O Homer Vitruviano

O Homer Vitruviano
Leonardo quase acertou.

Wel Come Maguila, Mas Manda Flores No Dia Seguinte

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terça-feira, 22 de novembro de 2011

Respeitável Público



(texto produzido para a Revista Rua Grande, levemente, mas levemente meeeesmo, transfigurado pelo próprio autor)

Grandes diretores conseguem equacionar o respaldo da crítica dita "especializada" e daqueles que enxergam o cinema com uma lupa particular que transcende o conceito de mera diversão passageira com a aceitação do público que, ao buscar pipoca e refrigerante, sabe valorizar quando recebe champanhe e canapés em seu lugar. São cineastas como Almodóvar, Nolan, Spielberg, Scorcese, Coppola, Tarantino, Allen e tantos outros gringos, assim como alguns brasileiros (Meirelles, Padilha, Salles), que conseguem essa sinergia entre o apelo popular e a aceitação dos cinéfilos. Selton Mello acaba de engrossar essa lista com seu segundo longa como diretor, o felliniano O Palhaço, o melhor filme nacional de 2011 e uma das grandes produções do ano, independentemente de nacionalidade.

Grandes histórias não precisam ser épicas. Às vezes os dilemas mais mundanos, os conflitos mais comuns, os personagens mais corriqueiros são capazes de provocar no público as interfaces cerebrais e emocionais dignas de uma epopéia grega. E O Palhaço, com seu enredo à princípio simplório sobre o palhaço tristonho (o próprio Selton Mello) que busca reencontrar a própria identidade, ao mesmo tempo em que presta contas com sua relação de zelo e dependência com o miserável circo que um dia herdará de seu pai, também comediante de picadeiro (Paulo José), possui uma força emocional descomunal.

Grandes roteiros não são meramente escritos, mas lapidados como uma escultura de Rodin por seus autores. No caso de O Palhaço, o cuidado é tanto que um mero objeto de cena (um ventilador, que em um primeiro momento aparece apenas como um elemento cênico descartável, mas se revela a chave principal por trás da história central) serve de modelo para a construção do próprio texto, que é assumidamente circular, com personagens e situações que aparecem no começo para retornarem modificados ao final da obra. As diversas participações especiais (Jackson Antunes, Moacyr Franco, Tonico Pereira, Danton Mello, Ferrugem, Jorge Loredo), que aos mais desatentos vão parecer meros esquetes em meio à trama, um Zorra Total disfuncional, funcionam na realidade como as pás desse ventilador em forma de roteiro, todas elas (todas mesmo) servindo como propulsores e gatilhos para a jornada do adorável e complexo personagem principal.

Grandes diretores de fotografia têm a inteligência de nunca desviar o foco da trama a ser contada apenas para embelezar as imagens captadas por suas câmeras. E O Palhaço tem uma das fotografias mais espertas do ano, ao enquadrar por diversas vezes os personagens num tablado imaginário, perfilados como o público diante de um palco que, olhem só, é justamente ocupado pela platéia do cinema. Esse jogo de espelhos entre o que ocorre no picadeiro e fora dele é um dos grandes achados do filme, uma referência explícita ao que o americano Wes Anderson (de Os Excêntricos Tennenbaums até O Fantástico Sr. Raposo) vem fazendo com êxito exemplar já há alguns anos.

Grandes atores conseguem quebrar a quarta parede que divide o que ocorre dentro da tela e fora dela apenas com o olhar. Com pouquíssimas falas, Paulo José, com seu palhaço Puro Sangue, consegue transmitir uma infinidade de sentimentos apenas com seus olhos às vezes reluzentes, às vezes opacos. 

Grandes filmes conseguem grudar na mente e resistir ao teste do tempo. O Palhaço estreou timidamente e foi, devido ao boca a boca entusiasmado do público, ganhando mais e mais espaço no circuito, até ultrapassar a marca de 1 milhão de espectadores. E as imagens e sensações que provoca, como a demolidora revelação contida justamente no último enquadramento da última cena do filme, não saem da retina facilmente.  

Grandes obras às vezes vêm travestidas de pequenos filmes. Assim como grandes espetáculos podem estar escondidos até nos menores e mais paupérrimos circos do interior do Brasil.

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