrativa com músicas absolutamente diversas, que no entanto compõem com as cenas uma química tão azeitada que justifica o estado de torpor da parcela do público que se deixa levar por essa viagem. É através dessas figuras e cenários exagerados com que Sorrentino busca ilustrar (e desconstruir) a classe alta romana (e, por extensão, mundial) que o filme acaba por evidenciar os motivos pelos quais o protagonista não consegue encontrar "a grande beleza" que lhe serviria de inspiração para voltar a escrever. Todo esse virtuosismo cultural contemporâneo (um enorme truque, como explicitado ao final do filme) acaba por nublar a visão do protagonista (e de nós próprios) para o que realmente importa: as enormes pequenas belezas contidas em nosso cotidiano. Assim como as pessoas que saíram da sala sem perceber do que "cazzo" A Grande Beleza trata, é preciso olhar com mais atenção para as pequenas coisas de nossa vida. Um filme fantástico.
   
      3 - Até O Fim (All Is Lost, 2013): aposta corajosa do diretor J.C. Chandor (do excelente Margin Call - O Dia Antes do Fim), é tanto uma aventura quanto um drama de sobrevivência, mas com um diferencial que o destaca automaticamente de todo e qualquer título lançado recentemente, pois conta com apenas um ator em cena (um memorável Robert Redford, que entrega uma das melhores atuações de uma carreira com tantos e tantos ápices) e quase nenhum diálogo. Longe (mas bota longe nisso) de resultar um programa enfadonho, revela-se uma produção eletrizante, que utiliza as suas próprias limitações narrativas para extrair significados de cenas mundanas, como o simples ato de barbear-se antes de uma tempestade (e o fato de não dar qualquer pista sobre o passado do único personagem em cena faz com que os mínimos atos do protagonista ganhem conotações grandiosas). Talvez um dos grandes tratados cinematográficos sobre o instinto humano de sobrevivência, Até O Fim é daqueles filmes para serem vistos e revistos através da existência. E possui uma trilha sonora que ainda por cima por vezes lembra alguns dos trabalhos mais inspirados de Morricone. Um triunfo irrepreensível.   
   
     4 - Boyhood: Da Infância À Juventude (Boyhood, 2014): parece ontem, mas foi no meu aniversário de 13 anos que eu pedi para a minha mãe me levar ao cinema em Porto Alegre para ver Arizona Nunca Mais, filme que me introduziu ao mundo instigante dos irmãos Coen, que se revelaram ao longo dos anos dois de meus cineastas favoritos. Aquela experiência me marcou tanto que, mesmo vivida em plena pré-adolescência, consigo me lembrar de detalhes da data e da sessão ainda hoje. No ano de 2014, já velho, fui eu que convidei minha esposa e minha mãe para conferir, no dia em que apagava quatro fucking décadas de existência, ao novo trabalho de Richard Linklater, um de meus diretores prediletos há vários e vários anos. Se eu conseguir viver até os 80 anos, talvez ainda me lembre dessa sessão de Boyhood. Tanto pela experiência emotiva e simbólica em si, mas também porque é uma obra que versa sobre a passagem de tempo como poucas outras na história do Cinema. Filmando ao longo de 13 anos o mesmo ator (o excelente Ellar Coltrane, uma descoberta!) e acompanhando o seu amadurecimento desde criança até o início de sua fase adulta, Linklater (Waking Life, Escola do Rock, Jovens, Loucos e Rebeldes) cria em Boyhood uma ode aos pequenos momentos que compõem e caracterizam a nossa breve existência sobre a Terra. Da mesma forma que fizera em Antes do Amanhecer, Antes do Pôr-do-Sol e Antes da Meia-Noite, Linklater brinca com nossa percepção diante do passar dos anos, evidenciando as mudanças, mas também o que de imutável guardamos em nossas personalidades. Boyhood é desses trabalhos a serem revistos muitas vezes durante a vida, um alimento para a alma daqueles que permanecem sempre em busca de respostas para questões que sabem insolúveis. O seu roteiro é composto de pequenos fragmentos de vida mundana que soam épicos através da montagem estupenda, um trabalho que merece todos os prêmios que conseguir arrecadar (afinal, decupar 13 anos de filmagens em um longa de menos de três horas e mesmo assim soar preciso em sua narrativa é uma tarefa hercúlea e digna de todos os aplausos do mundo). Já a trilha sonora, como é proverbial no cinema de Linklater, é personagem ativo na trama, sublinhando a passagem do tempo de maneira singela e magistral. O elenco de apoio é igualmente incrível: a filha do diretor se revela um talento a ser explorado em projetos futuros, Ethan Hawke parece não envelhecer nunca e Patricia Arquette e seu efeito sanfona através dos anos entrega uma performance que dificilmente será esquecida pela Academia nas indicações para o próximo Oscar, podem apostar. Muito além de um filme enlatado de estúdio, Boyhood demonstra que há vida inteligente no cinema americano. Um dos melhores filmes do ano, sem sombra alguma de dúvida.
 
