Abaixo, segue uma lista muito pessoal, com comentários muito pessoais. Assisti aos nove longas indicados a Melhor Filme no Oscar 2013, como faço todos os anos, em um dos muitos rituais que cultivo em relação à Sétima Arte. São comentários já publicados aqui no blog antes, apenas ordenei os filmes pela minha ordem de preferência. A lista a seguir, portanto, não foi proposta como algum tipo de aposta em vencedores ou coisa parecida. É simplesmente a ordem em que os longas indicados nesse ano mais me marcaram.
P.S.: esse ano, gostei muito de todos os indicados a Melhor Filme. Bela seleção.
1 - Amor (Amour, 2012):
Michael Haneke faz aqui um registro seco, impiedoso e extremamente
doloroso do declínio físico na velhice, mas também um emocionado libelo à
eternidade do amor. A opção do diretor em retirar de cada fotograma o
mínimo de artifícios cinematográficos que pudessem tornar o roteiro
menos difícil para um público mais amplo já é motivo de aplauso (não há
trilha sonora para emocionar a platéia, os planos são herméticos, as
cenas nunca duram um segundo a mais para amplificar a emoção dos
personagens e criar qualquer empatia ou sensação de redenção com o lado
de cá da tela). Como se não bastasse a corretíssima sobriedade da
arquitetura cênica, Haneke ainda conta com dois veteranos em estado de
graça: Jean-Louis Trintignant (A Fraternidade É Vermelha) e Emmanuelle
Riva (Hiroshima Meu Amor) dão um show que confere à produção a sensação
de se estar comparecendo à uma festa de gala. Especialmente Riva, que dá
à sua trágica personagem uma demonstração de entrega e despudor
surpreendentes para uma atriz octogenária. Espetacular. De aplaudir em
pé. Nota 9
2 - Indomável Sonhadora (Beasts Of The Southern Wild, 2012):
um bom diretor também é aquele que consegue extrair de seu elenco
performances surpreendentes. Partindo desse princípio, Benh Zeitlin, em
sua estréia em longas-metragens, já pode ser considerado um GRANDE
diretor ao conseguir que um elenco de atores não-profissionais entregue
atuações tão sinceras e comoventes, a começar por essa adorável atriz
que é a pequena Quvenzhané Wallis, um verdadeiro achado. Dos filmes
indicados ao Oscar, é disparado o que mais fala aos sentimentos. É
literalmente quase impossível conter as muitas lágrimas que essa jornada
de esperança em meio ao caos repetidamente insiste em trazer aos olhos.
A direção de arte e a trilha sonora são um primor e foram completamente
esnobados pela Academia, que não lhes garantiu sequer uma indicação.
Uma pena. Indomável Sonhadora é daqueles filmes que dificilmente sairão
da memória. Foram os noventa e poucos minutos mais prazerosos que passei
dentro de uma sala de cinema em muito, muito tempo. Nota 9
3 - Argo (Argo): que
virada na carreira deu esse Ben Affleck. De ator pavoroso a diretor de
mão cheia, o cara realiza aqui o seu melhor trabalho (e isso depois dos ótimos Medo da Verdade e Atração Perigosa). Tenso do início ao fim, Affleck é hábil ao desenvolver duas narrativas paralelas e um elenco gigantesco sem em momento algum perder o ritmo ou o foco. Tem sido apontado com uma das apostas certas no próximo Oscar e, quer saber, tem todas as ferramentas para pisar firme no tapete vermelho. Nota 9
4 - Django Livre (Django Unchained, 2012): é
cinema de cinéfilo para cinéfilos. O velho Taranta faz mais uma bela
homenagem ao cinema de gênero, no caso aos faroestes. Claro que é uma
ode ao western que não se furta a misturar no mesmo caldeirão
referências a outras tantas ramificações do cinema popular,
principalmente às produções de blackspoitation dos anos 70. E
mesmo o libelo tarantinesco ao faroeste é dividido entre reverenciar o
bangue-bangue americano clássico (as planícies infinitas, as tomadas
grandiosas filmadas à contraluz) e os spaghetti westerns italianos (a
violência exagerada e cartunesca, os zooms abruptos de câmera e mesmo a
participação afetuosa do ídolo Franco Nero, que imortalizou outro
personagem chamado Django em diversas produções). Aos fãs de Tarantino,
a boa notícia é que ele continua o mesmo de sempre. Aos detratores, a
má notícia também é esta. Estão ali os personagens estilosos, as
participações especiais e inusitadas (Don Johnson, Jonah Hill, Zoe Bell,
Tom Savini), o texto extenso e o uso da violência não como choque, mas
como alívio cômico e redentor. E por mais que Jamie Foxx esteja cool
como o personagem-título, são mais uma vez os coadjuvantes que roubam o
filme para si. No caso, uma trinca irrepreensível: Christoph Waltz, que
reprisa uma espécie de Hans Lada de Bastardos Inglórios, desta vez do
lado dos mocinhos; Leonardo DiCaprio, como um vilão afetado e
repugnante; e um incrível Samuel L. Jackson, pela primeira vez
interpretando um personagem que não seja uma mera imitação dele mesmo
desde muito, mas muito tempo. E os diálogos travados entre Waltz e
DiCaprio poderiam durar dias inteiros sem nunca cansar o espectador.
