Não sei exatamente o perfil de
quem lê isso aqui, além de mim e das minhas outras 25 personalidades, mas
receio que poucos de vocês saibam quem é Jafar Panahi.
Um dos grandes diretores da nova
geração do cinema iraniano, Panahi é um dos cineastas mais festejados da
atualidade. Dirigiu filmes belíssimos como O Espelho e O Círculo, além de
outras tantas obras premiadas em festivais mundo afora (O Balão Branco, Fora do
Jogo, Ouro Carmim e por aí vai). A ficha completa vocês encontram aqui: http://www.imdb.com/name/nm0070159/
Pois Panahi, aos 51 anos de
idade, protagoniza um momento insólito na história do cinema: após realizar
obras com viés crítico ao regime totalitarista do Irã, o cineasta foi condenado
a 6 anos de detenção e a 20 anos sem poder exercer a sua profissão ou mesmo dar
entrevistas.
A sentença caiu com o peso de mil
elefantes sobre a cabeça de Panahi. Durante o período em que aguardava o
julgamento de um recurso manejado contra a condenação (período este em que
permanecia confinado em seu confortável apartamento em prisão domiciliar), o
cineasta decidiu reagir com as armas que dispunha: com o talento inato para
fazer cinema. Mas proibido que estava (e ainda está, pois em outubro do ano
passado o tribunal iraniano confirmou a condenação da primeira instância,
apesar dos protestos da comunidade cinematográfica mundial para que a sentença
fosse anulada) de realizar filmes, optou por rodar um não-filme.
“Não posso filmar, escrever
roteiros ou dar entrevista, mas ninguém me impediu de atuar ou de ler
roteiros”, diz Panahi.
O resultado é Isto Não É Um Filme
(In Film Nist), uma das experiências mais atordoantes dos últimos tempos.
Panahi chamou o amigo e
documentarista Mojtaba Mirtahmasb para ajudá-lo na empreitada. Durante um dia,
Mirtahmasb e Panahi revezam-se em documentar o cotidiano de um cineasta
impedido de exercer o que sabe melhor. Panahi é visto tomando café-da-manhã,
tentando contar a história de seu último roteiro proibido pela censura
iraniana, interagindo por telefone com a família, os amigos e a advogada,
revendo cenas de seus filmes, olhando da sacada a festa de fogos realizada em
Teerã, cujos estampidos misturam-se aos dos tiros e bombas dos conflitos entre
policiais e manifestantes contrários ao governo de Ahmadinejad. Com um senso de
humor notável, Panahi consegue evitar durante os breves 75 minutos de projeção
que sua narrativa resvale para o discurso maçante e aborrecido. Pelo contrário,
é um não-filme que se vê de olhos muito abertos.
Feito o Finnegans Wake de Joyce
ao transpor A Odisséia de Homero para um modorrento dia cinzento em Dublin,
Panahi faz de seu cativeiro um microcosmo do que está acontecendo no Irã
atualmente.
Por trás de cada gesto, cada
registro, o espectador mais atento vai encontrando pistas para encaixar as
peças de um enorme quebra-cabeças sobre a sociedade iraniana sob o jugo de um
governo cruel e autoritário.
Desde um dvd estrategicamente
colocado em uma estante (Enterrado Vivo, do espanhol Rodrigo Cortés, filme
sobre um personagem enclausurado injustamente em um caixão) até a visita
inesperada de um personagem que pode ou não ser o que parece, Isto Não É Um
Filme vai construindo um painel na mesma medida esclarecedor e assustador sobre
a situação em que vive o povo iraniano sob os desmandos de um governo
autoritário.
Não é por acaso que no enredo
aparentemente humanista do roteiro censurado que encena diante da câmera,
baseado em um conto de Tchekov, um dos personagens revela-se um delator a
serviço dos opressores que mantêm a personagem principal trancafiada em um
quarto, impedida de realizar a matricula em um curso de Artes. Impossível
distinguir exatamente o que é acaso e o que foi milimetricamente ensaiado por
Panahi como forma de burlar a infame condenação que lhe foi imposta.
Tal qual a protagonista de seu
filme proibido e tal qual Ryan Reynolds em Enterrado Vivo,
Panahi está sendo mantido preso da maneira mais cruel. Se cinema é a arte de
transformar sonhos em realidade, como Scorcese recentemente lecionou em A Invenção de Hugo
Cabret, Panahi está sendo proibido de sonhar os seus próprios sonhos. Não há
tortura maior para um cineasta, fato que transparece em diversos momentos de
Isto Não É Um Filme sem qualquer pieguismo.
Ao despir o seu relato das
ferramentas usuais do cinema (trilha sonora, atores, cenografia, etc.), Panahi
desnuda o seu protesto de todos os vícios que a Sétima Arte carrega
intrinsecamente. Isto Não É Um Filme é talvez o protesto pacifista mais contundente
contra a censura e o autoritarismo que se tem notícia nos últimos anos.
Confiram. Divulguem. Retuítem. Ou
me convidem para uma missão de resgate do maluco.
Isto não é um filme, mas
certamente é cinema de primeira.
A criatividade é imortal e inimputável!!!
ResponderExcluirD. Feix