     5 - Capitão América 2: O Soldado Invernal (Captain America: The Winter Soldier, 2014): não leio gibis há mais ou menos duas décadas, mas tenho gostado muito de acompanhar o que a Marvel Studios tem feito nos últimos anos nas telonas. Ao mesmo tempo em que está provando ser possível estabelecer com sucesso nos cinemas um universo inteiro povoado por personagens egressos de seus quadrinhos, ainda produz sistematicamente filmes de qualidade que, se não chegam a ser obras-primas, nunca revelam-se menos do que ótima diversão. Com Capitão América 2, o furo é um pouco mais embaixo. Talvez o melhor filme do estúdio desde o primeiro Homem de Ferro, quando a idéia de transpor a miríade de super-heróis para a Sétima Arte ainda era um objetivo muito distante, Capitão 2 alcança um nível de qualidade espantoso. Incorporando uma abordagem mais adulta à aritmética básica do estúdio de conjugar ação e humor, a produção se dá ao luxo de emular por vezes os thrillers de espionagem da década de 70, com toda a paranóia e subtexto político que aqueles filmes tanto encampavam (e a presença de Robert Redford, protagonista de Todos Os Homens do Presidente e Três Dias do Condor, dois filmaços, diga-se de passagem, não é definitivamente mera coincidência). Muito superior ao primeiro filme, consegue enquadrar um personagem americanóide por excelência (e, por isso mesmo, de difícil paladar para o resto do mundo) em um contexto politicamente relevante. Como se não bastasse, ainda consegue desenvolver a contento a personagem da Viúva Negra (no que os filmes anteriores falharam) e introduzir com toda a pompa e circunstância outro muito promissor (o Falcão). Barulhento, movimentado, cheio de referências (inclusive a Pulp Fiction!!!!), com ação de primeira (as coreografias das lutas são irretocáveis), Capitão 2 é o cinema comercial em estado de graça. Desde já um dos grandes blockbusters do ano. O que vier a seguir será lucro. 
      
     6 - Ela (Her, 2013): confirmando a sensibilidade demonstrada em seu longa anterior (Onde Vivem Os Monstros), o cineasta Spike Jonze (Quero Ser John Malkovich, Adaptação) entrega um lindo (bonito de verdade!) ensaio sobre a solidão nos tempos modernos, apesar de situar a trama em um futuro preocupantemente muito próximo da realidade em que vivemos. Retratando o amor do protagonista (um surpreendente como sempre Joachim Phoenix) por uma inteligência artificial (a voz de Scarlett Johansson numa interpretação que deveria ter sido indicada ao Oscar), o filme apresenta uma visão original e perturbadora sobre a sociedade contemporânea. Os trabalhos de direção de arte e fotografia são um show a parte, tornando o mundo em que vivem os personagens em uma espécie de idílio melancólico que ganha vida também graças à inspiradíssima trilha do Arcade Fire. Um trabalho sensível e criativo que merece muito ser descoberto. A cena final é de uma beleza difícil de superar.