Coisa lapidada a ouro. A maior diversão de 2013 até aqui. "D-J-A-N-G-O, o D é mudo", diz o protagonista lá pelas tantas. Tarantino, para nossa sorte, não é. Nota 9
5 - As Aventuras de Pi (Life Of Pi, 2012, em 3D): à
primeira vista, é apenas uma bela fábula dirigida pelo versátil Ang Lee
(O Tigre E O Dragão, Hulk, O Segredo de Brokeback Mountain). Bela, não.
Linda demais, principalmente pela capacidade inegável do chinês em
criar imagens estonteantes, de fazer cair o queixo no chão da sala de
cinema. Passado o encantamento, o livro de Yann Martel reserva para o
final uma reviravolta que muda completamente o contexto do que se vira
anteriormente e torna a discussão sobre fé X racionalismo introduzida
meio ao acaso no começo do filme o mote central de toda a trama. É dessa
revisão, que implica compreender todos os inúmeros simbolismos
presentes na narrativa (alguns óbvios, como a multiplicação dos peixes,
outros assustadores se bem entendidos, como a alegoria da ilha
carnívora), que surge um filme corajoso e cheio de camadas. Só por
oportunizar a discussão escondida em seu desfecho (e que só será
desvendada por quem refletir sobre o que viu), já é uma obra muito acima
da média. Sobre o 3D, é legal, mas a fotografia é tão sensacional que
não perde nada se visto na forma tradicional. Nota 8,5
6 - Os Miseráveis (Les Misérables, 2012):
Tom Hooper é um diretor sem muita habilidade com a câmera e menos ainda
noção de estética narrativa. Abusa de enquadramentos toscos, câmera
inclinada e contrastes entre foco e desfoco que em nada contribuem para a
condução de seus filmes. Pelo contrário, apenas atrapalham a fruição de
suas narrativas. Dito isso, é uma pena que o sujeito tenha sido
escolhido para levar às telas a adaptação do musical da Broadway
inspirado na obra homônima de Victor Hugo. Hooper é o elo notavelmente
frágil entre todos os componentes que formam o espetáculo que é Os
Miseráveis. Verdade seja dita, o sujeito acerta mesmo somente na cena
inicial, de uma grandiosidade ímpar, e nos impactantes solos musicais,
filmados todos através de closes muito bem empregados. Mesmo contando
com uma produção caprichadíssima, Os Miseráveis não alçaria vôo se não
fosse o setlist de músicas certeiras e o elenco em estado de graça. Se
as canções do musical da Broadway aparecem aqui muito bem interpretadas
pelo elenco (e captadas diretamente do set, o que é um diferencial
interessantíssimo), é porque as letras e melodias são entoadas de
maneira visceral pelos atores. Se por um lado Russell Crowe sabe driblar
as próprias limitações vocais, Hugh Jackman, Anne Hathaway e Samantha
Barks (egressa de musicais no teatro, inclusive a montagem inglesa de
Les Misérables) parecem estar em seu habitat natural. Jackman,
principalmente, consegue aqui entregar uma composição precisa do
complexo Jean Valjean, permitindo-se uma transformação inclusive física
que até o momento é o ponto alto de sua carreira. Sacha Baron Cohen e
Helena Bonham Carter, por sua vez, aproveitam cada segundo como o
simpático casal de pilantras que serve como alívio cômico do musical.
Mas é Hatthaway que consegue um feito e tanto para a produção: a sua
interpretação de I Dreamed A Dream é uma das cenas mais poderosas da
história dos musicais. Para guardar para sempre na memória. Nota 8
7 - Lincoln (Lincoln, 2012): se, em Cavalo de Guerra,
Spielberg encontrou espaço em uma narrativa juvenil para fazer uma bela
homenagem ao melodrama hollywoodiano clássico, principalmente a John
Ford e William Wyler, colocando a sua marca pessoal em cada cena do
longa, aqui o cineasta dá dois passos para trás e deixa o texto do
dramaturgo (ganhador do Pulitzer por sua peça Angels In America) e
roteirista (Munique), Tony Kushner, falar por si só. E que texto para
quem gosta do assunto, no caso os bastidores para a aprovação da 13ª
Emenda à Constituição dos EUA, que aboliria a escravatura, com todas as
manobras políticas e discussões jurídicas que permeiam as decisões
legislativas de maior relevo (e com todas as compras de voto e
maracutaias a que se tem direito, o que contribui para humanizar o ícone
histórico do presidente americano mais idolatrado na terra do Tio Sam).
