O Homer Vitruviano

O Homer Vitruviano
Leonardo quase acertou.

Wel Come Maguila, Mas Manda Flores No Dia Seguinte

Bem-vindos, párias, desgarrados, nerds, loucos de toda espécie ou, caso esse negócio não der certo, boas vindas às minhas demais personalidades. Façam-se ouvir, façam-se sentir, façam-se opinar. E, caso falte energia ou acabe a bateria, faça-se a luz!


sábado, 22 de maio de 2010

Palavras são armas


(texto escrito a jato para que as imagens do filme não me fujam em meio à embriaguez e à esclerose)

Cinéfilo que é cinéfilo regozija-se (ufa! Pensei que nunca encontraria um jeito de usar essa palavra num texto) quando depara-se com um bom filme que quase ninguém conhece. Principalmente quando é um filme que certamente quase ninguém de seu círculo de convivência vá algum dia assistir. É uma espécie de tesouro escondido que a gente acha e guarda num baú da memória, como um troféu dentro de uma redoma, para ser apreciado solitariamente. Este texto não é mais sobre Sierra Madre do que sobre o mapa que leva ao ouro, portanto.

O site Rotten Tomatoes, espécie de Ibope virtual que junta todas as críticas publicadas sobre filmes na web e gera um número percentual grudado aos títulos (mais de 60 % de aprovação faz do filme um tomate saudável, menos torna-o um tomate podre, o que deve aborrecer sujeitos como Adam Sandler e Rob Schneider), anualmente apresenta uma lista com as produções melhores ranqueadas pelas resenhas. A lista é subdividida em gêneros, o que facilita a busca para qualquer camundongo de internet, como este escriba.

Foi assim (e eis aí o mapa, contradizendo já no terceiro parágrafo o que foi escrito no primeiro) que ouvi falar de Pontypool, uma pequena produção independente vinda do Canadá que estava entre os filmes de terror melhor avaliados no ano passado.

Nunca passou no Brasil, assim como outras gemas do gênero como Martyrs, Eles (Ils), The House Of The Devil e A Invasora (este último, disponível em DVD). Mas é um baita filme. Ou melhor: um baita pequeno filme.

A história gira em torno de um grupo reduzido de personagens (três, na verdade), aquartelados dentro de uma estação de rádio na minúscula cidadezinha de Pontypool, no Canadá, durante um dia de nevasca. Nada anormal, não estivesse ocorrendo, fora do estúdio, uma espécie de epidemia que lentamente vai zumbificando toda a população do lugar. Pronto: zumbis! Daqui para frente, quem continuar lendo o texto certamente é fã do Romero, do Keith Richards ou da Hebe Camargo.

No entanto, o bacana da produção não é tanto o tema “zumbis + sangue + salve-se quem puder, motherfucker”. É o que há nas entrelinhas. E há bastante nelas.

Digamos que, se vissem o filme, caras como Michael Moore e os criadores do South Park puxariam uma ôla em homenagem aos canadenses que puseram o troço nas telas.



Pois o contágio, no filme, se dá através das palavras. Desde a primeira fala de Pontypool somos colocados frente a frente com os vários significados que um vocábulo pode ter e ressoar entre interlocutores diversos. E o fato do protagonista ser um radialista amargo e fracassado, interpretado por um gigante chamado Stephen McHattie, que o IMDB me lembra ter interpretado o Coruja velho em Watchmen, não é mera coincidência.

Nunca subestimando a inteligência de seu público alvo, Pontypool deixa mais perguntas do que respostas, e todas estas bem guardadas entre uma e outra frase cuspida pelo elenco, sem grandes explicações tatibitáti para os fãs de Stephanie Meyers compreenderem. Para assistir ao filme, é necessário, mais que suspensão da descrença, atenção com as palavras. E, como o roteiro acaba por nos ensinar, principalmente com o seu real ou figurado significado.

E palavras é o que não faltam em um filme que é basicamente movido por elas, a ponto do McGuffin da vez ser justamente uma doença transmitida por vocábulos (e somente em inglês, o que diz ainda mais sobre a intenção dos realizadores).

Ao tornar explícita a influência que palavras, quando mal compreendidas, podem exercer sobre a população, o diretor Bruce McDonald sabiamente evoca a atuação dos EUA em sua equivocada guerra contra algo totalmente conceitual e subjetivo como “o terror”. E, mais uma vez, não é por acaso que aparecem em cena personagens veteranos da guerra no Afeganistão e referências ao nazismo, ao Islã e às religiões fundamentalistas.

Genial como premissa, a idéia de uma arma de guerra que pode ser transmitida oralmente é também assustadora. E não tão distante assim da realidade. Pois vivemos em uma época em que a mídia, os governos, os líderes religiosos, todos eles e mais alguns, são capazes de mover com certa facilidade fatias inteiras da população como o gado conduzido pelo John Wayne em direção ao Rio Grande. Ora usando o manto da divindade, ora o discurso belicista, outras vezes o palavrório imbecilista, se tornarmos como exemplo os programas da Lucianta Gimenez, todos têm algo a dizer. E sempre há alguns para escutar.

Pontypool não é, per se, um filme de ficção. É, isto sim, um filme de horror. Um filme de zumbis. Um filme sobre o que está acontecendo com o mundo neste exato momento. Honey the cat is missing. Kill is Kiss. A linguagem é um vírus. A compreensão dela pode ser tanto a doença quanto a cura.

Um comentário:

  1. uau que puta filme deve ser, mas se tu ler esse coments me conta um top secret....tu apaga os comentários das pessoas? Não creio que não tenham lido essa postagem de mais de 1 ano!! Tu só pode apagar, non è possibile!! Como disse tua esposa em outra postagem (tb muuuuito boa), tu escreve maravilhosamente bem. É prazeroso te ler.

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