    7 - Garota Exemplar (Gone Girl, 2014): David Fincher é um dos meus diretores contemporâneos favoritos e, por isso mesmo, todo novo trabalho do cineasta é, para mim, um daqueles eventos obrigatórios a serem conferidos na tela grande do cinema, de preferência na melhor sala disponível. A adaptação do best-seller Gone Girl, muito antes de um desses produtos feitos sob encomenda e a toque de caixa por um grande estúdio (no caso, a Fox), reitera o imenso talento de Fincher enquanto contador de histórias. A exemplo de A Rede Social, Zodíaco e Clube da Luta, Fincher pega um material original denso e volumoso e o faz passar diante de nossos olhos com a fluidez de um suspiro durante as duas horas e meia de duração que, justiça seja feita, parecem bem menos do que isso. É a fina carpintaria com que Fincher edita o seu trabalho que dá à obra essa deliciosa cadência rítmica que me fez, lá pelas tantas, ficar ansioso para que o filme se estendesse por mais um bom par de horas. Com um roteiro intrincado e cheio de reviravoltas que Fincher guarda na manga como o excelente ilusionista que é, Garota Exemplar é bem mais do que um retorno do diretor ao gênero que lhe deu fama (Seven, Vidas Em Jogo, O Quarto do Pânico e mesmo o seu remake de Millennium: Os Homens Que Não Amavam As Mulheres): é também um curioso estudo de personagem. Ou melhor: de personagens. Na verdade, a dupla de protagonistas, cada um brilhando à sua maneira (e o próprio fato de Fincher conseguir extrair a fórceps uma atuação consistente do geralmente canastrão Ben Affleck já é fato a ser comemorado). No entanto, é mesmo Rosamund Pike (vista ano passado em Jack Reacher: O Último Tiro) quem realmente surpreende. Emprestando à sua Amy Dunne inúmeras camadas de interpretação que vão sendo reveladas aos poucos em cena, Pike dá uma virada espetacular em sua carreira e finca o pé com gosto no panteão hollywoodiano. Daqui para frente, é impossível deixar de acompanhar com atenção os próximos passos da loirona. Garota Exemplar ainda vai incomodar uma parcela do público por optar em não entregar o desfecho padrão dos enlatados americanos. E isso é, por si só, outra prova de que David Fincher não se mete em qualquer roubada. Filmaço.
   
    8 - Guardiões da Galáxia (Guardians Of The Galaxy, 2014): talvez o filme mais divertido da Marvel Studios, rivalizando com o primeiro Homem de Ferro, é desses casos em que uma produção que visa apenas o entretenimento consegue atingir o seu objetivo com louvor e folga. Centrado em personagens adoráveis que ninguém além dos mais ferrenhos amantes das HQs conhecia, abraça a estrutura das grandes sagas de ficção científica e lhe dá um toque rock´n´roll (simbolizado pela irresistível fita cassete do protagonista) que alça o longa a um patamar único de diversão. Guardiões da Galáxia é um dos melhores exemplos de como um filme concebido por um grande estúdio hollywoodiano consegue a rara métrica capaz de conjugar ação, inovação, humor e emoção em um mesmo longa. Com um grupo de protagonistas tão carismático (e eu até agora não consegui discernir qual dos CINCO é o meu preferido), um visual colorido que parece nascido para a projeção em IMAX 3D, uma trilha absolutamente impecável, um roteiro com ecos de George Lucas e Steven Spielberg fase 80`s e um ritmo que lembra uma traquitana feita a mão por suíços, Guardiões é diversão para toda a família, mesmo para aquele tio chato que insiste na piadinha do "é pá vê ou pá comê".

    9 - No Limite do Amanhã (Edge Of Tomorrow, 2014): em um ano em que surpreendentemente os blockbusters revelam-se acima da média, No Limite do Amanhã é uma das melhores diversões que um par de horas pode reservar dentro de uma sala de cinema em 2014. Espécie de Feitiço do Tempo sem a marmota, mas com muita ação, efeitos especiais e sátira política, o novo produto estrelado por Tom Cruise talvez seja a síntese da filmografia de um dos últimos atores que se beneficiam do star system hollywoodiano (talvez o último?), herança em extinção desde o fim da Era de Ouro dos grandes estúdios. Cruise ainda tem no seu nome estampado nos cartazes dos filmes o elemento mais importante para levar multidões aos cinemas, algo absolutamente anacrônico em tempos de franquias norteadas por "marcas" e não atores. Independentemente da eficácia de tal manobra, Cruise é talvez hoje o astro mais confiável dentro sistema dos estúdios, apostando com maior ou menor eficácia em projetos originais (com exceção, obviamente, da franquia Missão Impossível, o maior chamariz de bilheteria do cara) que não têm embutidos em si uma legião de fãs dispostos a torrar o dinheiro em adaptações cinematográficas independentemente do resultado final. No Limite do Amanhã, além da coragem em representar uma superprodução sem uma franquia que o alimente por trás, é um filme que, a despeito das inúmeras referências lógicas (os exo-esqueletos e o mesmo Bill Paxton de Aliens - O Resgate, os alienígenas tentaculares de Matrix Revolutions, a sequência inicial de O Resgate do Soldado Ryan, o próprio Feitiço do Tempo), traz sopro de vida nova aos blockbusters ao utilizar os milhões gastos no orçamento em prol de uma história inteligente que nunca cede espaço para a ação gratuita, apesar de ser um dos longas mais movimentados dos últimos tempos. Sem soar autoindulgente em momento algum, é um filme que enxerta esperteza onde comumente se vê apenas a repetição de velhos e batidos clichês. Dirigido com gana por Doug Liman (A Identidade Bourne), usa e abusa da lógica mesmo dentro do terreno nebuloso das tramas ambientadas dentro do subgênero das viagens no tempo. E isso sem deixar de usar um humor autorreferencial que lança piscadelas à platéia a todo momento, elemento que faz toda a diferença à produção. É daquelas superproduções que valem cada centavo do ingresso, preferencialmente comprado numa das mais potentes salas de exibição.

