O Homer Vitruviano

O Homer Vitruviano
Leonardo quase acertou.

Wel Come Maguila, Mas Manda Flores No Dia Seguinte

Bem-vindos, párias, desgarrados, nerds, loucos de toda espécie ou, caso esse negócio não der certo, boas vindas às minhas demais personalidades. Façam-se ouvir, façam-se sentir, façam-se opinar. E, caso falte energia ou acabe a bateria, faça-se a luz!


quarta-feira, 3 de março de 2010

Um Filme Sério / Um Filme Nada Sério





Não lembro se foi no meu aniversário de 12 ou 13 anos (o filme, segundo me esclarece o IMDB, é de 1987, há mais ou menos um milênio atrás, portanto). O fato é que Dona Maria Elis, minha digníssima progenitora, aproveitando uma ida do meu pai à Capital, me disse que eu poderia escolher um filme para ver no cinema que ela me levaria.

Para quem não me conhece, isto é o equivalente a colocar um diabético na frente de uma confeitaria.

Tinha visto uma cena engraçada num programa de cinema (sim, eu já era maníaco pela Sétima Arte naquela época) e escolhi Arizona Nunca Mais. Achei sensacional. Gostei do humor, da câmera viajandona, das cenas de perseguição, do bigode do Nicolas Cage, do uniforme da Holly Hunter, enfim, de tudo. A minha mãe se divertiu também, achou os nenezinhos (quíntuplos ou sêxtuplos? não lembro mais) fofíssimos e tal. Os Irmãos Coen, daquele dia em diante, faziam parte da minha família.

Ao longo do tempo, os Coen foram ganhando mais e mais prestígio junto à crítica (e mais e mais eu curtia as suas pirações) e experimentando coisas novas. Coisas que afastam o público em geral. Coisas que são de certa forma intransponíveis, dependendo da maneira como assistimos aos seus filmes.

Mesmo um ganhador do Oscar como Onde Os Fracos Não Têm Vez (título horroroso e uma vergonhosa tradução para o original No Country For Old Men, algo como Sem Lugar Para Os Velhos) atrai a antipatia do público quando lhes tira justamente o clímax que esperavam ver, com o mocinho derrotando o vilão e o The End aparecendo em letras garrafais na tela, informando até o mais incauto espectador que o filme, sim, tinha chegado ao fim, e poderíamos todos ir para casa em segurança, sem esquecer de pagar o estacionamento do shopping na saída.

Comparativamente, o novo filme dos Coen é muito, mas muito mais difícil que Onde Os Fracos Não Têm Vez. Se chegar a passar no cinema aqui do Sul, provavelmente vai ser líder de reclamações aos bilheteiros quando o pessoal sair da sala escura. Serão os Coen odiados, xingados, execrados por uma parte significativa do público freqüentador de cinema. Mas idolatrados por uma pequena turma que procura de vez em quando mais que o feijão com arroz cozinhado por Hollywood todas as semanas.

E Um Homem Sério é tudo, menos um prato feito. É alta cozinha, um prato saboroso, mas que exige o paladar desarmado de um glutão que não se acovarde a experimentar uma iguaria exótica.

As muitas camadas de A Serious Man tornam a última diabrura dos Coen um filme que oscila por uma miscelânea de gêneros, principalmente a comédia de humor negro e o drama. Mas qual drama exatamente? Pois o tom adotado desde o genial prólogo é o da comédia, não há a menor dúvida.

Aliás, a cena inicial, vista isoladamente ou mesmo em conjunto com o resto do filme, aparentemente não faz o menor sentido. Trata-se de um esquete, uma piada pronta de judeus, em que um homem pode ou não ser na verdade um fantasma. Simples, assim. Complexo, assim.

O segredo crucial que permeia toda a trama está, porém, exposto justamente através desta parábola que abre o filme. O homem pode já estar morto, o que faria do personagem um fantasma a amaldiçoar a família de judeus, assim como pode estar vivo e prestes a morrer assassinado por engano pela esposa judaica. Em suma, tudo é uma questão de fé ou de ausência de fé. Para tais questionamentos, entretanto, pelo menos na visão dos Coen, não há resposta concreta.

Logo após, é citada expressamente pelo personagem principal, o professor de Física judeu Lawrence Gopnik, a teoria do Gato de Schrödinger, experimento em que um gato imaginário é colocado dentro de uma caixa lacrada com um frasco de veneno. Segundo o experimento, enquanto a caixa não for aberta duas realidades distintas coexistem simultaneamente: uma em que o gato morreu envenenado, outra em que o felino não tomou o veneno e continua vivo. O Gato de Schrödinger, aliás, é usado recorrentemente por seriados como Lost e Flashforward, seja como simples citação, seja como fundamento para a própria estrutura narrativa dos programas.

Em Um Homem Sério, o Gato de Schrödinger é utilizado principalmente para evidenciar o dilema vivido pelo protagonista, o homem sério do título que, a despeito da vida correta que leva, subitamente é submetido a uma série de provações e tem sua vida virada de cabeça para baixo (a mulher pede o divórcio para se casar com outro homem, uma promoção em seu emprego está ameaçada por cartas anônimas, um de seus alunos ameaça processá-lo, seu irmão mais velho passa a viver em sua casa, um vizinho pretende apoderar-se de parte de seu pátio, uma empresa começa a cobrá-lo por uma coleção de discos que nunca encomendou, tudo isto às vésperas do bar mitzvah de seu filho).

Haverá uma relação de causa e efeito decorrente de nossos atos e escolhas morais sob a aparente placidez de nossas vidas? Ou será a nossa existência apenas resultante das leis da Física que regem todo o Universo? Nesta hipótese, de nada adiantaria sermos corretos do ponto de vista moral no nosso cotidiano. Não precisaríamos sermos homens sérios, no final das contas. Mas e se estivermos errados e formos punidos justamente pela falta de fé no desconhecido?

Estas e muitas outras questões são levantadas em Um Homem Sério de forma gaiata e às vezes quase imperceptível. Os Coen nos privam, por outro lado, de qualquer resposta, fato evidenciado pelo devastador (e aparentemente inconclusivo) final do filme.

Nunca uma piada típica de judeus rendeu tanta queimação de neurônios.

Trailer de Um Homem Sério: http://www.youtube.com/watch?v=9FYtprwg1As

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