É, diga-se, um filme chato. Muito chato. Conta com um ritmo
claudicante, com ausência total de cenas de ação, privilegiando um
enfoque que mais parece teatro filmado, o que faz sentido quando se sabe
que é um teatrólogo por trás do roteiro. Lincoln é um filme de
Spielberg que quase não parece ter sido dirigido por ele. Sóbrio e
didático, é uma produção low profile até a medula. Mesmo os seus
colaboradores habituais, Michael Kahn (edição), Janusz Kaminski
(fotografia) e John Williams (trilha sonora), todos indicados ao Oscar,
estão aqui surpreendentemente contidos. Essa aridez narrativa justifica
um certo ranço com que vem sendo recebido fora dos EUA. Entretanto,
apesar da história dizer respeito diretamente ao povo ianque, o assunto é
universal. O texto de Kushner é uma aula magna de Direito, História e
Política, talvez uma das mais longas e profundas discussões jurídicas
que o cinema já encenou. Para quem não é do meio nem se interessa pelo
assunto mais do que ler as manchetes dos jornais, é um porre. Para um
advogado como eu, em dados momentos chega a ser eletrizante. E não há
dúvida alguma de que a decisão de Spielberg em não colocar a sua mão em
cada fotograma do projeto se justifica ao dar espaço para o seu incrível
elenco brilhar: da chatinha Sally Field ao sisudo Tommy Lee Jones,
passando por um divertido James Spader, todos estão ótimos. Mas o filme é
definitivamente de Daniel Day-Lewis. Quem conhece o ator não o
reconhece no filme, tamanha é a imersão completa que faz o astro sumir
dentro do personagem, da cadência vocal aos movimentos lentos, mas
decididos, da sutil envergadura corporal ao jeito de andar, a impressão é
que estamos assistindo ao verdadeiro Lincoln discursar e contar causos.
Impressionante. Uma atuação que só encontra parâmetro na de Joachim
Phoenix em O Mestre e mesmo assim consegue superá-la. Não é nem de longe
o melhor filme de Spielberg, muito menos o melhor dentre os indicados a
Melhor Filme no Oscar, mas é uma produção muito sólida. Nota 8
8 - A Hora Mais Escura (Zero Dark Thirty, 2012): segue a mesma
pegada de Guerra Ao Terror, provando que Kathryn Bigelow é, com folga, a
mulher mais badass em atividade em Hollywood. Mesmo com uma duração
excessiva (o que é compreensível, já que enfoca quase uma década de
acontecimentos), é uma produção que faz de seu registro cru um trunfo
que o destaca da maioria das produções atuais. Quando o roteiro chega a
seu desfecho já conhecido, a sensação não é de alívio, mas de amargor,
mérito de um roteiro que em nenhum momento toma algum partido, mas
limita-se a registrar os fatos com a máxima autonomia narrativa. "I´m
the motherfucker that found this place, sir" é a frase do ano até aqui. E
diz muito. Não só sobre o filme, mas sobre o nosso mundo. Nota 8
9 - O Lado Bom da Vida (Silver Linings Playbook, 2012):
escorado em um elenco simpático e afinado, em um diretor confiável
(David O. Russell, de Três Reis, Huckabees e O Vencedor) e uma trilha
sonora irresistível, é uma das comédias românticas mais espertas
surgidas nos últimos anos. É o legítimo produto comercial produzido por
Hollywood em seu estado máximo de lubrificação: satisfação garantida ou
seu dinheiro de volta. Agora, isso faz da produção digna das indicações
ao Oscar que acabou levando? Dificilmente. O roteiro, apesar de
agradável e com tiradas engraçadas que não agridem tanto a inteligência
do público, nunca afasta-se da segurança da cartilha básica das comédias
românticas, com todos os clichês inerentes ao gênero, dos coadjuvantes
engraçadinhos ao briga-reconcilia do par central até o clímax em que
todas as pontas são costuradas num passe de mágica (no caso do filme,
durante a final de um campeonato de dança). E se os protagonistas são
bonitões e carismáticos (e possuem uma química encantadora em cena), não
quer dizer que merecessem disputar a estatueta dourada. Colocar o
simpático galã Bradley Cooper para disputar contra as performances
viscerais de Joachim Phoenix em O Mestre e Daniel Day Lewis em Lincoln é
de uma desigualdade de dar pena. Mais ainda é colocar no ringue a
gracinha Jennifer Lawrence contra a irretocável Emmanuelle Riva de Amor.
Lawrence é a favorita do Oscar. O Oscar, por extensão, cada vez vai
tendo menos credibilidade fora da indústria. Nota 8
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