    10 - O Abutre (Nightcrawler, 2014): tudo dá certo nesse sensacional thriller que ao mesmo tempo apresenta-se como uma crítica muito pertinente sobre a atual cultura da glorificação da violência urbana pela mídia, mas também como um perturbador estudo de personagem. Jake Gyllenhaall tem aqui a interpretação de sua vida até o momento (e isso que ele já tinha excedido quaisquer expectativas no ótimo O Homem Duplo, vide "135" acima). Gyllenhaall emagreceu 10 quilos para tornar a aparência de seu personagem um "lobo faminto", como definiu em algumas entrevistas de divulgação (e é exatamente essa impressão que se tem de seu assustador protagonista, um sociopata que não mede esforços para ascender profissionalmente, mesmo que isso implique devorar todo e qualquer obstáculo que veja diante de si). O clima do longa remete a Vivendo No Limite (1999), sendo que as madrugadas de Los Angeles substituem aquelas de Nova York no filme de Scorsese. É um trabalho perturbador, que escancara a natureza vil não só de seu protagonista, mas de nossa sociedade como um todo (e Rene Russo está excelente como a jornalista inescrupulosa que alimenta a psicopatia do espectador). Sombrio e empolgante na mesma medida, é daqueles filmes que, mesmo relegando os clichês, consegue seduzir o espectador médio. Um baita trabalho.

   11 - O Grande Hotel Budapeste (The Grand Budapest Hotel, 2014): com essa obra-prima da comédia farsesca, parece que Wes Anderson (Três É Demais, Os Excêntricos Tenenbaums, Viagem A Darjeeling, O Fantástico Sr. Raposo) realmente crava o pé como um dos mais interessantes cineastas da atualidade. Ainda melhor do que Moonrise Kingdom, que por sua vez já era um trabalho virtualmente perfeito, Anderson consegue aqui aquela sincronia raríssima entre um roteiro milimetricamente esculpido, uma execução precisa e um elenco homogeneamente impecável (Ralph Fiennes, F. Murray Abraham, Mathieu Amalric, Adrien Brody, Willem Dafoe, Jeff Goldblum, Tilda Swinton, Bill Murray, Edward Norton, Jude Law, Saoirse Ronan, Harvey Keitel, Jason Schwartzman, Léa Seidoux, Tom Wilkinson, Owen Wilson e o excelente estreante Tony Revolori estão absolutamente irresistíveis, por menor que sejam as aparições de alguns). Além de esteticamente irrepreensível, Anderson aqui ainda arrisca-se a entregar uma história que traz em sua gênese um viés histórico crítico que, até então, era ausente em sua cinematografia. Desde já um dos melhores filmes do ano, é também obrigatório por representar o amadurecimento de um cineasta que já era genial há anos.

