O Homer Vitruviano

O Homer Vitruviano
Leonardo quase acertou.

Wel Come Maguila, Mas Manda Flores No Dia Seguinte

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segunda-feira, 5 de março de 2012

Um não-texto para um não-filme



Não sei exatamente o perfil de quem lê isso aqui, além de mim e das minhas outras 25 personalidades, mas receio que poucos de vocês saibam quem é Jafar Panahi.

Um dos grandes diretores da nova geração do cinema iraniano, Panahi é um dos cineastas mais festejados da atualidade. Dirigiu filmes belíssimos como O Espelho e O Círculo, além de outras tantas obras premiadas em festivais mundo afora (O Balão Branco, Fora do Jogo, Ouro Carmim e por aí vai). A ficha completa vocês encontram aqui: http://www.imdb.com/name/nm0070159/

Pois Panahi, aos 51 anos de idade, protagoniza um momento insólito na história do cinema: após realizar obras com viés crítico ao regime totalitarista do Irã, o cineasta foi condenado a 6 anos de detenção e a 20 anos sem poder exercer a sua profissão ou mesmo dar entrevistas.

A sentença caiu com o peso de mil elefantes sobre a cabeça de Panahi. Durante o período em que aguardava o julgamento de um recurso manejado contra a condenação (período este em que permanecia confinado em seu confortável apartamento em prisão domiciliar), o cineasta decidiu reagir com as armas que dispunha: com o talento inato para fazer cinema. Mas proibido que estava (e ainda está, pois em outubro do ano passado o tribunal iraniano confirmou a condenação da primeira instância, apesar dos protestos da comunidade cinematográfica mundial para que a sentença fosse anulada) de realizar filmes, optou por rodar um não-filme.

“Não posso filmar, escrever roteiros ou dar entrevista, mas ninguém me impediu de atuar ou de ler roteiros”, diz Panahi.

O resultado é Isto Não É Um Filme (In Film Nist), uma das experiências mais atordoantes dos últimos tempos.

Panahi chamou o amigo e documentarista Mojtaba Mirtahmasb para ajudá-lo na empreitada. Durante um dia, Mirtahmasb e Panahi revezam-se em documentar o cotidiano de um cineasta impedido de exercer o que sabe melhor. Panahi é visto tomando café-da-manhã, tentando contar a história de seu último roteiro proibido pela censura iraniana, interagindo por telefone com a família, os amigos e a advogada, revendo cenas de seus filmes, olhando da sacada a festa de fogos realizada em Teerã, cujos estampidos misturam-se aos dos tiros e bombas dos conflitos entre policiais e manifestantes contrários ao governo de Ahmadinejad. Com um senso de humor notável, Panahi consegue evitar durante os breves 75 minutos de projeção que sua narrativa resvale para o discurso maçante e aborrecido. Pelo contrário, é um não-filme que se vê de olhos muito abertos. 

Feito o Finnegans Wake de Joyce ao transpor A Odisséia de Homero para um modorrento dia cinzento em Dublin, Panahi faz de seu cativeiro um microcosmo do que está acontecendo no Irã atualmente.

Por trás de cada gesto, cada registro, o espectador mais atento vai encontrando pistas para encaixar as peças de um enorme quebra-cabeças sobre a sociedade iraniana sob o jugo de um governo cruel e autoritário.

Desde um dvd estrategicamente colocado em uma estante (Enterrado Vivo, do espanhol Rodrigo Cortés, filme sobre um personagem enclausurado injustamente em um caixão) até a visita inesperada de um personagem que pode ou não ser o que parece, Isto Não É Um Filme vai construindo um painel na mesma medida esclarecedor e assustador sobre a situação em que vive o povo iraniano sob os desmandos de um governo autoritário.
Não é por acaso que no enredo aparentemente humanista do roteiro censurado que encena diante da câmera, baseado em um conto de Tchekov, um dos personagens revela-se um delator a serviço dos opressores que mantêm a personagem principal trancafiada em um quarto, impedida de realizar a matricula em um curso de Artes. Impossível distinguir exatamente o que é acaso e o que foi milimetricamente ensaiado por Panahi como forma de burlar a infame condenação que lhe foi imposta.

Tal qual a protagonista de seu filme proibido e tal qual Ryan Reynolds em Enterrado Vivo, Panahi está sendo mantido preso da maneira mais cruel. Se cinema é a arte de transformar sonhos em realidade, como Scorcese recentemente lecionou em A Invenção de Hugo Cabret, Panahi está sendo proibido de sonhar os seus próprios sonhos. Não há tortura maior para um cineasta, fato que transparece em diversos momentos de Isto Não É Um Filme sem qualquer pieguismo.

Ao despir o seu relato das ferramentas usuais do cinema (trilha sonora, atores, cenografia, etc.), Panahi desnuda o seu protesto de todos os vícios que a Sétima Arte carrega intrinsecamente. Isto Não É Um Filme é talvez o protesto pacifista mais contundente contra a censura e o autoritarismo que se tem notícia nos últimos anos.

Confiram. Divulguem. Retuítem. Ou me convidem para uma missão de resgate do maluco.

Isto não é um filme, mas certamente é cinema de primeira.


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