
(resenha já publicada no site Cena de Cinema, bem como na Revista Rua Grande - periódico e site, durante o mês de janeiro/2010, revisada, modificada, drogada e prostituída pelo próprio Autor)
Quando James Cameron anunciou seu próximo projeto cinematográfico, depois de mais de uma década apenas filmando documentários sobre o fundo do oceano, desenvolvendo equipamentos especiais de filmagem e experimentando efeitos especiais inovadores, pensei cá com os meus botões: o cara, depois de ter capitaneado o (até então) filme com a maior bilheteria de todos os tempos (Titanic, ora bolas), deixou o sucesso subir à cabeça e agora pensa que vai revolucionar a Sétima Arte com qualquer besteira que resolver lançar nos cinemas.
À medida que a estréia de Avatar se aproximava e as primeiras imagens e trailers do filme eram disponibilizadas na internet, parecia claro que a produção, que custara os olhos da cara (entre orçamento, divulgação e criação e desenvolvimento da tecnologia utilizada, supostamente teria batido na casa dos 500 milhões de dólares!!!!), tinha tudo para naufragar da mesma forma que o navio que fizera de Cameron o rei do mundo em 1997.
A verdade é que os trailers contradiziam a propagandeada “revolução visual” e os bichos azuis pareciam toscos e artificiais, uma espécie de híbridos dos Smurfs com os Thundercats, anos-luz do inovador impacto prometido pelo diretor a cada entrevista durante o período de pré-produção.
Aos poucos, foi-se formando uma corrente de descrença ao redor do globo, uma onda de incredulidade que uniu nerds, críticos e a própria comunidade cinematográfica. Enfim, o cineasta que enfileirava sucessos estrondosos (Aliens – O Resgate, O Exterminador do Futuro I e II, True Lies) e que só tinha experimentado o fracasso comercial uma única vez (com o ambicioso e subestimado O Segredo do Abismo) parecia fadado a amargar um prejuízo comercial e crítico retumbante.
Quando Avatar estreou, no começo de dezembro, calou a boca do mundo inteiro. A minha, a dos meus vizinhos, a dos meus colegas de trabalho, a dos críticos mais renomados de Hollywood, de todo mundo, indiscriminadamente. O site Rotten Tomatoes, que faz um apanhado geral de todas as críticas publicadas para cada filme, logo dava um percentual de mais de 80 % de aprovação para Avatar, feito raro para uma produção com perfil comercial. Críticas que mais pareciam pedidos de desculpas públicas para Cameron foram publicadas em todos os grandes jornais, revistas e sites.
Como se não bastasse, em apenas 7 finais de semanas desde a estréia, o filme já se tornou a maior bilheteria da história do cinema, tirando o lugar no pódio justamente do sucesso anterior de Cameron, Titanic.
Consolidando o efeito hecatombe, desbancou o filme favorito no Globo de Ouro (Guerra Ao Terror, coincidentemente dirigido pela ex-mulher de Cameron!) e papou o prêmio de Melhor Filme Dramático no evento.
As indicações para o Oscar eram inevitáveis, e vieram aos montes: um total de 9 indicações, mesmo número de (justamente) Guerra Ao Terror. O ex-casal se enfrentará novamente na noite de 7 de março próximo e quem duvidar das chances de Cameron na contenda pode acabar perdendo a aposta e ser obrigado a passar o resto do ano assistindo à filmografia do Rob Schneider.
Assim, a pergunta que não quer calar, se é que a esta altura do campeonato alguém ainda não conferiu pelo menos uma vez o filme, é se Avatar faz jus a este barulho todo. E a resposta é: vale cada centavo arrecadado, cada minuto despendido no cinema, cada pixel de cada computador usado para dar forma aos inacreditáveis efeitos especiais do longa.
James Cameron não fez uma ficção científica comum. Pelo menos, não no sentido formal. O diretor resolveu criar todo o ecossistema de um planeta, com fauna e flora próprios, tudo do zero. Quase tudo o que se vê na tela é computação gráfica. E absolutamente tudo o que se vê na tela parece real. O recurso da tecnologia 3D, muito mais que mero um artifício para fazer a platéia pular a cada objeto jogado em sua direção, aqui é utilizado de forma inovadora para criar a sensação de imersão completa no mundo criado por Cameron, o planeta Pandora. Quando a luz do cinema se apaga e adentramos no mundo de Pandora, o planeta em que se passa a história de Avatar, a sensação é de que realmente viajamos pela galáxia e caímos em um mundo selvagem e desconhecido. É a ilusão do cinema sob o efeito de anabolizantes.
A história não vai além de uma mistura de Dança Com Lobos, Um Homem Chamado Cavalo, O Último Samurai e Pequeno Grande Homem, só que ambientada em outro planeta e com protagonistas que parecem Smurfs jogadores de basquete.
Na verdade, Avatar nada mais é do que o faroeste que Cameron sempre desejou dirigir. Todos os elementos clássicos dos westerns da década de 70, que davam aos índios americanos um papel não de vilão, mas de vítimas da colonização, enfoque criado sob influência direta do movimento hippie, estão pres entes em Avatar: a raça de nativos oprimida pelo homem branco, que nada mais quer do que explorar as riquezas naturais de um território selvagem e desconhecido; o mocinho relutante que, uma vez infiltrado entre os selvagens, abraça a causa dos nativos, passando a lutar por ideais nobres, mesmo que para isso renegue a própria raça; a sociedade alternativa, mais próxima da natureza, ameaçada pelo desenvolvimento predatório; o romance interracial proibido entre o herói branco e a mocinha índia, o duelo entre herói e vilão, que lá pelas tantas saem no braço para dar à trama o embate climático necessário.
Apesar de usar (e, eventualmente, abusar, há de se admitir) dos clichês do gênero, Avatar sabe como lançar mão dos lugares-comuns do cinema popular em proveito próprio (e do bom cinema). Afinal de contas, James Cameron sabe o que faz e não deixa em nenhum momento que a trama se perca em cenas desnecessárias ou conflitos gratuitos. Se Cameron nunca foi um grande roteirista (e nunca foi mesmo), sempre soube orquestrar um espetáculo como poucos. Avatar não é diferente.
Nem mesmo a trilha sonora xaroposa e derivativa de James Horner (a todo momento, parece que o compositor está dando os acordes iniciais de My Heart Will Go On e Celine Dion vai irromper em cena pintada de azul) consegue estragar a diversão. E quando a horrorosa I See You, na voz de Leona Lewis, tortura os ouvidos do público durante os créditos finais, todos já estão com os outros sentidos devidamente arrebatados pela experiência lisérgica patrocinada pelo diretor que estreou no ofício com a pérola Piranha 2: Assassinas Voadoras.
A sensação de ver Avatar em 3D lembra muito o primeiro vislumbre dos dinossauros no Jurassic Park original, que causava aquela reação de maravilhamento automático na platéia.
Nunca um mundo de ficção pareceu tão real.
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