    12 - O Homem Duplicado (Enemy, 2013): talvez o filme mais difícil para o público médio a ser lançado nos cinemas em 2014, essa adaptação de um conto de José Saramago vai deixar todo mundo com um ar de "WTF" ao final da produção. E a maioria vai taxar O Homem Duplicado como pretensioso, sem pé nem cabeça, absurdo e por aí vai, esquecendo que talvez a própria preguiça intelectual impeça a correta compreensão de um dos trabalhos mais originais e cheio de camadas dos últimos tempos. O cineasta canadense Denis Villeneuve (do sensacional Incêndios e do bom Os Suspeitos) sabe muito bem aonde quer chegar com seu filme que nada mais é que uma viagem às profundezas do inconsciente humano, com ecos da filmografia de David Lynch, mas ao mesmo tempo adotando o rigor formal da cinematografia de Kubrick. Repleto de simbolismos, detalhes escondidos nas cenas e reviravoltas que parecem, à primeira vista, não ter nexo, é uma obra que merece ser vista e revista até que todos os seus segredos sejam devidamente descobertos. Não só o que diabos representam as aranhas inseridas aqui e ali durante a projeção, mas também sobre o que raios se trata r-e-a-l-m-e-n-t-e a história. Esse exercício mental é necessário para absorver (e aproveitar) todas as pequenas surpresas reservadas por uma produção memorável, dessas que rende debates acalorados por incontáveis noites em mesas de bar. Psicologicamente complexo, maravilhosamente protagonizado por Jake Gyllenhaal (talvez na melhor de suas atuações), com direção de arte e fotografia que traçam um paralelo fundamental com o roteiro, é desses filmaços para corajosos aventureiros da Sétima Arte.

    13 - O Lobo Atrás da Porta (2013): que baita filme que passou injustamente despercebido pelo público médio dos cinemas, que preferiu encher mais uma vez as salas de exibição atrás das neochanchadas produzidas pela Globo Filmes. Raríssimo exemplar de filme de gênero produzido no Brasil, é um thriller instigante que, sem abrir mão das convenções do suspense tradicional, consegue entregar um produto que é ao mesmo tempo popular e intrincado na mesma medida. Homogeneamente defendido de forma espetacular pelo elenco (com destaque para a atuação de Leandra Leal, que parece compreender como ninguém cada uma das camadas do excepcional roteiro do também diretor Fernando Coimbra), O Lobo é daqueles filmes que grudam na memória, crescendo a cada lembrança. Partindo de uma premissa básica dos filmes de suspense (a criança que é sequestrada e a investigação desencadeada a partir daí), Coimbra concebe um dos grandes trabalhos da cinematografia brasileira nos últimos anos, com reviravoltas milimetricamente adicionadas à narrativa até que o desfecho perturbador surja na tela sem aviso algum aos incautos. A edição e a fotografia não são só impecáveis, mas fazem parte de um todo que grita "perfeição". Não só o melhor filme brasileiro que eu assisti em 2014, mas um dos filmes que mais me impactou no ano, independentemente de nadionalidade. Recomendação máxima.

     14 - O Lobo de Wall Street (The Wolf Of Wall Street, 2013): o mais recente Scorsese é um filme de excessos. A começar pela desnecessária duração de 3 horas, que poderia muito bem ser reduzida na mesa de edição. É uma longa espiral de sexo, drogas e gastança de grana pra letrista de funk ostentação nenhum botar defeito (e a deliciosa loiraça Margot Robbie é a síntese desse mundo de glamour em que está ambientado o filme). O lado bom é que Scorsese parece aqui tão, mas tão à vontade que o desenvolvimento absolutamente surtado do filme faz as horas passarem voando na tela. Isto porque o veterano cineasta de 71 anos conseguiu enxergar nesse conto amoral sobre ascensão e queda de um figurão de Wall Street (baseado em livro escrito pelo próprio protagonista) a mesma cartilha e os mesmos códigos de conduta adotados pelos mafiosos vistos em alguns de seus trabalhos mais memoráveis (é, de fato, um retorno ao mesmo mundo de Caminhos Violentos, Os Bons Companheiros e Cassino). O ótimo roteiro de Terence Winter (do excelente seriado Boardwalk Empire, da HBO, não por acaso produzido pelo próprio Scorsese) se preocupa muito mais em estabelecer a falta de ética e moral do mundo em que habitam seus personagens do que tentar lecionar ao público os mecanismos e engrenagens em que atuam, distanciando o filme de outras abordagens do mundo da corretagem na bolsa de valores, como Wall Street - Poder e Cobiça, de Oliver Stone. Essa abordagem diametralmente oposta é escancarada explicitamente em duas cenas específicas, quando o protagonista quebra a quarta parede e, falando diretamente com a platéia, afirma não ser necessário entender as operações feitas pelos personagens, mas apenas compreender que são ilegais. Divertido demais em certos momentos (toda a seqüência que envolve uma overdose de quaalude lembra inclusive o humor físico dos filmes de Jerry Lewis, que trabalhou com Scorsese em O Rei da Comédia), O Lobo de Wall Street é a produção perfeita para o diretor reafirmar sua vitalidade enquanto mestre da narrativa cinematográfica: estão ali todas as suas marcas registradas, dos travelings aos planos-seqüência, da edição vertiginosa à trilha sonora roqueira, da narração em off que funciona como um personagem em si até o protagonista amoral com quem o público inevitavelmente se identifica. Leonardo DiCaprio está muito bem em cena e não seria injusto levar o Oscar 2014, o que provavelmente não vai acontecer (vai perder para Matthew McConaughey, que ironicamente faz uma impagável ponta no começo do filme). Já Jonah Hill está muito divertido, mas sua indicação não serve para coisa alguma além de ter roubado o lugar de Daniel Brühl em Rush, esse sim merecedor da lembrança da Academia. No final das contas, O Lobo de Wall Street é a viagem lisérgica que ainda faltava à parceria Scorsese-DiCaprio. Que venham outras overdoses de libidinagem como essa no futuro.

