
(texto originalmente produzido para a Revista Rua Grande, mas obscenamente reescrito e corrigido pelo próprio Autor)
Para começo de conversa, vamos tirar o elefante branco do meio da sala: Alice No País das Maravilhas, nova diabrura (desta vez, em 3D) de Tim Burton, realmente não é o melhor trabalho do diretor de Edward Mãos de Tesoura, Peixe Grande e Sweeney Todd.
Dito isto, vem a pergunta: e daí?
Acontece que, hoje em dia, as pessoas estão ficando perigosamente mais seletivas na hora de escolher um filme que “mereça” ser visto no cinema. E seletivas na pior acepção que a palavra possa ter no idioma falado por Camões e pela Mulher Melancia. Seletivo nos tempos atuais tem bem mais a ver acomodação, apatia, falta de paixão pela Sétima Arte. Uma doença silenciosa que sorrateiramente vem tomando cinéfilos que antigamente investiam tempo e dinheiro até mesmo para ver o último lançamento da cinematografia iraniana. É uma moléstia viral que mais parece as leguminosas de Invasores de Corpos, tornando pessoas anteriormente ativas do ponto de vista cultural em verdadeiras couves de Bruxelas, com postura de eterna resignação em relação aos rumos traçados pelos ditos “novos tempos”.
É esta acomodação que faz com que mais e mais pessoas prefiram assistir a filmes que deveriam ser vistos na tela grande esperarem a cópia pirata chegar ao camelô mais próximo ou ao site de downloads ilegais preferido. Tudo contribui para que o futuro da indústria cinematográfica torne-se cada vez mais sombrio.
E muito do mimimi em torno de Alice vem de uma falsa expectativa criada justamente por esta nova falta de habitualidade em freqüentar o cinema. E põe falsa expectativa nisto. Parece que parte do público acreditava piamente que Tim Burton, mesmo bancado pelos estúdios Disney, conseguiria lançar uma produção absolutamente inovadora do ponto de vista formal, cheia de rococós artísticos e narrativos, que virasse de cabeça para baixo a história dos livros de Lewis Carroll, Alice No País das Maravilhas e Alice Através do Espelho. Ingenuidade é isso aí.
Burton fez o que lhe era possível fazer dentro de um sistema de trabalho fiscalizado com olhos de Big Brother pelos executivos a serviço do Mickey. E não produziu nada muito diferente do que seria esperado de quem deu vida a fábulas góticas como A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça e Os Fantasmas Se Divertem.
A Alice No País das Maravilhas de Burton mistura os dois livros de Carroll e gera um roteiro híbrido a partir deles. No filme, Alice, já aos 19 anos, descobre que está prestes a ser pedida em casamento durante uma festa da alta sociedade londrina (em tempo: de onde saiu o sensacional bocó que interpreta o pretendente dela?). Ela então se desespera, sai correndo atrás de um coelho branco e acaba caindo em um buraco que vai lhe transportar ao País das Maravilhas, que ela já havia visitado antes, mas achava que era apenas um sonho. Só que o lugar está mudado. A malvada Rainha de Copas (uma sensacional Helena Bonham Carter, que rouba absolutamente todas as cenas em que aparece, inclusive quando contracena com porcos digitais!!!!) agora dá as cartas e o Chapeleiro Maluco (Johnny Depp) e a Rainha Branca (Anne Hathaway, com um tom blasé totalmente equivocado) esperam sua heroína para retomarem o comando e instaurarem a paz no Mundo Subterrâneo.
Se o visual, favorecido pela transposição, já na pós-produção, para o 3D (não tão surpreendente quanto os efeitos de Avatar, mas daí já é covardia), faz jus aos delírios típicos dos filmes de Tim Burton, a história ressente-se de uma barriga incômoda, que faz com que os personagens, em dado momento, perambulem para lá e para cá sem que a trama avance de forma orgânica. Personagens sensacionais (e que ganham versões fantásticas), como o Gato de Cheshire e a Lebre, parecem de certa forma jogados na história sem que desempenhem um papel que faça jus à caracterização.Também não há inovação narrativa alguma. É a velha fórmula do mundo fantástico dividido entre o time do Bem e o time do Mal, com direito a batalha épica no final para torrar os dólares que sobraram em caixa.
Mas se o roteiro é ingênuo, menos mal que as camadas presentes no texto de Lewis Carroll conseguem aparecer, aqui e ali, graças ao diretor e ao elenco. E Johnny Depp (em sua sétima parceria com o diretor), na pele de um Chapeleiro alçado a protagonista, não faz feio. Se não chega a criar um personagem destinado a permanecer no imaginário cinematográfico, como o que fizera com Jack Sparrow na franquia Piratas do Caribe, Depp consegue imprimir a dose certa de esquisitice em um Chapeleiro Maluco com lampejos até de psicopatia.
O tom sombrio da fotografia e da trilha sonora inconfundível de Danny Elfman (outro parceiro habitual de Burton) também contribuem para um vislumbre dos subtextos que permeavam as obras originais. O roteiro, ao contrário, se atém ao proverbial (e eficiente, diga-se) padrão Disney de qualidade, um território seguro que não afasta as crianças nem atrapalha o sucesso comercial da empreitada.
A Alice de Burton é, se não um dos melhores trabalhos do diretor (e não é mesmo), um programa familiar honesto e divertido, desses que não torturam os adultos nem incomodam os pequenos. Com a vantagem de vermos o mundo maluco de Carrol e Burton, pela primeira vez, amplificado pela nova (velha) moda dos óculos 3D.
Quando virar um brinquedo da Disney World, vai ser daqueles que atrairão multidões.
Parabéns pelo texto,mais uma vez muito bom!Particularmente adorei a parte do mimimi...
ResponderExcluirBsos