   15 - Relatos Selvagens (Relatos Salvajes, 2014): Ressentimento, vingança, ódio, burocracia, corrupção e decepção... São estes sentimentos e situações que formam a matéria-prima desta ótima produção, um fenômeno de bilheteria na Argentina (e pré-candidato do País ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro) que mexe com os nossos instintos mais primários, mas sabe como poucos ao mesmo tempo arrancar gargalhadas do público. Os seus seis mini-contos formam um caleidoscópio de nossos sentimentos mais primais (algo inclusive evidenciado pelos créditos iniciais), porém sem nunca esquecer de debochar descaradamente dos mesmos, a ponto de seus personagens de moral ambígua se tornarem protagonistas que contam, mesmo que por curto espaço de tempo, com a torcida da platéia. Botando a mão em um vespeiro moral, o diretor Damián Szifrón (do igualmente divertidíssimo Tempo de Valentes, de 2005) consegue a proeza de misturar comédia e suspense em um mesmo caldeirão, concebendo um dos melhores trabalhos de humor negro dos últimos anos. Ao escancarar os impulsos animalescos que podem aflorar em qualquer cidadão dito comum, o longa consegue extrair o que de mais bizarro (e engraçado) há em qualquer das situações-limite que retrata. Os episódios da disputa entre motoristas em uma autoestrada deserta, do engenheiro que se vê engolido pelo sistema e do casamento que vira um acerto de contas são os melhores, mas todos os outros (inclusive o hilário prólogo) mantêm um padrão de qualidade que destoa de filmes do gênero. É um filme que mantém a lenda de que o empresário de Ricardo Darín é um profissional que nunca erra. O público aplaudiu ao final da sessão em que eu assisti. E eu acompanhei com gosto.
  
    Outros títulos que por um triz não entraram na lista e merecem ser conferidos: Álbum de Família (August: Osage County, 2013), Bling Ring: A Gangue de Hollywood (The Bling Ring, 2013), Clube de Compras Dallas (Dallas Buyers Club, 2013), Frozen - Uma Aventura Congelante (Frozen, 2013), Inside Llewyn Davis - Balada de Um Homem Comum (Inside Llewyn Davis, 2013), Magia Ao Luar (Magic In The Moonlight, 2014), Mesmo Se Nada Der Certo (Begin Again, 2013), Muppets 2: Procurados e Amados (Muppets Most Wanted, 2014), Nebraska (Nebraska, 2013), Ninfomaníaca - Volume 1 (Nymphomaniac - Volume 1, 2013), O Espelho (Oculus, 2014), O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos (The Hobbit: The Battle Of The Five Armies, 2014), O Homem Mais Procurado (A Most Wanted Man, 2014), O Passado (Le Passé, 2013), Philomena (Philomena, 2013), Planeta dos Macacos: O Confronto (Dawn Of The Planet Of The Apes, 2014), Quando Eu Era Vivo (2014), Tudo Por Justiça (Out Of The Furnace, 2013), Uma Aventura LEGO (The Lego Movie, 2014), Uma Viagem Extraordinária (The Young And Prodigious T. S. Spivet, 2013), X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido (X-Men: Days Of Future Past, 2014)

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